21/02/2019
Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)*
Durante cinco anos, cientistas de cinco continentes trabalharam para reunir dados atualizados sobre os impactos das mudanças climáticas para as cidades e as medidas que podem ser adotadas para enfrentar o fenômeno. O esforço, que contou com a colaboração de mais de 400 especialistas, foi liderado pela Rede de Pesquisas em Mudanças Climáticas Urbanas (UCCRN, na sigla em inglês), um consórcio internacional que conecta pesquisadores de aproximadamente 150 cidades espalhadas pelo planeta. O resultado está no livro Mudanças climáticas e cidades: segundo relatório de avaliação da Rede Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas, publicado pela editora Cambridge University Press.
Com uma ampla revisão da literatura científica e mais de 115 estudos de caso, a publicação aponta caminhos para a transformação urbana necessária para tornar as cidades mais resilientes e sustentáveis. “Para enfrentar as mudanças climáticas, o ideal é ter estratégias concomitantes de mitigação – reduzindo as emissões de gases contribuintes para o efeito estufa – e adaptação – preparando as cidades para as novas condições do clima. Além de analisar as consequências das mudanças climáticas do ponto de vista das cidades, o livro fornece exemplos concretos de sucesso e insucesso, em países desenvolvidos e em desenvolvimento. “Essas informações são valiosas para embasar ações de gestores e pesquisas”, afirma Martha Barata, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que integra o comitê organizador da publicação e coordena o capítulo sobre saúde humana. Martha é também coordenadora do Núcleo da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas na América Latina (UCCRN-AL), sediado pelo IOC/|Fiocruz em parceria com o Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Coppe-UFRJ (Centro Clima/Coppe-UFRJ).
Diversidade regional
Com projeções para 153 cidades, incluindo dez no Brasil, o livro aponta que as temperaturas podem subir de 1,7°C a 5°C até 2080, enquanto o nível do mar nas áreas costeiras deve aumentar de 21 cm a 118 cm. Ondas de calor, inundações, chuvas e secas são exemplos de fenômenos que devem se tornar mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas, com impactos diretos sobre as áreas urbanas. Em 16 capítulos, o relatório analisa os impactos desse cenário em temas como desastres, planejamento urbano, saúde humana, justiça ambiental, economia, biodiversidade, zonas costeiras, energia, água, transporte, habitação, resíduos sólidos e governança. A publicação inclui ainda um resumo para os líderes de cidades, que foi apresentado na 21ª Conferência das Partes (COP-21), em Paris, em 2015, com conclusões preliminares do trabalho.
Segundo Martha, a obra atualiza e amplia a gama de assuntos discutidos no primeiro relatório da UCCRN, publicado em 2011. “Todos os capítulos pensam em benefícios para as cidades, não só para o futuro, mas para os dias atuais. Por exemplo, expandir as áreas verdes nas cidades com objetivo de reduzir as ilhas de calor pode gerar benefício imediato para a saúde da população ao contribuir para a melhoria da qualidade do ar e a gerar oportunidades para atividade física”, comenta ela, citando como exemplo o projeto ‘um milhão de árvores’, implantado em Nova York. A cientista acrescenta ainda que o relatório evidencia o avanço das pesquisas sobre mudanças climáticas e cidades, sobretudo em países em desenvolvimento. “Em 2011, quase não havia dados disponíveis sobre a América Latina, mas agora temos mais de vinte estudos de caso da região. Isso é importante porque há diferenças regionais significativas. Por exemplo, a poluição atmosférica é a questão mais pesquisada nos países de clima temperado. Já nas áreas tropicais, os estudos relacionados a doenças transmitidas por vetores são expressivos”, comenta a pesquisadora.
Um dos estudos de caso apresentados no livro aborda os impactos das chuvas que atingiram a Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011. Além de provocar mais de 800 mortes em deslizamentos de terra e enchentes, o desastre elevou a transmissão de doenças infecciosas. Em Nova Friburgo, os casos de leptospirose passaram de sete em 2010 para 167 em 2011, enquanto os registros de dengue subiram de 31 para 936. O custo social das doenças, incluindo gastos do sistema de saúde e perdas de produtividade, foi estimado entre aproximadamente US$ 50 mil e US$ 280 mil. Para os cientistas, dados desse tipo podem apoiar a avaliação e implementação de medidas preventivas, uma vez que o gasto “pós-desastre” pode ser maior que o investimento na prevenção do dano.
Perspectiva financeira
O financiamento das ações é um dos temas abordados de forma inédita no relatório. Segundo estimativas, o custo para adaptação às mudanças climáticas deve ser de 80 a 100 bilhões por ano, com 80% dos gastos nas áreas urbanas. Uma vez que as cidades não conseguirão arcar com os investimentos sozinhas, o livro apresenta projetos desenvolvidos para incluir o setor privado nas ações. Um deles é o programa de comércio de emissões de carbono de Tókio, que estabelece uma cota anual para grandes consumidores de energia e obriga aqueles que emitem demais a comprar cotas daqueles que reduziram suas emissões.
Os riscos nas áreas costeiras é outro assunto destacado pela primeira vez. O relatório aponta que, considerando o ritmo de crescimento da população em cidades à beira-mar, a elevação do nível dos oceanos entre 10 cm e 21 cm, fará com que 411 milhões de pessoas vivam em áreas com risco de inundação em 2060. Os cientistas afirmam que o custo para proteger esses locais pode alcançar entre US$ 12 bilhões e US$ 71 bilhões até 2100, mas o valor ainda será menor do que os gastos para reparar danos caso nada seja feito. Construção de estruturas de defesa e soluções naturais, como recuperação de manguezais e dunas, são apontadas como possibilidades, ao lado de projetos para preparar a infraestrutura física das cidades e seus habitantes para lidar com a maior frequência de inundações.
Caminhos para a transformação
Além de detalhar ações setoriais, o livro aponta cinco caminhos para alcançar a transformação urbana necessária para enfrentar as mudanças climáticas. Em primeiro lugar, integrar mitigação e adaptação. Em segundo, coordenar a redução do risco de desastres no curto prazo e a adaptação às mudanças climáticas no longo prazo. Em terceiro, gerar informações sobre riscos associados ao clima com participação de cientistas e uma ampla gama de interessados, incluindo diferentes níveis político-administrativos, atores econômicos e sociedade civil. Em quarto, ter como foco prioritário as populações desfavorecidas, como pobres, idosos, mulheres, minorias e imigrantes recentes, que costumam ser mais vulneráveis às alterações do clima. Por fim, avançar na construção de redes de governança, financiamento e produção de conhecimento, para possibilitar o planejamento, a implantação e a coordenação das ações. “Esses caminhos têm sido adotados em diferentes graus por cidades do mundo que estão engajadas na preparação para as mudanças climáticas. As evidências apontam que essa é uma transformação urgente e é importante integrar a perspectiva climática ao planejamento das intervenções urbanas porque o custo posterior pode ser muito maior”, alerta Martha.
*Edição: Vinícius Ferreira
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