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Pesquisa traça panorama da febre amarela no Brasil nos últimos sete anos


19/09/2023

Fonte: Fiocruz Minas

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Um estudo coordenado por diferentes unidades da Fiocruz reconstruiu a dinâmica de transmissão do vírus da febre amarela que, nos últimos sete anos, causou surtos da doença em diversos estados do Brasil. Publicada na revista Science, a pesquisa rastreou o ressurgimento e a propagação do vírus, por meio da análise de dados epidemiológicos, associada a um estudo filogenético, em que se avaliou a evolução do vírus, examinando amostras provenientes de macacos e seres humanos infectados. Ao todo, foram gerados 147 genomas do vírus, possibilitando aos pesquisadores identificar um novo corredor de transmissão.

Mapa do Brasil mostrando as cidades mais afetadas, todas na região Sul, SP, MG e Goiás
Pesquisa rastreou o ressurgimento e a propagação do vírus pelo Brasil (imagem: Fiocruz Minas)

“Desde a reemergência da febre amarela, em 2016, vínhamos tentando entender como estava ocorrendo a transmissão. Em um estudo de 2018, já havíamos constatado que se tratava de transmissão silvestre e demonstrado os movimentos do vírus. Na época, contávamos com 50 genomas. Em 2019, em outro estudo, conseguimos mostrar a ocorrência de duas ondas de transmissão. Agora, ao aumentar o número de sequenciamentos, chegamos a 147 genomas, dando-nos a possibilidade de contar melhor essa história”, explica o pesquisador da Fiocruz Minas Luiz Alcântara, um dos coordenadores do estudo.

Uma das constatações da pesquisa é que há três linhagens do vírus em circulação, denominadas Ia, IIb e IIIc. Até então, sabia-se da existência apenas das duas primeiras. O estudo também revelou que esta terceira linhagem identificada, a IIIc, está associada a um corredor espacial de transmissão que liga o Norte do país, região considerada endêmica devido à constante circulação do vírus, a uma região que os pesquisadores chamam de Bacia Extra-Amazônica, que inclui os estados de Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais e Sul do país. Foi o primeiro estudo a identificar mais esse corredor de disseminação.

“As três linhagens apresentaram diferentes padrões de transmissão. A Ia se espalhou do Norte de Minas Gerais em direção ao Sudeste e, posteriormente, ao Nordeste. A linhagem IIb mostrou dispersão inicial do estado de Goiás para o Sudeste, atingindo Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, com uma expansão para o Sul do país, onde persistiu até 2021. Essa distribuição espacial das duas linhagens, que já havia sido relatada em estudos anteriores, nos permitiu produzir a primeira evidência da formação desse corredor de disseminação, que liga o Norte à Bacia Extra-Amazônica. Além disso, ao reconstruir a história evolutiva do vírus, vimos que, embora os primeiros registros de surtos ocorreram em 2016, o vírus já estava em circulação desde 2013”, afirma Alcântara.

Para fazer as análises, os pesquisadores também se basearam em um índice que avalia o perfil do vetor responsável da transmissão da doença, chamado índice P, que é calculado a partir de dados climáticos. Tal índice foi calibrado para o vetor do ciclo urbano Aedes aegypti, devido à falta de informações para outros mosquitos vetores da doença. Os resultados das análises mostraram que o risco de disseminação apontado pelo índice coincide com as notificações de casos de infecção em humanos, sugerindo que as alterações climáticas e seus efeitos nas populações de Aedes aegypti podem ditar o momento dos eventos de propagação verificados.

“Os resultados mostraram uma sincronicidade entre o risco estimado e os picos epidêmicos. Ao agregarmos dados epidemiológicos e climáticos, pudemos entender como as mudanças no clima interferem nesse contexto. As análises revelaram, por exemplo, que o aumento da temperatura e da precipitação em algumas áreas pode estar contribuindo para a criação de condições para a manutenção de focos de transmissão do vírus”, explica a pesquisadora da Fiocruz Minas Marta Giovanetti, também coordenadora do estudo.

No artigo, os pesquisadores comentam que as alterações na legislação florestal em vigor desde 2016 permitiram e fomentaram a degradação dos ambientes de florestais, diminuindo o tamanho de florestas protegidas ao longo dos rios, situação que faz aumentar a exposição dos trabalhadores rurais adultos, que atuam na exploração madeireira e na agricultura. Essa observação vai ao encontro dos dados epidemiológicos, que mostram que a incidência da doença nos últimos surtos foi maior entre homens com idade entre 45 e 49 anos, grupo populacional envolvido nesse tipo de atividade.

Ainda conforme os pesquisadores, até 2017, verificou-se um desmatamento florestal recorde medido ao longo do vale do rio Doce, no estado de Minas Gerais.  Além disso, estudos anteriores destacam que o ressurgimento do vírus da febre amarela em Minas coincide com um período de seca severa, o que pode ter contribuído para a disseminação dele nas fronteiras rurais-urbanas, criando pressões ambientais que provocaram seu ressurgimento perto das cidades do sudeste do país. Paralelamente, o número de incêndios florestais na região onde o vírus ressurgiu em 2020 mais do que duplicou em 2018 e 2019.

Outro importante resultado do estudo foi a identificação de focos de transmissão em localidades com grande número de notificações de casos de febre amarela em seres humanos e baixa cobertura vacinal. Por outro lado, no Sul do país, onde há elevada cobertura vacinal, verificou-se a circulação do vírus, mas com poucos registros da doença.

Os resultados apresentados no estudo mostram a importância de agregar dados genômicos aos epidemiológicos, que, juntos, são capazes de ampliar os conhecimentos sobre a transmissão do vírus. “Nossos resultados reforçam a necessidade de se realizar o monitoramento genômico do vírus da febre amarela e também de outros vírus, em todas as regiões do país. Além disso, destaca a necessidade de se considerar, nas análises, as diversas variáveis, como condições climáticas, cobertura vacinal, incidência da doença, que poderão contribuir para as ações de vigilância e controle das doenças”, ressalta Giovanetti.

Além da Fiocruz, participaram do estudo o Ministério da Saúde, o Instituto Evandro Chagas, a Fundação Ezequiel Dias (Funed); o Laboratório Central de Saúde Pública Dr. Giovanni Cysneiros, em Goiás; e o Laboratório de Patologia Veterinária, Campus Darcy Ribeiro, no Distrito Federal.

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