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Abrascão 2018: debate aborda epidemia de zika no Brasil

Foto da mesa

29/07/2018

Por: Renata Moehlecke (Agência Fiocruz de Notícias)

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Na Tenda Marielle Franco, a manhã do terceiro dia (28/7) do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva foi marcada por um debate sobre os efeitos da epidemia de zika durante e após o surto da doença no Brasil. A mesa-redonda Emergência do Vírus Zika no Brasil: Respostas e Desafios para o SUS e para a Saúde Coletiva foi coordenada pela presidente da Fiocruz, Nísia Lima Trindade, e contou com a participação dos expositores Gustavo Matta, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), e Kenneth Camargo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e do debatedor Carlos Gadelha, coordenador de Ações de Prospecção da Fiocruz.

Nísia abriu as apresentações falando brevemente sobre a criação e o trabalho da Rede Zika Ciências Sociais da Fiocruz. “A rede surgiu a partir da visão de que o campo da Saúde Coletiva, em particular as Ciências Sociais e Humanas, teria que lidar com essa questão, com o impacto dessa epidemia na saúde, do ponto de vista das famílias, mas também da construção do conhecimento científico”, explicou. “A epidemia permitiu ver de forma muito integrada o nosso Sistema Único de Saúde, o SUS, e a sua importância. Foi no âmbito da Saúde da Família, nos exames pré-natais realizados, no tratamento de gestantes, é que se verificou os problemas que as crianças viriam a ter”.

Ela também ressaltou a importância do papel dos profissionais de saúde envolvidos no enfrentamento da epidemia e da interdisciplinaridade. “A comunidade científica respondeu ao desafio de se deslocar de seus objetos de pesquisa para enfrentar essa epidemia de zika, uma vez que o Brasil foi e continua a ser um grande campo para essa investigação”, comentou. “É importante pensarmos como esse tema das epidemias, a de zika em particular, nos coloca desafios também importantes para a interdisciplinaridade. Muitas vezes se considera que o papel das Ciências Sociais e Humanas se dá no impacto da doença, em termos de pensar políticas públicas, mas a discussão também se dá em como esse conhecimento é construído, considerando, por exemplo, o papel da mídia, as questões ambientais e as desigualdades sociais que se expressam na forma de manifestação da epidemia”.

Em seguida, Gustavo Matta abordou o ineditismo e as incertezas trazidas pelo vírus zika no plano do conhecimento e das respostas dadas pelo SUS. Para ele, “a zika surge como um balizador de relações complexas entre ciência, política e sociedade”, afirmou. “O SUS foi responsável e fundamental na identificação precoce da relação entre o zika e a Síndrome Congênita da Zika”, diz. No entanto, ele levantou o problema da origem de casos de microcefalia. “Tivemos cerca de 15 mil casos suspeitos de microcefalia, mas apenas cerca de 3 mil foram confirmados por exames estarem relacionados com o vírus zika. E o restante dos 12 mil casos? Estes se deveram devido a que tipo de vírus? Não houve essa resposta”, complementou.

O pesquisador também ressaltou que o Brasil se transformou em um imenso laboratório no que diz respeito a questão da zika, inédita no mundo. Ele comentou que diversas famílias foram sobrecarregas por pesquisadores e seus estudos. “Não tivemos a capacidade de fornecer uma rede de proteção a essas famílias e nem um viés ético claro, o que nos coloca desafios importantes em relação às emergências sanitárias e ao papel dos pesquisadores”, aponta. “Como conseguir que essas famílias sejam respeitadas em sua privacidade, tendo retorno sobre as pesquisas que estão sendo realizadas e respeito em relação aos procedimentos a que foram e são convidadas a participar?”, questiona.

Ainda segundo Matta, outras questões precisariam ser melhor investigadas, como a questão da transmissão da doença e o direito ao aborto. “Claramente se deixou de fora, no ponto da política de saúde, a identificação da zika como uma doença sexualmente transmissível, estando o foco apenas no vetor. Países da Europa, da América Latina, o Caribe e os EUA adotaram a zika como uma doença sexualmente transmissíveis, mas o Brasil não o fez”, esclareceu. “O tema do direito aborto também apareceu em vários fóruns, mas se apagou ao longo da epidemia, não retornando como uma discussão importante”. Nesse sentido, ele destaca: “seja pelo desconhecimento, pelas incertezas, pela necessidade de mais pesquisas e recursos, a epidemia ainda não terminou”.  

Já o expositor Kenneth Camargo se deteve sobre a temática da circulação do conhecimento, dos rumores e das informações imprecisas transmitidas pelos meios de comunicação, e que se disseminam nas mídias sociais. “De uma maneira geral, doenças são fenômenos biológicos, mas também sociais, políticos e culturais. O enfrentamento tem que passar por todas essas dimensões”, esclarece. “Eu posso ter o maior aparato biotecnológico do mundo para, por exemplo, vacinar as pessoas, mas se elas não quiserem se imunizar, vamos continuar com a epidemia”. Por isso, ele complementa: “a propagação de informações errôneas, distorcidas, equivocadas pela sociedade pode funcionar contra a efetividade final daquilo que a gente está produzindo como pesquisa científica”.

No caso da epidemia de zika, Camargo relatou o caso de um boato que se espalhou na mídia e prejudicou o entendimento da população sobre a realidade dos fatos. “Segundo reportagens, especialistas argentinos e brasileiros teriam demonstrado que a microcefalia não seria causada pela zika, mas por um tipo de larvicida. Não houve um mínimo cuidado em checar as informações que estavam sendo divulgadas e nem se a relação causal entre os fatores fazia algum sentido”, explicou. “Assim, informações ficcionais foram sendo propagadas sem nenhum cuidado”. Ele ainda acrescentou que esses dados equivocados na internet acabam tendo a possibilidade de nunca mais sair de circulação. “Um ano depois dessa história, de inúmeras evidências científicas acumuladas, ainda é possível encontrar essas informações sendo divulgadas”. 

Para finalizar a mesa, Carlos Gadelha destacou mais uma vez a importância do desafio da transdisciplinaridade que a epidemia de zika trouxe para o campo da saúde coletiva. “Até que ponto não devemos repensar e avançar nessa perspectiva de fazer a saúde coletiva de modo integrado?”, ressaltou. “Precisamos entender melhor qual o papel possível da clínica na geração de respostas e pistas em nossas próprias agendas de pesquisa”.

Ele também abordou as noções de emergência e urgência sanitárias e a forma como isso explode na mídia e reflete a problemática da qualidade de vida, saúde e bem-estar das populações. “A pobreza, a exclusão e as desigualdades não são uma emergência? A forma como as mulheres são cuidadas e tratadas não é uma emergência? Ou são apenas urgências que vamos lentamente deixando de lado?”, questionou. “Como podemos tratar essa questão das emergências sem perder uma visão das também emergências que o sistema de saúde e o cuidado das pessoas requer”. 

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