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Projeto indica como reverter queda na cobertura vacinal


30/05/2023

Maria Amélia Saad (Bio-Manguinhos/Fiocruz)

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A queda da cobertura vacinal é uma questão de saúde pública que tem afetado populações de diversos lugares do mundo, sendo um fenômeno multifatorial. No Brasil, teve início em 2012, acentuando-se a partir de 2016, e sendo agravada pela pandemia de Covid-19. Essa é uma realidade preocupante à medida que se observa o reaparecimento de algumas doenças preveníveis em território nacional, e que já haviam sido extintas, já que nenhuma das vacinas, nos últimos anos, alcançou cobertura vacinal adequada.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados em abril deste ano, no país, quase 26% da população infantil não recebeu nenhuma dose de vacina em 2021. Vacinas essenciais como a BCG, a tríplice bacteriana e as contra a hepatite B e a poliomielite, todas têm taxas de cobertura menores que as médias mundiais.

Segundo levantamento do Ministério da Saúde divulgado em 2022, os índices de cobertura vacinal, que chegaram a 97% em 2015, caíram a 75% em 2020, índice alcançado originalmente em 1987. As maiores quedas dizem respeito às vacinas para a BCG (38,8%) e a Hepatite A (32,1%), entre 2015 e 2021.

Outra causa de preocupação é a poliomielite: registrada pela última vez no Brasil em 1989, há 34 anos, e que corre o risco de reaparecer. Um estudo do Comitê Regional de Certificação de Erradicação da Polio 2022, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), aponta o Brasil como segundo país das Américas com maior risco de volta da poliomielite, atrás apenas do Haiti, já que os índices de vacinação têm apresentado queda desde 2016, última vez em que o país superou a marca de 90% de cobertura vacinal do público-alvo. Segundo o Ministério da Saúde, a proteção nunca esteve tão baixa. Em 2022, o percentual de vacinação foi de 72%. No ano anterior, foi menor ainda, pouco menos de 71%.

A presidente da Câmara Técnica de Poliomielite do Ministério da Saúde, Luiza Helena Falleiros, durante o 7th International Symposium on Immunobiologicals (ISI), destacou o conjunto de fatores que levaram a esse cenário. “Com o processo de imigração constante, com baixas coberturas vacinais, a continuidade do uso da vacina oral, saneamento inadequado, grupos antivacinas e falta de vigilância ambiental, vamos ter o retorno da pólio. O que é uma tragédia anunciada”, afirmou.

Causas da hesitação vacinal

Causas multifatoriais têm contribuído para a hesitação vacinal, pesquisas como a da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ambas publicadas em 2023, têm apontado sobretudo a falsa segurança em relação à necessidade da vacinação na medida em que ocorre o controle de doenças e a contaminação do debate público com desinformação , e o crescimento de movimentos antivacinas.

O estudo da SBP, feito com cerca de mil pediatras em todo o país, mostra que pais vacinados chegam aos consultórios médicos não querendo vacinar seus filhos, sobretudo por informações falsas recebidas por meio das redes sociais. Segundo o estudo, 81,29% dos médicos entrevistados, relataram que o maior medo dos pais é relativo à vacina de Covid-19, temor potencializado pelas inúmeras fake news, como “a vacina da Covid-19 com tecnologia RNA pode trazer riscos à saúde das crianças”.

A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde demonstrou preocupação com essa realidade, durante sua fala no ISI. “Pela primeira vez temos pais vacinados que não querem vacinar seus filhos. Uma das ações para mudar esse quadro foi o lançamento do Movimento Nacional pela Vacinação, realizado no dia 27 de fevereiro deste ano. Daremos enfoque à vacinação nas escolas, busca ativa por pessoas não vacinadas, priorização de áreas indígenas, ações em cidades com pior cobertura vacinal e ações com o Zé Gotinha pelo Brasil”, diz.

José Cassio de Morais, assessor temporário da OPAS, disse, durante o ISI, que a cobertura adequada depende principalmente da confiança da população nas vacinas distribuídas. “É importante lembrar que a vacinação, além de uma proteção individual, é uma proteção coletiva. Temos uma avalanche de fake news que trazem muito dano para a população. Mas não temos quase notícias positivas a respeito da vacina. Tem tido muito pouca divulgação da campanha de vacinação contra influenza, por exemplo. Temos que melhorar isso, divulgar melhor os fatos positivos em relação, assim como administrar o medo da reação vacinal”, afirmou o assessor.

Outros fatores apontados pela pesquisa da UFMG foram mudanças recentes nos sistemas de informação do PNI (registros incompatíveis com doses aplicadas, falta de pessoal para realizar o registro, dificuldade de monitoramento dos dados de cobertura e de acompanhamento de faltosos, falta de computadores e/ou acesso à internet estável, manutenção insuficiente); enfraquecimento do SUS (subfinanciamento, redução e inadequação das campanhas de vacinação).

“Precisamos também estar atentos à dificuldade de acesso aos postos, ao nível de renda familiar e à escolaridade da população, além de mais investimento em campanhas e na informação de qualidade”, apontou Morais.

Para o coordenador de apoio à imunização e monitoramento das coberturas vacinais da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Ricardo Gadelha de Abreu, é necessário ter estratégias bem definidas frente a esses desafios.

Ele aponta soluções como salas de vacinação abertas em horário alternativo, motivação dos profissionais, parcerias, treinamento de equipes e a necessidade de intensificar as ações de vacinação. “A população tem que voltar a acreditar que vacina é segura, salva vidas e não deixa sequelas”, defendeu ele durante o ISI.

Reconquista das altas coberturas vacinais

Frente a este grave problema, a Fundação Oswaldo Cruz, por meio do seu Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), propôs o Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais (PRCV), executado em conjunto com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o Programa Nacional de Imunização (PNI).

O PRCV tem como objetivo obter, até 2025, elevação da cobertura vacinal em todo país. A forma de trabalho do Projeto preconiza a elaboração de planos e projetos, em parceria com estados e municípios, analisando as causas das baixas coberturas vacinais, buscando fortalecer o protagonismo local, fortalecendo a comunicação das coordenações de imunizações nos três níveis de governo.

O PRCV busca fomentar o planejamento conjunto entre gestores de Imunizações e Atenção Primária de Saúde, de forma que as vacinações sejam estruturadas e sustentáveis. Além disso, visa sensibilizar a população para importância de vacinação e criar uma grande rede de solidariedade, com ampla participação social.

Maria de Lourdes de Sousa Maia, coordenadora da Assessoria Clínica de Bio-Manguinhos e líder do Projeto pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, destacou no ISI que “o pacto social pela vacinação tem que envolver diversas instâncias. É um compromisso de todos nós”.

Como exemplo da efetividade do Projeto, a coordenadora contou que foram escolhidos os estados da Paraíba e do Amapá, locais com baixos índices nacionais de imunização. Em 2021, a cobertura vacinal da poliomielite (VIP) em crianças menores que um ano de idade no Brasil foi 69,9%, sendo o Amapá em último lugar, com 44,2%, e a Paraíba na 18ª posição entre as 27 unidades da federativas, com 68,4%. Em 2020, quando a cobertura do país foi de 76,2%, o Amapá também ocupava o último lugar, com 42%, e a Paraíba, a 16ª posição, com 72,7%.

A partir da implantação do PRCV, houve uma mobilização com ações importantes em prol da vacinação com mobilização unindo a sociedade e o governo, mostrando bons resultados. Em dezembro de 2022, após a Campanha de Vacinação, a cobertura vacinal contra poliomielite em crianças menores de 5 anos de idade no Brasil atingiu 72,57%; e apenas dois estados superaram a meta de 95%: a Paraíba, com 100% de cobertura, e o Amapá, com 98%.

Para o coordenador do PRCV, Akira Homma, os resultados já alcançados permitem afirmar que é possível conseguir a reversão das baixas coberturas vacinais no Brasil. “Não será uma reversão instantânea, mas, sim, a partir da articulação e fortalecimento de ações estruturais, operacionais e interinstitucionais, com participação dos profissionais da ponta do sistema. Divulgação das informações sobre a importância da prevenção de doenças vacinando a população e com altas coberturas vacinais. Evitaremos doenças, sequelas, mortes, sofrimento pelas doenças que podem ser evitadas pela vacinação. É também muito importante, o fortalecimento das políticas públicas, com desenvolvimento de medidas estruturantes e operacionais de curto, médio e longo prazo”, ressalta.

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