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Espaço Casa Viva completa 15 anos de atuação em Manguinhos

Espaço Casa Viva

09/10/2018

Por: Luiza Gomes (Cooperação Social da Fiocruz)

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“O Espaço Casa Viva é muito interessante e, além disso, nós aqui estamos abrigados”, falou Raíssa Vitória, de 10 anos, com um microfone na mão, carregando em sua fala a realidade sensível do que é ser criança e morar em uma favela sob constantes conflitos armados. Aluna da oficina de artes do Espaço Casa Viva, localizada em Vila Turismo, em Manguinhos, ela foi chamada para dar seu depoimento diante de uma plateia de ex-alunos, parceiros e gestores do espaço, no dia 28 de setembro, no encerramento das comemorações pelos 15 anos da iniciativa. Ao seu lado, o coordenador de Cooperação Social da Fiocruz, Leonídio Madureira e Felipe Eugênio, coordenador do projeto de Território, Arte e Saúde do Programa de Promoção de Territórios Urbanos Saudáveis do órgão da presidência, ouviam atentos.

Dois dias antes, as favelas conhecidas como Mandela 2, Vila Turismo e outras localidades de Manguinhos sofriam com mais uma tarde de tiroteios – rotina causticante e cotidiana para os moradores. Mas muito mais do que um abrigo físico para as intempéries do território “lá fora”, na noite do dia 28, as falas retratavam o Casa Viva como uma incubadora de sonhos igualmente vivos. O mote desses 15 anos era a Primavera Cultural do Espaço Casa Viva, estação de florescimento e pujança de cores, frutos e sabores, conforme falado no auditório por Elizabeth Campos Silva, coordenadora da iniciativa.

O Programa Casa Viva congrega, desde 2003, atividades de estímulo à criação artística por meio da música, artes plásticas, teatro, escrita e leitura direcionadas a crianças, jovens e adolescentes de Manguinhos e é um empreendimento social da Rede CCAP, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) atuante há 30 anos na região. Conta com a parceria da Fiocruz a partir do ano de 2006 – data em que o ex-presidente da Fiocruz, Paulo Buss, e outros diretores de Unidades inauguraram a sede da Biblioteca Casa Viva.

O espaço comemorou seus 15 anos em três dias de programação na última semana de setembro. O enredo da celebração contou com oficinas culturais de artes plásticas e literatura, apresentação de comédia com ator local e encerrou com uma apresentação coletiva das bandas Música na Calçada - composta por ex-alunos da Escola de Música -, El Efecto músicos e compositores convidados.  A mestre de cerimônias do encontro foi Amy Live House - performance que parodiava a cantora e compositora norte-americana Amy Wine House fazendo um trocadinho com seu sobrenome (“Live House” significa “Casa Viva”).

Primeira escola de música de Manguinhos

As atividades que deram ensejo à criação do Espaço Casa Viva se iniciam em 2003, ano em que a percepção entre os moradores de Manguinhos era de que a violência armada só aumentava não só ali, mas em grande parte das comunidades cariocas. A Avenida Leopoldo Bulhões ganhava a alcunha de “Faixa de Gaza” pelos jornais mais lidos na cidade em função do constante conflito armado. Naquele mesmo ano, a cerca de dez quilômetros dali, ocorria o episódio que ficou internacionalmente conhecido como Chacina do Borel, com o assassinato por policiais militares de quatro jovens moradores do morro de mesmo nome, localizado no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro.

“Era uma época de muita violência e a Rede CCAP sentiu necessidade de realizar um trabalho de arte, educação e cultura, que chamávamos de “Educação para o desenvolvimento”, aqui em Manguinhos”, contou Elizabeth Campos Silva, coordenadora do Espaço, e atuante há mais de trinta anos na região.

As atividades eram itinerantes e sempre acompanhadas de uma esteira de palha, onde ficavam instrumentos e objetos que apoiavam oficinas de música, desenho e literatura. As operações policiais e conflitos armados se tornaram tão constantes à época que foi preciso optar por sair das ruas e recolher o projeto para dentro da sede da Rede CCAP. Nesse momento, a ONG italiana Cesvi cedeu o prédio onde o Espaço Casa Viva funciona atualmente, na Rua Capitão Bragança – que conecta a favela de Vila Turismo à Avenida dos Democráticos, uma das principais vias do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. O prédio acomoda um antigo estúdio profissional de música (Rancho Estúdio) que gravava discos em anos anteriores: uma acomodação mais ampla para acolher a vocação musical que já existia em Manguinhos.

Em 2008, se inicia o convênio entre a Fiocruz e a Rede CCAP para a estruturação da Oficina Portinari (de artes plásticas e cênicas) e da Escola de Música de Manguinhos, que também conta com a parceria com a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Nesse momento, um desafio foi colocado: seria possível construir uma escola de música em Manguinhos? Hoje temos a resposta. O Casa Viva representa além de uma resistência a esse contexto todo de violência que coloca falta de perspectiva para essa garotada, um lugar da solidariedade”, apontou Leonídio Madureira, coordenador de Cooperação Social na Fiocruz, durante o encerramento das festividades no auditório do Espaço.


Programa envolve desde crianças de 7 a 13 anos até jovens e adultos em atividades culturais permanentes  (Foto: Roberta Nunes)

Educação não-formal

Congregando atualmente mais de 200 inscritos nos projetos, um dos diferenciais do programa que o conecta com a perspectiva de promoção da saúde é a centralidade dada pelo projeto pedagógico ao desenvolvimento de um olhar sensível e atuante perante o contexto social vivido nas favelas – presente na proposta de educação não formal ou educação cidadã. O programa atua com um largo espectro etário, envolvendo desde crianças de 7 a 13 anos até jovens e adultos, com metodologias de ensino próprias a cada faixa de idade.

“É importante ressaltar o papel da arte nos territórios de favelas como espaço de respiro dentro desses lugares. Vimos muita gente brotar nesse espaço, se expandir, se tornarem adultos aqui. Essa é uma experiência talvez muito singular, porque em todo lugar onde há conservatório de música, por exemplo, há uma série de caixinhas onde esse aprendizado vai se dar, e o que vejo aqui é uma fruição livre da arte, onde o participante circula entre as atividades experimentando a pintura, a literatura e a música sem essas amarras”, expôs Felipe Eugênio, coordenador do projeto de Território, Arte e Saúde do Programa de Promoção de Territórios Urbanos Saudáveis da Cooperação Social da Fiocruz.

Ele destacou como outro mérito do programa a oferta em tempo integral de atividades pelo Espaço Casa Viva. “A livre adesão a uma série de fazeres e aprendizados diferentes também acaba sendo um pouco da demanda da educação formal, estimulando a permanência deles no espaço após ou além daquele que é dedicado ao estudo disciplinar nas escolas”, disse.

A arte de ver Manguinhos

Por meio de oficinas de artes plásticas, cênicas e audiovisuais, a Oficina Portinari incentiva nas crianças e adolescentes um outro olhar para o ambiente, a saúde e a vida em Manguinhos. “Temos uma metodologia que chamamos de ‘A arte de ver Manguinhos’. A cada ano escolhemos um tema que irá nortear as nossas ações propondo um outro olhar sobre o território e o estímulo a uma identidade comunitária positiva”, explicou Ubirajara Rodrigues, idealizador e educador da oficina.

Ao longo do ano de 2018, a Oficina Portinari trabalhou sobre o mote “as plantas não gostam de violência”, em que Ubirajara trouxe para as crianças a história de Manguinhos, resgatando sua identidade com o bioma de Manguezal, original de região, como um espaço gerador de vida. “Conversamos com elas sobre como as remoções e a violência se opõem à natureza, e mostramos a questão ambiental conectada com o social... Sobre como tudo isso interfere na saúde dos moradores. Nessa metodologia, trabalhamos o tempo todo que a favela não tem que ser de forma nenhuma desmerecida, tem que ser vista como local de resistência”, afirmou.

O programa possui atividades no Espaço Casa Viva, na Rua Capitão Bragança, nº 142, em Vila Turismo, onde funcionam a Escola de Música de Manguinhos e a Oficina Portinari, e na sede da Rede CCAP, com contação de histórias para crianças e de incentivo à leitura pela Biblioteca Casa Viva, na Rua Dr. Luís Gregório de Sá, nº 46.  As inscrições para as atividades ocorrem três vezes ao ano.


O grupo Música na Calçada é formado por ex-alunos da Escola de Música de Manguinhos, que tem apoio da Fiocruz e UFRJ (Foto: Roberta Nunes)

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