03/12/2020
Fonte: Ensp/Fiocruz
Uma das características do novo coronavírus é que ele acomete mais severamente as pessoas mais velhas e aquelas com doenças crônicas preexistentes. No Brasil, até 5 de junho de 2020, 86% dos óbitos pela doença haviam ocorrido entre pessoas com 50 anos ou mais. A questão foi abordada pela pesquisadora da Fiocruz Minas, Maria Fernanda Lima-Costa, em suplemento do Cadernos de Saúde Pública, onde são apresentados os primeiros resultados da iniciativa ELSI-COVID-19.
Para Lima-Costa, além da vulnerabilidade biológica devido à idade, existem implicações diversas da epidemia para as faixas etárias mais velhas. A primeira delas é o etarismo (ou ageism em inglês), que significa o estereótipo, o preconceito e a discriminação contra as pessoas mais velhas. Essa concepção inaceitável pode levar à “naturalização” da perda de vidas entre os mais velhos, implicando condições diferenciadas de apoio social, tratamento e medidas de prevenção.
Pelo menos duas outras condições tornam os mais velhos mais vulneráveis à epidemia do SARS-CoV-2, complementa Lima-Costa. Uma delas é a maior prevalência de doenças crônicas, que exigem monitoramento e uso contínuo de medicamentos (68% dos adultos brasileiros com 50 anos ou mais possuem duas ou mais doenças crônicas). Portanto, disse ela, não se pode menosprezar a possibilidade de piora dessas condições durante a epidemia, em função das dificuldades para a obtenção de consultas médicas e/ou de medicamentos, ou mesmo a adoção de comportamentos prejudiciais à saúde. Adicionalmente, existe a possibilidade do surgimento de novas doenças, como doenças cardiovasculares, doenças autoimunes e de problemas de saúde mental, em função do estresse gerado pela epidemia e do distanciamento ou isolamento social.
Existem muitas perguntas ainda não respondidas acerca do comportamento do SARS-CoV-2 na população, questiona a pesquisadora. Uma dessas perguntas é se a epidemia será contida na primeira onda ou se ondas sucessivas virão, até que surja uma vacina eficaz ou surjam outras medidas, ainda desconhecidas, que sejam capazes de conter a sua disseminação. Existe, portanto, uma grande necessidade de informações transparentes, oportunas e de boa qualidade para esclarecer a sociedade e subsidiar políticas públicas para a mitigação da epidemia e suas consequências no curto e longo prazos.
Em função desses desafios foi constituída a iniciativa ELSI-COVID-19, com o objetivo de produzir informações para o melhor entendimento da epidemia do coronavírus 2 e suas consequências nas faixas etárias mais velhas. Essa iniciativa é baseada em entrevistas por telefone realizadas entre participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), conduzido em amostra nacional representativa da população com 50 anos ou mais.
Neste Suplemento dos CSP são apresentados os primeiros resultados da iniciativa ELSI-COVID-19. O primeiro artigo descreve a metodologia da iniciativa. Os artigos subsequentes contemplam temas diversos, como isolamento social, saúde mental, doenças crônicas, uso de medicamentos e uso de serviços de saúde, entre outros temas não menos relevantes. Como estamos diante de uma crise sanitária, que exige respostas rápidas, alguns artigos estão na forma de comunicações breves para agilizar o processo de publicação. Espera-se, com esta primeira divulgação de resultados, mostrar as condições vividas pelos mais velhos durante esta terrível epidemia, e chamar a atenção da sociedade e das autoridades para a necessidade de medidas prementes para mitigar os problemas encontrados.
Confira, abaixo, os artigos do suplemento.
Procura por atendimento médico devido a sintomas relacionados à COVID-19 e cancelamento de consultas médicas em função da epidemia entre adultos brasileiros mais velhos: iniciativa ELSI-COVID-19, artigo de James Macinko, Natalia Oliveira Woolley, Brayan V. Seixas, Fabiola Bof de Andrade e Maria Fernanda Lima-Costa, trata das enormes consequências para os serviços de saúde. Portanto, é urgente avaliar o efeito da pandemia na população idosa brasileira. Nosso objetivo foi examinar a prevalência de sintomas da COVID-19, a busca por atenção em saúde em função destes sintomas, e o cancelamento de cirurgias, ou outros procedimentos previamente agendados, por causa da pandemia, em uma amostra representativa de brasileiros adultos com 50 anos ou mais, participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que responderam à entrevista telefônica sobre a COVID-19 entre o final de maio e o início de junho de 2020.
Entre os participantes, 10,4% informaram ter tido febre, tosse seca ou dificuldades para respirar nos 30 dias anteriores à entrevista telefônica, com maior prevalência na Região Norte (50%). Entre aqueles com qualquer um desses sintomas, somente 33,6% haviam procurado por assistência em saúde; esta proporção foi ainda menor nas regiões Sul e Sudeste. Cerca de 1 entre 6 participantes havia cancelado cirurgias ou outros procedimentos anteriormente agendados; esta proporção foi maior entre as mulheres, entre aqueles com escolaridade mais alta e entre aqueles com múltiplas doenças crônicas.
Este trabalho está entre os primeiros a examinar as consequências da epidemia da COVID-19 no uso de serviços de saúde entre brasileiros mais velhos. Os resultados apontam para a necessidade de adaptação da oferta da atenção à saúde para garantir a continuidade dos cuidados necessários durante a epidemia (como telemedicina, por exemplo), bem como a necessidade urgente de ampla divulgação para orientar a população sobre a prevenção da doença e como obter atenção em saúde em caso de necessidade.
O artigo Distanciamento social, uso de máscaras e higienização das mãos entre participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros: iniciativa ELSI-COVID-19, de Maria Fernanda Lima-Costa, Juliana Vaz de Melo Mambrini, Fabiola Bof de Andrade, Sérgio William Viana Peixoto e James Macinko, examina a prevalência do distanciamento social, do uso de máscaras e da higienização das mãos ao sair de casa entre adultos brasileiros com 50 anos ou mais de idade. Foram utilizados dados de 6.149 entrevistas telefônicas, conduzidas entre 26 de maio e 8 junho de 2020 dentre os participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil).
O distanciamento social foi definido por não ter saído de casa nos últimos sete dias. Somente 32,8% dos participantes do estudo não saíram de casa no período considerado, 36,3% saíram entre 1 e 2 vezes, 15,2% entre 3 a 5 vezes e 15,7% saíram todos os dias. As principais razões para sair de casa foram comprar remédios ou alimentos (74,2%), trabalhar (25,1%), pagar contas (24,5%), atendimento em saúde (10,5%), fazer exercícios (6,2%) e encontrar familiares ou amigos (8,8%).
Entre os que saíram de casa, 97,3% usaram sempre máscaras faciais e 97,3% sempre higienizaram as mãos. As mulheres saíram menos de casa que os homens. Esses saíram com mais frequência para trabalhar e fazer exercícios. Elas saíram mais para atendimento em saúde. Os homens (odds ratio - OR =1,84) aqueles com escolaridade mais alta (OR = 1,48 e 1,95 para 5-8 e 9 anos, respectivamente) e os residentes em áreas urbanas (OR = 1,54) saíram mais para realizar atividades essenciais, independentemente da idade e de outros fatores relevantes.
Os resultados mostram baixa adesão ao distanciamento social, mas altas prevalências nos usos de máscaras e higienização das mãos.
Comportamentos de proteção contra COVID-19 entre adultos e idosos brasileiros que vivem com multimorbidade: iniciativa ELSI-COVID-19, de Sandro Rodrigues Batista, Ana Sara Semeão de Souza, Januse Nogueira, Fabíola Bof de Andrade, Elaine Thumé, Doralice Severo da Cruz Teixeira, Maria Fernanda Lima-Costa, Luiz Augusto Facchini e Bruno Pereira Nunes, objetiva medir a ocorrência de comportamentos de proteção contra a COVID-19 e fatores sociodemográficos segundo a ocorrência de multimorbidade na população brasileira com 50 anos ou mais de idade. Foram utilizados dados de inquérito telefônico entre participantes do ELSI-Brasil (Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros), conduzido entre maio e junho de 2020.
Avaliou-se o uso de medidas de prevenção não farmacológica para COVID-19, motivos para sair de casa segundo a presença de multimorbidade e variáveis sociodemográficas. Participaram do estudo 6.149 pessoas. Multimorbidade foi mais frequente no sexo feminino, em casados, na faixa etária 50-59 anos de idade e em moradores da zona urbana. A maior parte da população saiu de casa entre uma e duas vezes na última semana, percentual que aumentou segundo o número de morbidades (22,3% sem morbidades e 38% com multimorbidade). Sair de casa todos os dias teve menor ocorrência entre indivíduos com multimorbidade (10,3%), e 9,3% saíram de casa na última semana para obter atendimento de saúde. Higienização de mãos (> 98%) e sempre usar máscara ao sair de casa (> 96%) foram hábitos quase universais.
Observou-se maior adesão ao isolamento social entre as mulheres com multimorbidade quando comparadas com os homens (RP = 1,49; IC95%: 1,23-1,79); esta adesão aumentou proporcionalmente com a idade e inversamente ao nível de escolaridade. O comportamento de proteção em pessoas com multimorbidade parece ser maior em relação aos demais, embora questões relacionadas ao isolamento social e cuidado em saúde mereçam ser destacadas. Esses achados podem ser úteis na customização de estratégias de enfrentamento atual da pandemia.
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