28/07/2018
Marcelo Garcia (Portal Fiocruz)
"Territórios virtuais", que potencializem a participação democrática, as ideias e as experiências em todos os âmbitos do Sistema Único de Saúde (SUS) foram o tema da mesa CiberespaSUS: As redes sociais como dispositivos das políticas públicas de saúde no contexto da cibercultura. Realizada no dia 26/7 no 12o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, a mesa contou com a participação de Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti, da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Mariana Salles de Oliveira, da Rede HumanizaSUS, e Ricardo Rodrigues Teixeira, da Universidade de São Paulo (USP). Os três discutiram as experiências da Comunidade de práticas e da Rede Humaniza SUS, as maiores “redes sociais” na internet associadas a políticas públicas de saúde (a política nacional de atenção básica e a política nacional de humanização), além de abordarem a produção e a circulação de narrativas sobre o SUS no cenário atual da comunicação digital.
Cavalcanti apresentou sua experiência na Comunidade de práticas, uma iniciativa digital que procura dar visibilidade às vivências construídas por trabalhadores da atenção básica, atualmente com mais de oito mil relatos publicados. “Qualquer profissional que atue na área pode cadastrar uma prática no sistema, recebendo o auxílio de um curador para qualificar o relato antes da publicação”, explicou. “A iniciativa tem tido papel fundamental para sistematizar o conhecimento sobre as práticas de saúde na atenção básica.”
Mariana Oliveira relembrou os quase quatro anos em que esteve à frente da plataforma. A rede de trabalhadores, gestores e usuários tem como objetivo a multiplicação de perspectivas e a construção coletiva de narrativas sobre a humanização do SUS. “A proposta é estimular o compartilhamento de tecnologias sociais que busquem abrir portas de escuta, sem infantilizar ou tutelar a participação social, para criar espaços de cogestão e contribuir para a democratização do SUS em seu fazer cotidiano”, afirmou Oliveira. Criada em 2008, a rede conta hoje com 14 mil relatos, 37 mil cadastros e 100 mil acessos por semana.
Para Ricardo Teixeira, da USP, o processo de releitura e narração das experiências de saúde propiciado por essas iniciativas é essencial para a prática do SUS, por produzir novas reflexões e aprimoramentos a partir das vivências dos integrantes. Em sua apresentação, ele destacou que as duas iniciativas apontam para a possibilidades do emprego de redes sociais na internet como dispositivos de políticas públicas - ressignificando e radicalizando a própria ideia de política pública, não como política de estado ou de governo, mas de agentes da sociedade civil que produzem discursos e disputam narrativas. “Estes dispositivos ampliam o caráter público das políticas de forma diferenciada em relação aos conselhos de saúde, ampliando a participação”, avaliou.
Novo cenário
Desde que estas iniciativas nasceram, no entanto, o contexto da internet mudou. Teixeira argumentou que nos últimos dez anos houve uma mudança brutal na economia cognitiva e comunicacional. Para além do potencial democrático e emancipatório que a internet e as redes sociais ainda mantêm, a crescente concentração do mercado, a articulação de perspectivas pouco democráticas, os processos de circulação de notícias falsas, além de outras questões, têm reforçado o fato de que a tecnologia pode ser empregada de muitas formas e para diferentes fins.
Nesse contexto, Teixeira acredita que as redes sociais da saúde estão longe de representar o ciberespaço como um todo e acredita que seu estudo pode trazer um aprendizado importante para lidarmos com a complexidade comunicacional da atualidade. “A rede Humaniza SUS, por exemplo, é completamente aberta e tende a trazer para o primeiro plano a experiência afetiva, cognitiva e comunicacional do trabalho em saúde, mas nunca registrou qualquer episódio de intolerância ou violência, o que é ótimo, mas também causa certo estranhamento”, avaliou.
Oliveira também destacou a mudança de cenário e relembrou que, quando a Rede Humaniza SUS foi criada, parecia óbvio que redes sociais ajudariam a fortalecer a militância em torno do SUS e a produção de sistema mais democrático “Porém, boa parte da produção de subjetividade na rede está, hoje, nas mãos de algumas grandes empresas, que ditam as formas de interação em suas redes”, ponderou.
Entre os fatores que devem ser considerados no estudo do ciberespaço está a participação de novo atores não-humanos nos seus processos. “As máquinas participam cada vez mais de nossa vida, com filtros e critérios de seleção responsáveis pela curadoria de boa parte das informações que consumimos. Isso é algo indispensável, o problema é que esses algoritmos não são abertos, conhecidos ou sujeitos a um debate ou controle públicos”, afirmou Teixeira.
Para Oliveira, é preciso estimular políticas que produzam novas possibilidades de experimentação e troca em rede. “Precisamos desenvolver contra-políticas em relação aos algoritmos fechados, para ampliar as possibilidades desses corpos-máquina que continuarão a ser produzidos pela inserção da tecnologia no cotidiano”. Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti também defende a necessidade de criar estratégias que ajudem as instituições e os atores da saúde a participar da construção das narrativas sobre a área. “Quando pensamos de ciberespaço e políticas públicas, em geral falamos de projetos que estão muito na periferia. Precisamos valorizar novas propostas para aproveitar o potencial das redes, modificando os arranjos institucionais para tornar possíveis o engajamento e a participação”, concluiu.
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