07/12/2021
Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)
Quinze anos após a sua criação numa conferência na Fiocruz, a Associação Internacional dos Institutos de Saúde Pública (Ianphi, na sigla em inglês) voltou à Fundação para a sua reunião anual, de 1 a 3 de dezembro, tendo como tema central as inequidades em saúde. O encontro de três dias culminou com a apresentação da Declaração do Rio de Janeiro sobre o papel dos Institutos Nacionais de Saúde Pública (Insp). O documento sugere a criação ou o fortalecimento dos Observatórios de Inequidades em Saúde nas instituições associadas.
O texto incentiva também “aplicar pesquisas epidemiológicas capazes de reunir evidências sobre as diferenças territoriais de realidades sociais e econômicas urbanas e rurais, como forma de melhor priorizar serviços de saúde e induzir políticas públicas para aumentar a participação da comunidade e reduzir as desigualdades” − apontadas como “o principal determinante em saúde e doenças, não só nesta pandemia, como nas que estão por vir”. Por sete dias, comentários serão recebidos antes da divulgação final da declaração.
Um dos pontos que poderão entrar é o reconhecimento dos “determinantes estruturais de desigualdade” e a defesa de mecanismos que deem voz mais forte à associação, tanto em seus países como internacionalmente − pontos que surgiram durante as discussões.
Laboratórios móveis e ônibus de vacinação
Sob o tema Recuperando-se de pandemias: construindo um mundo mais saudável e justo, a reunião anual começou com a assembleia-geral, aberta pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, e sob o impacto do surgimento de uma nova variante do Sars-CoV-2. Assim como o presidente da Ianphi, Duncan Selbie, Nísia destacou o reconhecimento da atuação dos institutos de saúde pública durante a pandemia de Covid-19, e elogiou associação por conectar e ajudar a desenvolver essas organizações.
Lembrando que a pandemia tornou mais claras "as desigualdades sócio sanitárias”, Nísia afirmou que a equidade não se limita à distribuição de vacinas, mas também de insumos, como luvas e máscaras que faltaram em muitos lugares. “Para termos um mundo mais saudável, precisamos de um mundo mais justo”. Ela sugeriu ainda que a Ianphi aprofunde suas relações com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e “levante sua voz em todas as assembleias mundiais de saúde”.
A Ianphi foi criada em 2016 no Rio de Janeiro, numa reunião hospedada pela Fiocruz durante a gestão do ex-presidente Paulo Buss. Na época, eram 39 institutos. Hoje a associação conta com 110 membros em 95 países. A assembleia foi seguida pelo seminário aberto ao público e realizado em parceria com o Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz).
Iniciativas foram compartilhadas na mesa Experiência dos Institutos Nacionais de Saúde Pública na resposta à Covid-19: perspectivas da equidade em saúde. Natalie Mayet, vice-diretora do Instituto Nacional para Doenças Comunicáveis (NICD) da África do Sul, contou que seu país tinha “armas” para enfrentar a chegada da Covid-19, “mas não munição”, numa referência à falta de reagentes para os testes de Sars-CoV-2.
Uma das iniciativas da África do Sul foram os laboratórios móveis com testes de antígenos, que se deslocaram até as “portas de entrada” no país. A Geórgia, por sua vez, lançou mão de “ônibus de vacinação” e grupos móveis para atender pessoas com deficiência, contou Natia Skhvitaridze, conselheira da Direção-Geral de Saúde Pública e Global.
Quanto mais vulnerável a área em que a pessoa vive, maior a testagem positiva para Covid-19, observou Geneviève Chêne, diretora-executiva do Santé Public France. “A mortalidade também é mais elevada nas áreas mais carentes”, contou. Com base nesse levantamento, a França investiu em ações especificas para grupos mais vulneráveis, como os imigrantes.
Yujin Jeong, diretora da Agência de Controle e Prevenção de Doenças da Coreia do Sul, contou que seu país se baseou na “estratégia dos 3Ts”: testagem, rastreamento (tracking) dos casos e tratamento. Para isso se valeu da experiência adquirida com o surto de Mers, em 2015. Até rastreamento dos cartões de crédito foi feito para ver o caminho do vírus e encontrar pessoas que tiveram contato com o paciente.
Lente da equidade
No painel Ferramentas e estratégias de equidade em saúde foi possível constatar problemas estruturais semelhantes em diferentes países. O México, por exemplo, viu a necessidade de desenvolver um programa para os indígenas, cerca de 10% da população. “Os lares indígenas são cinco vezes mais propícios a viverem em extrema pobreza, suas crianças apresentam altura abaixo da média, e a mortalidade por mil nascimentos é de 14,4% em municipalidades indígenas, contra 10,2% em outras áreas”, contou Juan Rivera, diretor do Instituto Nacional de Saúde Pública. “É preciso treinar os alunos de saúde como agentes de mudança. A perspectiva de justiça social deve estar presente na saúde. Devemos aplicar a lente da equidade”, defendeu. Rivera sugeriu o treinamento dos curandeiros indígenas para que incorporem práticas da medicina moderna, como foi feito com parteiras locais com bom resultado.
Carlos Castañeda, diretor do Observatório Nacional de Saúde da Colômbia, contou que a "lacuna está aumentando” para os indígenas, grandes vítimas também do conflito armado que o país vive há décadas. Criado há dez anos, o Observatório vem levantando dados de determinantes sociais, que mostram a vulnerabilidade das populações étnicas
Para Felix Rosenberg, pesquisador da Fiocruz e coordenador da Rede Regional América Latina da Ianphi, todos concordam com “a origem estrutural das desigualdades e que, por serem estruturais, tendem a se reproduzir”. Para enfrentá-las, ele defende um trabalho intersetorial e local.
Clima e saúde
No último dia, o seminário se concentrou em clima e saúde. No painel Integrando a equidade em saúde nas ações climáticas e ambientais dos Insp, Ingrid Stegement, gerente de programa da EuroHealthNet - rede com 61 membros em 26 países − disse que ninguém duvida da relação das mudanças climáticas com a saúde, o problema é “passar da retórica à ação”. “É importante falar de uma transição socialmente justa. Reduzir desigualdades deve ser uma prioridade cada vez maior. Isso significa adotar posições mais políticas”.
Tatiana Marrufo, diretora do Observatório Nacional da Secretaria Técnica de Saúde de Moçambique, relacionou a prevalência de doenças como cólera, diarreia e malária a eventos climáticos extremos, como ciclones, enchentes e secas. O Observatório tenta prever os impactos na saúde de forma a preparar respostas, como o desenvolvimento de alertas precoces e investigação de surtos.
Da Bélgica veio o Projeto Ellis, de monitoramento e mitigação em saúde ambiental. Ele procura identificar “fatores estressantes” que podem aumentar o risco de doenças e avaliar o impacto de políticas nas inequidades. Para isso, leva em conta três fatores: privação sócio econômica, exposição ambiental e consequências na saúde.
Ao comentar as COP 26, de Glasgow, e 15, de Kunming, Luiz Augusto Galvão, pesquisador sênior do Cris, lembrou que na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009, em Copenhague, os países desenvolvidos prometeram US$ 30 bilhões em ajuda aos países mais pobres, mas que o auxílio não se concretizou. No entanto, os custos gerados pelos impactos climáticos, mesmo para os países ricos, foram muito maiores. Como ponto positivo da COP 26, ele citou a participação da sociedade civil. Galvão defendeu o ressarcimento por perdas e danos aos países em desenvolvimento, e um diálogo melhor Norte/Sul e Sul/Sul.
Ao fim, foi apresentada Anne-Catherine Viso, que vai substituir Jean-Claude Desenclos na secretaria-geral da Ianphi. A próxima reunião será de 30 de novembro a 2 de dezembro de 2022, em Estocolmo.
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