Fiocruz

Fundação Oswaldo Cruz uma instituição a serviço da vida

Início do conteúdo

Cultura do risco e saúde é tema da primeira edição do ano da Reciis


10/04/2019

Por: Roberto Abib (Icict/Fiocruz)

Compartilhar:

Capa da revista Reciis mostra moradora de rua sozinha em uma ruaEm sua primeira publicação de 2019, a Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis) apresenta o dossiê Comunicação e Riscos em Saúde, inaugurando uma nova seção da revista, que contará com dossiês temáticos incorporados nas edições deste ano, que continuam com a dinâmica de temáticas livres e submissões em fluxo contínuo. De acordo com o editor científico, Igor Sacramento, os dossiês permitem o agendamento e aprofundamento de temas nas suas diversas abordagens no campo da Comunicação, Informação e Saúde. A Reciisé editada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). 

A noção de risco é um conceito nômade que transita em vários campos do conhecimento, como na economia, na ecologia, na segurança pública, na engenharia e na saúde. Na nota de conjuntura, Contribuições da psicologia discursiva para o campo da comunicação sobre riscos em saúde, Mary Jane Spink, sob a ótica da psicologia social, chama a atenção para a noção de risco em articulação com as condições socioculturais, o que faz propor o risco como linguagem, pois “no interior de cada campo se desenham formas específicas de falar sobre ele”. 

Em a Semântica do Eufemismo: mineração e tragédia em Brumadinho, Valdir de Castro e Daniela de Castro analisam os materiais de comunicação produzidos pela empresa Vale após os desastres de Mariana (MG) e circulado nas regiões próximas da cidade, inclusive em Brumadinho (MG), onde recentemente se viu repetir o mesmo erro. Na análise, os autores se referem aos produtos de comunicação da Vale como uma modalidade discursiva que reitera uma imagem idealizada da empresa e transfere a responsabilidade de lidar com o risco do rompimento das barragens aos moradores por meio da promoção de treinamentos de segurança para a população diante das incertezas de suas inconsequências. 

Risco comunicado e construtor de subjetividades 

O dossiê Comunicação e Riscos em Saúde é composto por artigos que questionam a perspectiva tradicional e unidirecional de comunicar o risco. Em Agora é guerra: a presença do discurso mobilizador em campanhas de controle da dengue, Vivian Campos e Laura Corrêa analisam dois filmes produzidos pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais relacionados a campanhas contra a dengue. As autoras identificaram nos filmes que cabe ao homem branco a credibilidade na prescrição do que é certo ou errado no risco eminente da dengue. 

Em Um, dois, três – gravando: as campanhas audiovisuais do Ministério da Saúde sobre dengue, Chikungunya e Zika de 2014 a 2017, Adria Albarado, Elizabeth Prado e Valéria Mendonça problematizam nos produtos comunicacionais produzidos pela respectiva pasta ministerial a não consideração da pessoa em situação de risco na tomada de decisões diante do perigo das arboviroses.  

No artigo Educação a distância como recurso para capacitação de Agentes Comunitários de Saúde para intervenções preventivas relacionadas ao álcool e outras drogas, os autores relatam que o uso de ferramentas tecnológicas na aprendizagem à distância é um potente recurso de educação permanente em serviço. Por outro lado, a tecnologia pode ser nociva diante das informações de um risco epidêmico global disseminadas nas redes sociais. Esta consideração é discutida por Santosh Vijaykumar, Yan Jin e Claudia Pagliari no artigo Outbreak Communication Challenges when Misinformation Spreads on Social Media (Desafios da comunicação de surtos epidêmicos quando a desinformação se espalha nas redes sociais), em que analisam o surto do vírus Nipah (NiV) no Estado de Kerala, no sul da Índia. 

Além de refletir sobre as formas como o risco é comunicado, a edição v13 nº1 da Reciis traz o imperativo deste conceito e linguagem na produção de subjetividades. Este aspecto é discutido na entrevista com o professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), Paulo Roberto Vaz. Inspirado pelo pensamento dos filósofos Michel Foucault e Gilles Deleuze, Vaz expõe uma argumentação em que a noção de risco articulada às práticas de saúde produz sujeitos, práticas e coletividade que desejam e criam técnicas de um cuidado crônico, cujo sentido da vida é se proteger do risco para se distanciar da morte. No campo da segurança pública, Vaz entende que o risco é um aliado para instaurar o medo nos sujeitos, que passam a desejar ações autoritárias e repressoras para se ter uma sociedade segura. 

O autocuidado despolitiza as políticas de saúde pública?

A Reciis apresenta também a tradução do manuscrito "Healthism and the medicalization of everyday life" (Salutarismo e medicalização da vida cotidiana), de Robert Crawford, que argumenta sobre uma consciência de saúde na qual o sujeito passa a ser o responsável pelo seu próprio bem-estar. Assim, as responsabilidades do Estado sobre as políticas de saúde são transferidas para o indivíduo. Publicado em 1980, este trabalho é apresentado como atual e contextualizado no ensaio O salutarismo de Robert Crawford e as atualizações do autoritarismo sanitário nosso de cada dia, de Danielle Ribeiro de Moraes e Luis David Castiel. A partir da valorização do autocuidado, os autores lançam a questão: “afinal, em um mundo hiperindividualizado, qual o sentido político do Sistema Único de Saúde, sendo ele um projeto coletivo, que implica na ideia de um sistema de saúde público, gratuito, universal e, fundamentalmente, que tem como dimensão-chave a integralidade das ações?”

Na seção dos artigos originais com temáticas livres, a edição conta com o trabalho sobre as “Diretrizes e indicadores de acompanhamento das políticas de proteção à saúde da pessoa idosa no Brasil”; sobre a “Qualidade da informação da idade nos registros de óbito no Brasil, 1996-2015; sobre a “Apropriação da terminologia ‘uso consciente de medicamentos’ visando à promoção da saúde global”; e apresenta uma discussão proposta por Larissa de Oliveira Cesar e Patrícia Saldanha sobre a influência do pastor Silas Malafaia, entendido como um líder de opinião, na retransmissão e ressignificação de conteúdo das mídias digitais relacionado às questões de gênero. Na seção de artigos de revisão são apresentados dois trabalhos: “Tecnologias digitais de informação para a saúde: revisando os padrões de metadados com foco na interoperabilidade” e “Recursos humanos em saúde: do processo intuitivo ao People Analytics”.

A edição fecha com a resenha do livro “Mediações Comunicativas da Saúde”. Como destaca Antônio Vianna, autor da resenha, a obra reúne uma coletânea de artigos que propõem pensar os dispositivos da mídia em suas mediações socioculturais e como se dão as apropriações das mensagens midiáticas por parte do público, não se restringindo apenas a analisar as intenções dos emissores. Este é um ponto comum que norteou a maioria das publicações desta primeira edição de 2019 da Reciis

Voltar ao topoVoltar