Desde suas origens, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) atua no saneamento, compreendendo-o como determinante da saúde pública no Brasil.
O desafio da Fiocruz, no início do século XX, não era pequeno, uma vez que teve que empreender campanhas sanitárias de combate às principais doenças epidêmicas da capital federal: febre amarela, peste bubônica e varíola. A descoberta dos “Sertões” pelas Expedições Científicas, organizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz, revelou o flagelo da miséria do povo e das doenças endêmicas, como as parasitoses intestinais, malária, doença de Chagas, tracoma, filariose, lepra, tuberculose, leishmaniose, sífilis, dentre outras. O livro Saneamento do Brasil, do médico sanitarista Belisário Penna, publicado em 1918, ano que se insere na segunda fase do movimento sanitarista brasileiro, teve como característica fundamental a ênfase nas doenças e na falta de saneamento rural.
Ao divulgar o diagnóstico de que o Brasil era um grande sertão, assolado por doenças, Penna fez severas críticas aos poderes públicos e deu grande visibilidade ao movimento Liga Pró-Saneamento, fundado em 1918, primeiro aniversário da morte de Oswaldo Cruz.
O médico cientista Oswaldo Cruz, em 1892, defendeu sua tese de doutorado com o tema “Veiculação Microbiana pelas águas do Rio de Janeiro”. No ano de 1916, afastou-se de¬finitivamente de Manguinhos. Fixou residência em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde a pedido do governador Nilo Peçanha, tornou-se o primeiro prefeito desta cidade. Tão logo tomou posse, preparou um plano de governo que incluía, entre outras metas, a construção de rede de esgotos e a organização dos serviços sanitários da cidade.
Diversas unidades da Fiocruz desenvolvem ações relacionadas ao saneamento básico. A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), por exemplo, por meio do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental, desenvolve e difunde conhecimentos técnicos e científicos em atividades de ensino, pesquisa, prestação de serviços e cooperação técnica há seis décadas, buscando contribuir para o desenvolvimento de ações relacionadas ao saneamento e à saúde ambiental, em especial à qualidade da água, do solo e do ar, visando à melhoria das condições de vida e saúde da população das áreas urbanas e rurais do país.
A Vice-Presidência da Fundação Oswaldo Cruz instituiu, por meio da Portaria no. 6426/2019-PR, de 13/11/2019, o Grupo de Trabalho Água & Saneamento, com o objetivo de atuar no tema do saneamento nas perspectivas da justiça ambiental dos direitos humanos, da promoção da saúde e dos bens comuns. Esse GT é constituído por especialistas e pesquisadores com representatividade de unidades de diversos estados do Brasil. As suas funções compreendem:
a. Assessorar a Presidência da Fiocruz no conhecimento, compreensão, aplicação, análise, avaliação e síntese relacionados ao tema;
b. Articular com unidades e escritórios da Fiocruz para subsidiar discussões e apoiar a produção de conhecimento que identifique soluções de saúde pública relacionadas ao tema;
c. Promover a interlocução com governos, instituições e movimentos sociais nacionais e internacionais visando propor e fortalecer políticas públicas em favor do direito à água e ao saneamento;
d. Induzir processos estratégicos na pesquisa, educação e cooperação relativos ao tema;
e. Subsidiar a comunicação da Fiocruz em relativos ao tema.
O GT Água & Saneamento, em interação com as unidades da Fiocruz, tem participado de forma propositiva na elaboração das políticas públicas de saneamento, a exemplo da contribuição elaboração do Programa Brasil Saneamento Rural (2019), revisão do Plano Nacional de Saneamento Básico (2019) e revisão da Portaria de Potabilidade de Água (2020).
O GT atuou na crise hídrica do abastecimento do Sistema Guandu, em janeiro de 2020, diante da presença de geosmina e MIB na água fornecida para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Participou do GT de Segurança da Água criado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), com diversas autoridades em saúde pública e instituições acadêmicas e de pesquisa, para atuar visando à reversão do estresse hídrico.
Atualmente está contribuindo com a análise crítica do plano de emergência e contingência de abastecimento de água e esgotamento sanitário da Cedae diante da Covid-19 e tem participado em reuniões junto ao INEA e MPRJ visando contribuir com ações preventivas para se evitar novo evento de “bloom” de cianobactérias no manancial do Guandu, na medida em que o verão se aproxima.
Diante da divulgação do edital de concessão da Cedae, companhia pública de abastecimento de água e esgoto do Rio de Janeiro, o GT convocou uma reunião expandida a outros pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições. Esses especialistas elaboraram, sob a coordenação do GT, a nota técnica - Análise dos Potenciais Impactos à Saúde e aos Direitos Humanos diante do Edital de Concessão da Prestação Regionalizada dos Serviços Públicos de Fornecimento de Água e Esgotamento Sanitário e dos Serviços Complementares dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro para o Setor Privado – enviada ao BNDES, banco contratado para executar o leilão e ao governo do Estado, responsável pelo processo de consulta pública ao edital. A note expressa a experiência e os debates promovidos pelo grupo considerando o saneamento básico nas perspectivas da justiça ambiental, dos direitos humanos, da promoção da saúde e dos bens comuns.
Acreditamos que o Estado tem uma dívida com o saneamento e a situação de saúde e em especial os territórios vulnerabilizados. Para cumprir o objetivo de promover a saúde pública, a área do saneamento precisa ser melhor compreendida e apreendida pelos trabalhadores do setor da saúde pública de uma forma geral.
As ações de saneamento requerem uma maior integração entre as unidades da Fiocruz, visando à consolidação de uma política institucional e desdobramentos no campo da pesquisa, com o fortalecimento da nossa capacidade laboratorial e de monitoramento ambiental, inclusive dos projetos de intervenção nos territórios. A articulação e o diálogo intersetorial e entre diversos segmentos (as populações, gestores, governantes e empresários) são essenciais para contribuir com a garantia do direito universal à água e ao saneamento.
A partir da realização de ações integradas de diversas unidades e da Presidência, o GT tem potencial de atender demandas específicas e atuar em processos estruturantes que impactam positivamente no objetivo de assegurar disponibilidade e gestão sustentável da água e do esgotamento sanitário, em busca da superação do desafio de universalizar o acesso à água e esgotamento sanitário no país.
O GT tem potencial, ainda, para atuar nos objetivos estratégicos da Fiocruz relacionados à Agenda 2030, uma vez que a discussão relacionada à disponibilidade da água e de saneamento básico está diretamente relacionada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs).