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A agenda da saúde em 2015: Carlos Paiva, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz

O historiador Carlos Paiva

18/12/2014

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O historiador Carlos Henrique Assunção Paiva é pesquisador do Observatório História e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), mestre e doutor em saúde coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Uerj e estudioso da história do sistema de saúde brasileiro.

Portal Fiocruz - Quais temas provavelmente vão dominar a agenda da saúde em 2015?

Carlos Paiva - Em termos gerais, não vejo que temos na agenda temas propriamente novos. A tradicional questão do financiamento do setor público é um deles. O Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública, o Saúde Mais 10, por exemplo, continua colocando em pauta o problema do subfinanciamento do sistema público. Em seu lugar, o movimento defende 10% das receitas correntes brutas para o SUS. Está em questão, portanto, mais uma vez, o financiamento de uma iniciativa de universalização do acesso à saúde no país. Sem recursos compatíveis com as necessidades e pretensões desse sistema, não avançaremos.

Uma outra velha tendência parece ser a discussão em torno da composição de uma rede regionalizada de saúde. Essa discussão tem crescido na última década e relaciona-se com a crescente percepção de que a descentralização de base municipal não pode se contrapor aos esforços de articulação, pactuação e governança regionais. Dito claramente: não será possível que cada município dê conta de todas as necessidades de saúde de seus munícipes. Não é sequer viável economicamente esse tipo de ideia. Sendo assim, é importante que avancemos em mecanismos que representem uma maior regionalização e composição em rede. Minha expectativa é que esse seja um tema que poderemos, com boas doses de dificuldade, avançar um pouco mais.

A sua pergunta, contudo, nos chama a atenção para a questão do “domínio na agenda pública”. Parece-me que esses serão temas com alguma relevância no debate público. Mas havendo maior visibilidade desses temas, infelizmente, não poderemos concluir que repercutirão automaticamente em avanços concretos compatíveis à eventual visibilidade. Ao contrário, a expectativa hoje é que, em termos macroeconômicos, não teremos um ano fácil. A expectativa de crescimento da economia, por exemplo, já foi recentemente revista para baixo pelo próprio governo. Ao que tudo indica, teremos, portanto, um próximo ano de grandes restrições orçamentárias. Não será um contexto nada favorável para avançarmos na discussão do financiamento do SUS, por exemplo. Junta-se, a esse contexto econômico desanimador, um visível acirramento da oposição ao governo. Uma oposição que não nos parece positiva ou sempre motivada pela ampliação e fortalecimento dos direitos sociais. Ao contrário, somos testemunhas de uma onda conservadora cujos resultados políticos e sociais ainda são desconhecidos. Vamos nos deparar com um cenário favorável à pactuação em torno do projeto do SUS? Hoje somos inclinados a dizer que não. Mas não podemos ter desprezo pela história: ou seja, pelo potencial de novidade, ruptura e contradição nos processos históricos. Quem sabe seja desse difuso clima de insatisfação social — cujo maior exemplo foram as manifestações de junho [do ano passado] – que nascerá um movimento mais vigoroso em favor do sistema público de saúde? Quem viver, verá.

Quais projetos e leis mais decisivos para o campo da saúde — mesmo que não diretamente ligados a ele — devem entrar em votação no próximo ano?

Parece-me que, de cara, está em jogo nesse momento a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias [a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 acabou sendo aprovada pelo Congresso Nacional em 17/12, alguns dias depois dessa entrevista], que definirá a meta do superávit primário. Ou seja, decidiremos quanto os governos federal, estaduais e municipais deverão economizar para o pagamento de dívidas. É uma decisão que, a depender do resultado, rebaterá diretamente nas políticas sociais.

Mas como a gestão da saúde e a própria saúde das pessoas é afetada por uma multiplicidade de situações, não é fácil eleger esse ou aquele projeto em pauta. Talvez alguém que tenha um domínio maior sobre a agenda legislativa poderá responder com maior precisão à sua pergunta. Eu vou, portanto, especular. Ao que tudo indica, a discussão sobre uma política nacional de segurança pública ganhará mais fôlego no próximo ano. Em compromisso de campanha, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff deverá encaminhar ao congresso Proposta de Emenda Constitucional visando aumentar as atribuições da União nessa matéria. Nessa mesma área, há nesse momento no Congresso duas PECs: a 51 e a 423. A primeira, entre outras coisas, lida com a desmilitarização da Polícia Militar e a criação de uma carreira única para policiais. A segunda também envolve importantes modificações nessa área, mas sem que se desmilitarize a polícia.

Mas por que estou citando essa questão da segurança pública? Ora, é visível que temos muitíssimo a avançar nessa área. Ter uma polícia cidadã e mais eficiente, é parte importante no controle do Estado sobre seu território. Como é de conhecimento de todos, há muitas fatias desse território que hoje não se encontram de todo sob o domínio do poder estatal. Grupos armados, compostos por traficantes e/ou milícias, afrontam o estado brasileiro, sobretudo em regiões mais pobres dos grandes centros urbanos. São, muitas vezes, territórios que hoje, a título de exemplo, veem na expansão da Saúde da Família uma estratégia importante de organização do SUS, do acesso aos serviços de saúde e de melhoria das condições concretas de vida. É urgente que políticas desenvolvidas pelo SUS melhor se articulem com outras iniciativas, especialmente no campo da segurança pública. Ou seja, creio que se essa agenda em torno da segurança pública avançar, por uma série de razões, beneficiará o sistema público de saúde, seja pela diminuição de casos de violência; seja pela possibilidade dos serviços de saúde melhor operarem em regiões então fora do domínio estatal.

Enfim, muitas são as possibilidades de resposta à sua pergunta.

Quais temas deveriam estar na pauta da saúde em 2015, mas parecem envoltos em silêncio? 

Não diria envolto em silêncio, mas com pouca ou relativa potência. Bem, me vêm à mente dois temas: o primeiro diz respeito à necessidade de um movimento político firme e com estratégias mais claras para a afirmação do SUS. Como todos sabem, o SUS é fruto de um complexo empreendimento que foi capaz de envolver, no contexto da abertura democrática, diversos atores em torno do direito e da universalização da atenção à saúde. Um movimento que contou com o papel decisivo de muitos atores e instituições. Como estratégia, esses atores foram capazes de defender de forma muito eficaz suas ideias e proposta em parceria com lideranças parlamentares no interior do Congresso Nacional. O Parlamento, portanto, foi parte de uma importante estratégia de construção e luta política. Não é mais óbvio que esse seja o caminho. Sinto, talvez injustamente, um certo clima de desmobilização e ausência de estratégias claras para se avançar com a reforma sanitária.

Mais recentemente, vemos uma ativa parceria entre diversos atores, como a Abrasco e a Fiocruz, só para citar alguns, com o Conselho Nacional de Saúde. Ao que tudo indica, esse seria um caminho de produção de sinergia e força na luta por um sistema público de saúde. Espero que nos anos seguintes, possamos olhar para esse período e dizer que essa parceria foi frutífera e fortalecedora da causa pública e da luta pelo SUS.

Um segundo tema relativamente adormecido diz respeito aos trabalhadores do SUS. Avançamos em diversos aspectos na organização e na prestação de serviços, mas, em minha opinião, estamos ainda aquém das possibilidades quando se trata da situação do trabalho em saúde. A questão do vínculo empregatício, do trabalho precário, do salário compatível e competitivo e de um plano de carreira precisam ser vigorosamente enfrentadas se quisermos, de fato, não só atrair profissionais, mas, sobretudo, fixá-los no sistema público.   

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