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Lei da Biodiversidade


Referências sobre a Lei da Biodiversidade

O Brasil foi um dos países pioneiros na implementação de uma lei de acesso ao patrimônio genético, ao conhecimento tradicional associado e à repartição de benefícios: a MP 2186-16, de 2001, alinhada à Convenção sobre Diversidade Biológica. A intenção era evitar a biopirataria e garantir a repartição de benefícios oriundos do uso desta biodiversidade de forma justa e equitativa.
 
Na prática, porém, essa lei criou barreiras para a Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), trouxe obstáculos à inovação e as patentes, interferiu nas colaborações internacionais e não conseguiu fazer a repartição de benefícios de forma satisfatória. Por isso, foi alvo de críticas da sociedade civil e da comunidade científica, que reivindicavam uma legislação com regras mais claras e simples, com abordagens menos burocráticas e capazes de estabelecer um ambiente de tranquilidade e de segurança jurídica para estimular a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico que faz uso da biodiversidade brasileira.
 
Após quase 15 anos de amadurecimento do marco legal, a Presidente Dilma Rousseff sancionou, em 20 de maio de 2015, a Lei 13.123 (Lei da Biodiversidade), que entrou em vigor no dia 17 de novembro de 2015. Nela, os procedimentos de autorização prévia foram substituídos por um cadastro durante a fase da pesquisa e desenvolvimento tecnológico e por uma notificação antes do início da exploração econômica de um produto acabado ou material reprodutivo oriundos do acesso ao patrimônio genético do país e do acesso do conhecimento tradicional associado. Ou seja, a repartição dos benefícios ocorre somente quando da comercialização destes produtos.
 
De acordo com as novas definições de acesso ao patrimônio genético e de pesquisa, a lei alcança todas as atividades realizadas com a biodiversidade brasileira, incluindo atividades que não estavam contempladas pela legislação anterior, como pesquisas relacionadas à taxonomia, filogenia, estudos ecológicos, biogeografia, epidemiologia etc. 

Para desenvolver qualquer uma dessas atividades, a partir de 06 de novembro de 2017, passou a ser necessário o cadastro no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genérico e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen). Além do cadastro, os procedimentos de notificação de produto acabado e material reprodutivo, e outros previstos na Lei, devem ser realizados neste sistema eletrônico.

A atual legislação trouxe avanços em relação à anterior, mas ainda precisa de ajustes, principalmente no caso de pesquisas sem objetivos comerciais. Neste sentido, torna-se fundamental a atuação conjunta dos pesquisadores para levar críticas e sugestões à Câmara Setorial da Academia (CSA), espaço adequado e legitimado para discussões e propostas acerca da Lei da Biodiversidade.  Constituída por membros representantes da academia, a CSA envolve a Sociedade Botânica do Brasil (SBB), Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM), Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ), Associação Brasileira de Antropologia (ABA), especialistas em biotecnologia e metagenômica, além de conselheiros do CGen, incluindo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Entre março e junho de 2018, em atenção às demandas da comunidade científica, o plenário do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), presidido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), aprovou uma série de medidas que simplificam o cumprimento da Lei 13.123/2015 e o preenchimento do cadastro no SisGen. As novas resoluções e a orientação técnica aprovadas pelo CGen podem ser conferidas na íntegra em artigo publicado no Jornal da Ciência em 12 de julho de 2018, além do site do CGen.

Outra novidade deste marco legal é que, no artigo referente às definições utilizadas na lei, há um parágrafo único assegurando que o micro-organismo que tenha sido isolado a partir de substratos do território nacional, do mar territorial, da zona econômica exclusiva ou da plataforma continental é parte do patrimônio genético.

Em relação à repartição de benefícios as regras estão mais claras e são prefixadas. A repartição pode ser não monetária e monetária. Neste caso, o percentual será de 1% fixado ou até 0,1% por acordo setorial. A União será indicada como beneficiária da repartição de benefícios, no caso de acesso ao patrimônio genético. E, no caso de conhecimento tradicional associado, os beneficiários serão os povos indígenas, as comunidades tradicionais e agricultores tradicionais. As microempresas, empresas de pequeno porte, microempresários individuais, agricultores tradicionais e suas cooperativas com receita bruta anual igual ou inferior ao estabelecido em legislação pertinente serão excluídos da obrigação de repartir benefícios. O produto intermediário — que é aquele utilizado em cadeia produtiva, que o agregará em seu processo produtivo, na condição de insumo, excipiente e matéria prima, para o desenvolvimento de outro produto intermediário ou de produto acabado — também é isento da obrigação de repartir benefícios.

A Lei 13.123 institui o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB), de natureza financeira, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, no qual o usuário terá que depositar o valor de 1% ou até 0,1% (por acordo setorial) da renda líquida obtida com a venda do produto acabado ou material reprodutivo oriundo do patrimônio genético nacional. No caso de exploração econômica de produto ou material reprodutivo originado de conhecimento tradicional associado de origem identificável, o depósito no FNRB será de 0,5% da receita líquida anual. Os recursos monetários depositados no FNRB decorrentes da exploração econômica de produto acabado ou de material reprodutivo oriundo de acesso a conhecimento tradicional associado serão destinados, exclusivamente, ao benefício dos detentores de conhecimentos tradicionais associados. Quando os recursos monetários depositados no FNRB forem decorrentes da exploração econômica de produto acabado oriundo de acesso a patrimônio genético proveniente de coleções ex situ, os mesmos serão parcialmente destinados em benefício dessas coleções.
 
Quanto à regularização do descumprimento da MP 2186-16 de 2001, as regras estão mais flexíveis. Haverá isenção de 100% do pagamento de multas por irregularidades relacionadas às regras anteriores para a pesquisa. No caso de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico, a isenção poderá ser de até 90% das multas e o saldo remanescente poderá ser revertido em projetos para conservação, uso sustentável de biodiversidade, transferência de tecnologias, licenciamento de produtos livre de ônus, distribuição gratuita de produtos em programas de interesse social etc.

Também houve mudanças com relação à composição do CGen, visando inclusão de representantes da sociedade civil com direito a voz e voto. Agora a representação da academia, populações indígenas, comunidades tradicionais e agricultores tradicionais e do setor empresarial será de no mínimo de 40%, e os outros 60% serão de representantes de órgãos e entidades da administração pública federal.

Texto de autoria da pesquisadora Manuela da Silva

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