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Radis discute restrição a doação de sangue por homens homossexuais


12/06/2018

Fonte: Ensp/Fiocruz

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Capa da RadisA matéria de capa da Radis n° 189, de junho de 218, trata da causa de um significativo contingente de brasileiros que não querem ser impedidos de ajudar a abastecer os bancos de sangue para salvar vidas. De acordo com a reportagem de Bruno Dominguez, organizações e ativistas LGBT questionam no Supremo Tribunal Federal as normas que ainda discriminam homens que fazem sexo com homens, considerando-os inaptos à doação de sangue, orientação já superada em vários países. A questão partiu do então estudante de Direito, Marcondes Júnior, que ouviu: “Você está inapto a doar sangue”, ao procurar o Hemocentro de Brasília para realizar esse ato de solidariedade. O motivo: Júnior é homossexual. Movido pelo sentimento de injustiça, saiu conversando sobre o assunto com quem encontrava pelo caminho, até que sua indignação chegou aos advogados Rafael Carneiro e Matheus Cardoso. A partir do relato de Júnior e do que ele já havia pesquisado, ambos ajuizaram em nome do Partido Socialista Brasileiro (PSB) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) as regras para doação de sangue, por considerá-las discriminatórias.
 
Conforme a Radis, duas normas administrativas proíbem que o sangue de homens homossexuais seja sequer coletado no país. O artigo 64 da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde considera “inapto temporário por 12 meses homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”. O artigo 25 da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece que “os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 meses, incluindo-se indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes”. A justificativa: esse grupo está mais sujeito a infecções sexualmente transmissíveis, como o HIV.
 
Em 25 de outubro de 2017, quando houve a primeira sessão do julgamento da ADI, Júnior — agora com 24 anos — estava no plenário do STF para ouvir os votos dos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber, que apontaram como inconstitucionais os dispositivos que restringem a doação, e do ministro Alexandre de Moraes, que votou como parcialmente procedente a ação. No dia seguinte, Gilmar Mendes antecipou pedido de vista dos autos. Não há previsão de retorno da Adin à pauta, para ser analisada por mais seis ministros. “Foi muito louco estar lá. A gente pensa que não tem poder para mudar as coisas ou promover diálogos e, no entanto, a questão estava sendo debatida no STF”, comenta com a Radis.
 
Em 2016, 5,1 milhões de brasileiros se voluntariaram para doação Sistema Nacional de Informação da Produção Hemoterápica (Hemoprod) da Anvisa. Desse total, 20,6% foram considerados “não aptos” após a triagem clínica — ou seja, uma a cada cinco pessoas que procuraram hemocentros da rede pública teve seu sangue recusado. Dentre as principais causas, estavam anemia (29,9%), hipotensão (21,6%) e malária (20,2%). A inaptidão por comportamento de risco para infecções sexualmente transmissíveis foi de 4,1%. Nos “aptos”, foram realizadas 3,7 milhões de coletas (136 mil não compuseram o quantitativo por desistência e outras intercorrências). Assim, a taxa de doadores de sangue chegou a 19,2 por mil habitantes. Os países de média renda têm taxa média de 11,7 doadores por mil habitantes e os de alta renda, de 36,8 doadores por mil habitantes. O índice do Brasil equivale a 1,9% da população. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o percentual mínimo deve ser de 1%, preferencialmente se aproximando dos 3%.
 
“O processo de triagem clínica é um método de avaliação multicritério que envolve elementos individuais. Por exemplo, o estado da saúde atual e passado do candidato a doação, as viagens que realizou, os comportamentos sexuais individuais (uso de camisinha, número de parceiros etc.), os medicamentos em uso e os que foram usados no passado, os procedimentos médicos submetidos, dentre outros. Caso o doador apresente alguma situação acrescida de risco neste momento, já deve ser considerado inapto”, explica à Radis João Batista da Silva Junior, da Gerência de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos (GSTCO) da Anvisa.
 
É aí que, para os ministros do STF que votaram até agora, explica a reportagem da Radis, entra o caráter discriminatório. Além do comportamento individual, acoplam-se na triagem critérios epidemiológicos. “A inaptidão temporária desse grupo se dá devido aos índices que apontam a população HSH como de maior vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis”, argumenta João, frisando que a Anvisa segue recomendações da OMS e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) para impedir a doação. Questionada por grupos LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e outros comportamentos sexuais), a OMS sinalizou que pode proceder uma revisão da norma.
 
Em virtude da discussão da ADI 5543, afirma ele à Radis, a Anvisa solicitou no ano passado ao Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT/USP) análise sobre o risco da retirada da restrição aos HSH — a partir de dados coletados em quatro grandes hemocentros (Fundação Pro Sangue, Hemorio, Hemominas e Hemope). “Os resultados, ainda não publicados em revista internacional, demonstraram que a chance de ser HIV positivo é 70 vezes maior para os HSH com mais de um parceiro sexual no último ano, em comparação com heterossexuais com mais de uma parceira. Quando se compara HSH com apenas um parceiro sexual no último ano há uma chance 7,3 vezes maior de ser HIV positivo do que os heterossexuais com uma parceira”.
 
“Não se pode tratar os homens que fazem sexo com outros homens e/ou suas parceiras como sujeitos perigosos, inferiores, restringido deles a possibilidade de serem como são, de serem solidários, de participarem de sua comunidade política. Não se pode deixar de reconhecê-los como membros e partícipes de sua própria comunidade. Isso é tratar tais pessoas como pouco confiáveis para ação das mais nobres: doar sangue. É preciso, pois, reconhecer aquelas pessoas, conferir-lhes igual tratamento moral, jurídico, normativo, social”, diz em seu parecer o ministro do STF, Edson Fachin, relator da ação.
 
Saiba mais sobre as etapas da doação de sangue.
 

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