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"Implementação da Agenda 2030 parece entrar em conflito com as políticas de austeridade", diz pesquisador


14/05/2018

Rômulo Paes*

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Em junho de 2012, o Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que produziu o documento O futuro que queremos, aprovado pelos 193 países participantes, também conhecido como Carta do Rio. O documento ambicioso, considerando-se a magnitude da conferência, deu tratamento equilibrado às dimensões ambiental, social e econômica, na definição de um projeto global de desenvolvimento, e informou a Agenda 2030, que veio a ser aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro 2015.

A Região da América Latina, no geral, e do Brasil, em particular, foi muito importante na formatação da Agenda 2030, especialmente na ênfase dada à dimensão social, medida pela presença de três dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), comprometidos com o combate à pobreza, à fome e à desigualdade. Na década que antecedeu a Rio+20, a região experimentou um grande crescimento econômico, que gerou considerável aumento de receita, permitindo a expansão das políticas sociais, com particular destaque para o crescimento dos programas de combate à pobreza e à extrema pobreza que obtiveram notáveis resultados. É neste período que surgem ou se consolidam, por exemplo, as grandes ações de transferência condicionada de renda em 19 países da região.

Em 2012, apesar do contexto econômico não se apresentar de maneira favorável, como na década anterior, governos dos maiores países da América do Sul, sobretudo os de centro-esquerda, sustentaram uma agenda pró-pobres, fundada em um modelo de desenvolvimento com forte presença do Estado na promoção e provisão de políticas sociais.

2º Fórum dos Países da América Latina e Caribe sobre Desenvolvimento Sustentável

Mais de 5 anos após a Rio+20, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) recepcionou, entre 18 e 20 de abril, em Santiago, a 2ª Reunião do Fórum dos Países da América Latina e Caribe sobre Desenvolvimento Sustentável. O contexto econômico é ainda desfavorável e o cenário político na região é bastante distinto do que se apresentou na Rio+20. Governos de centro-direita que fundam suas políticas no compromisso com a austeridade fiscal são hoje predominantes na região e, como, por razões políticas, se veem impedidos de elevar a carga tributária, lastreiam suas políticas na redução do gasto púbico, sobretudo o social, produzindo tensões entre o compromisso assumido por seus estados com a Agenda 2030 e sua real capacidade de efetivação.  

O fórum priorizou os debates sobre os ODSs 6, 7, 11, 12 e 15, que tratam respectivamente de água e saneamento; energia; cidades; produção e consumo sustentáveis; e ecossistemas e biodiversidade, tendo como referência o 2o Informe Anual sobre o Progresso e Desafios Regionais da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável na América Latina e Caribe.

O texto base preparado pela Cepal indica o avanço dos arranjos institucionais expresso na constituição de 33 países da região e de estruturas interinstitucionais de coordenação da implementação da Agenda 2030. Também, destaca o fato de até o presente 19 países da região terem apresentado seus informes nacionais voluntários de progresso na implementação da Agenda 2030.

Em relação aos desafios, aponta para o crescimento da pobreza e da extrema pobreza na região. Ao comparar os anos de 2014 e 2016, observou-se o crescimento do percentual de pobreza e extrema pobreza no total da população, de 28,5% para 30,7% e de 8,2% para 10% respectivamente. O documento destaca ainda as dificuldades geradas pela evasão tributária, estimada em US$ 340 bilhões, ou cerca de 6,7% de PIB no agregado de todos os países da América Latina e Caribe, o que contribui para a redução da capacidade de investimento público, e a necessidade de maior integração regional para construção de acordos globais que eliminem assimetrias financeiras, tecnológicas e comerciais.

Os debates no fórum deixaram claro a grande preocupação dos países com a falta de capacidade deles para implantação de várias das metas vinculadas aos ODSs, sobretudo as que exigem investimentos em infraestrutura.

Considerando este contexto, a implementação da agenda parece, em alguma medida, entrar em conflito com as políticas de austeridade fiscal em curso em muitos países. Logo, se a crise econômica e/ou a austeridade fiscal persistir por muitos anos, nos países da região, enfrentaremos grandes dificuldades de cumprir as ambiciosas metas da Agenda 2030. 

Fiocruz no Fórum de Santiago

A Fiocruz fez parte da delegação brasileira na 2ª Reunião do Fórum dos Países da América Latina e Caribe sobre Desenvolvimento Sustentável. A delegação foi chefiada pela Secretaria de Governo da Presidência da República, e contou com ainda com o IBGE, Ministério das Relações Exteriores e representantes da sociedade civil.   

A presença da Fiocruz deu-se em três momentos: na organização de evento paralelo em parceria com Cepal e Isags; na assinatura de memorando de entendimento com Cepal para produção de conhecimento sobre saúde e desenvolvimento; e, o mais importante, na participação na mesa-redonda do Fórum Desafios sociais na implementação da Agenda 2030.

O evento paralelo foi constituído para propiciar uma reflexão sobre a implementação do Objetivo 3 da Agenda, que trata especificamente de saúde, com ênfase no princípio da saúde como direito e no compromisso com a redução das desigualdades em saúde, cobrindo ainda as estratégias de monitoramento dos indicadores de saúde. Paulo Gadelha (ex-presidente da Fiocruz) abordou o tema sobre ciência, tecnologia e inovação em saúde na Agenda 2030. Em sua apresentação, tratou da contribuição e dos desafios do Brasil frente a um contexto marcado por assimetrias na distribuição de capacidades instalada em ciência, tecnologia e inovação em saúde. Apresentou ainda a estratégia da Fiocruz para a implementação da Agenda 2030.

O Acordo Fiocruz/Cepal foi assinado em 19 de abril pela Presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, e pela Secretária Executiva da Cepal, Alicia Bárcena. Os objetivos compreendem as atividades de prospecção e pesquisa em desenvolvimento socioeconômico e saúde; de desenvolvimento de ferramentas eletrônicas para promoção do desenvolvimento sustentável; de tecnologia social e qualidade de vida; de intercâmbio acadêmico; e de territórios saudáveis e sustentáveis. 

A Fiocruz foi a única instituição acadêmica a ter voz no fórum, em que os oradores são com raras exceções representantes de governos e de organismos internacionais.  Nísia Trindade participou do último dia do Fórum, debatendo com a ministra de Desenvolvimento Social do Uruguai, Marina Arismendi, representantes da Confederação Sindical de Trabalhadores das América e Agência de Cooperação e Investimento de Medelín, respectivamente Rafael Freire Neto e Catalina Restrepo.

Em seu pronunciamento, Nísia Trindade alertou tanto para persistência da cultura do privilégio, quanto para as assimetrias inter e intra regionais na distribuição de capacidades em ciência, tecnologia e inovação. São processos intrinsicamente ligados a produção de desigualdades socioeconômicas e que estão na determinação das desigualdades em saúde. Ela destacou que a concepção e implementação do SUS buscou enfrentar estes problemas. Citou ainda outros exemplos brasileiros que merecem atenção como os efeitos interativos dos programas Saúde da Família e Bolsa família na redução da mortalidade infantil, e do enfretamento da Zika que requereu uma abordagem integrada no enfrentamento de uma epidemia que possui grandes impactos sociais e que está ligada aos ODS 1, 3, 5 e 6 (pobreza, saúde, igualdade de gênero, água e saneamento). Por fim, defendeu um conjunto de iniciativas centradas na intervenção sobre os determinantes sociais das desigualdades em saúde, promoção da inovação para a superação das assimetrias regionais, promoção da equidade em todos os seus níveis, geração de oportunidades, melhoriaar na qualidade da entrega de bens e serviços. Tendo todos os componentes citados devidamente assentados, em um modelo sustentável de política púbica.

Final

Se os riscos associados ao aquecimento global e o crescimento das desigualdades sociais foram argumentos muito fortes para permitir que os países construíssem a Agenda 2030, a implementação desta agenda traz novos riscos e desafios, como: déficits fiscais, ausência de capacidade instalada, dificuldades de coordenação intersetorial, falta de comprometimento politico. Instituições com o porte e o prestígio da Fiocruz têm muito a contribuir na compreensão e construção de soluções para os grandes desafios de implementação da agenda na região. Sua presença no Fórum de Santiago fortalece o seu papel e vocação frente a Agenda 2030 que é: produzir conhecimento e tecnologia para promoção do desenvolvimento equitativo, sustentável e inclusivo.

*Rômulo Paes é pesquisador do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas)

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