10/11/2015
Por: Lucas Rocha e Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
Anfitrião do 3º Simpósio e 4º Workshop em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Doenças Bacterianas e Fúngicas, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) reuniu uma centena de pesquisadores, profissionais da área da saúde e estudantes de pós-graduação para uma maratona de atividades dedicadas ao tema. Realizadas nos dias 5 e 6 de novembro, no campus da Fiocruz, em Manguinhos (RJ), palestras e mesas-redondas sobre inovações em biotecnologia, interações patógeno-hospedeiro e resistência a antibióticos nortearam os debates sobre a investigação de micro-organismos responsáveis por causar doenças conhecidas, como tuberculose e hanseníase, até as menos populares, e potencialmente letais, como aspergilose, paracoccidiomicose e cromoblastomicose.
De acordo com o diretor do IOC, Wilson Savino, a iniciativa vai ao encontro da missão do Instituto de produzir pesquisa e ciência voltadas para a saúde, ao mesmo tempo em que se preocupa com a formação de novos cientistas. “A realização de um encontro desta qualidade mostra que não podemos parar de investir na área da ciência e da saúde”, destacou Savino durante a cerimônia de abertura do evento. Pesquisadora do Laboratório de Microbiologia Celular do IOC e coordenadora da iniciativa, Maria Helena Saad chamou a atenção para a programação diversificada que abordou, entre outros temas, a integração entre homem, ambiente e micro-organismos. “Com o foco na saúde humana, tivemos a oportunidade de discutir aspectos relevantes, tanto da pesquisa básica como aplicada”, salientou. Já o vice-diretor de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Instituto, Hugo Caire, ressaltou a presença dos convidados brasileiros e estrangeiros. “Um encontro como este precisa ser, antes de mais nada, instigante. E, de fato, tivemos uma programação repleta de assuntos relevantes, com a presença de pesquisadores expoentes na área”, destacou.
Novos caminhos no combate à tuberculose
O mecanismo de interação metabólica entre o bacilo Mycobacterium tuberculosis, causador da tuberculose, e suas células hospedeiras – em especial os macrófagos – foi discutido por Dany Beste, pesquisadora da Universidade de Surrey, da Inglaterra. De acordo com a especialista, a chave para o avanço do bacilo está na sua habilidade de sobreviver e se desenvolver nos glóbulos brancos, que são justamente as células responsáveis por eliminar a bactéria do organismo. "Para conseguir isso, o bacilo busca adquirir nutrientes e energia desse nicho específico. Por meio da marcação de fontes de nutrientes, conseguimos medir o avanço do metabolismo do Mycobacterium tuberculosis sobre estas células hospedeiras", explicou Dany.
As análises indicaram que a bactéria tem acesso a diversas fontes de carbono dentro de um macrófago. “Estas descobertas oferecem novas oportunidades para o desenvolvimento de agentes quimioterápicos que tenham como alvo a absorção de nutrientes ou o metabolismo intracelular do bacilo causador da tuberculose”, completou. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de dois bilhões de pessoas, o que corresponde a um terço da população mundial, estão infectados com o bacilo. Destes, 10% podem desenvolver a doença durante a vida.
O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) Bernard Larouzé também abordou os desafios do combate à tuberculose durante o seminário. Um dos autores do ‘Manual de intervenções ambientais para o controle da tuberculose nas prisões’, ele destacou que a incidência da doença em algumas unidades do Complexo Penitenciário de Bangu, na capital fluminense, é 35 vezes maior do que a média no estado do Rio de Janeiro. No entanto, uma vez que a frequência de micro-organismos resistentes é baixa, a taxa de cura após o tratamento pode passar de 70%. “Após diversas pesquisas, entramos em contato com arquitetos para elaborar um manual com sugestões para a construção de presídios. A tuberculose é transmitida pelo ar, e é possível melhorar a situação das prisões com medidas como instalação de furos nas paredes e telhados que permitam a ventilação”, contou o pesquisador.
O desafio da resistência a antibióticos
A resistência antimicrobiana, fenômeno global com impactos sociais, ambientais e econômicos, também foi pauta do evento. Para falar sobre o assunto, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Renata Cristina Picão ministrou a palestra Disseminação da resistência aos antimicrobianos: da clínica para a comunidade ou da comunidade para a clínica? .
De acordo com a especialista, o problema tem se agravado nas últimas décadas, entre outros motivos, devido ao uso inadequado de medicamentos antibióticos, pela falta de medidas de prevenção e controle de infecções e pela ausência de desenvolvimento de novos antimicrobianos. “Em algum momento, essas bactérias se aproximaram do universo humano. Estudos apontam como possíveis causas deste processo o uso de antimicrobianos em práticas agrícolas, já que água e alimentos podem funcionar como reservatórios para esses organismos resistentes, além da falta de saneamento básico nas grandes cidades”, afirmou. No que diz respeito à pergunta que deu título à palestra, a pesquisadora esclareceu que a disseminação da resistência acontece na forma de um ciclo, tanto dos ambientes hospitalares para a comunidade, como no caminho inverso. “Um paciente em tratamento contra uma infecção multirresistente recebe altas doses de medicamento antimicrobiano, entretanto, ele já foi colonizado por estas bactérias. Nesse período, o sistema de esgoto da instituição de saúde também pode receber antimicrobianos e bactérias resistentes, que podem voltar para o meio ambiente”, explicou Renata.
O papel dos hospitais na disseminação da resistência também foi debatido em uma mesa redonda. A doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC Polyana Pereira explicou que as bactérias resistentes costumam aparecer primeiramente em unidades de saúde devido a uma combinação de três fatores: pacientes com imunidade comprometida, alta concentração de micro-organismos e uso intensivo de antibióticos. Neste contexto, além de medidas para racionalizar a prescrição de medicamentos, ações para prevenir a transmissão dos micro-organismos são fundamentais para conter o problema. “Na Europa, por exemplo, estudos apontam que 6% dos indivíduos internados adquirem algum tipo de infecção hospitalar, sendo as mais frequentes pneumonia, infecção urinária e infecção de feridas cirúrgicas. É importante lembrar que a higienização das mãos ainda é o modo mais barato e eficaz de controlar a disseminação de bactérias em unidades de saúde”, destacou a biomédica.
Já o doutor em Medicina Tropical pelo IOC Thiago Pavoni ressaltou que a presença de micro-organismos no esgoto hospitalar é um fenômeno preocupante. Ele citou estudos do Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto que identificaram superbactérias – micro-organismos resistentes a diversos antibióticos – em dejetos de hospitais mesmo após o tratamento e a adição de cloro. “Essas bactérias têm alto poder de disseminação, não só dentro de um único hospital, mas também entre unidades de saúde e para a comunidade. Em nossas cidades, existe um grande aporte de efluentes que encontram os corpos hídricos, como rios e lagoas, e isso pode fazer com que esses reservatórios sejam contaminados”, disse o biólogo, lembrando também que a presença de antibióticos no esgoto dos hospitais pode contribuir para a seleção de micro-organismos resistentes.
O plano de ação para a resistência antimicrobiana quinquenal (2015-2020) elaborado pela OMS apresenta ações necessárias para o enfrentamento a este quadro. As principais recomendações incluem melhorar a conscientização a respeito da resistência, reforçar o conhecimento sobre o tema, reduzir a incidência de infecções com medidas eficazes de saneamento, higiene e prevenção, além de otimizar o uso de antimicrobianos na saúde humana e animal.
Produção científica reconhecida
Os melhores trabalhos de estudantes de pós-graduação apresentados na seção de pôsteres do Simpósio foram premiados ao final do evento. O primeiro lugar foi conquistado pelo estudo ‘O papel do ferro na imunopatogênese da hanseníase’, da primeira autora Mayara Garcia Mattos Barbosa, doutoranda em Biologia Parasitária do IOC. Já a segunda colocação ficou com a pesquisa ‘Isolados clínicos pertencentes ao complexo Candida haemulonii: susceptibilidade a antifúngicos e produção de enzimas hidrolíticas’, da primeira autora Lívia de Souza Ramos, doutoranda da UFRJ; enquanto o terceiro lugar foi para o trabalho ‘Inibição do crescimento bacteriano por espécies vegetais do Parna Jurubatiba, do primeiro autor Marlon Heggdorne de Araujo, também doutorando da UFRJ.
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