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Doença de Chagas: estudo para tratamento da cardiopatia obteve resultados promissores

Pesquisadora no laboratório

13/11/2019

Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)*

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Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) obteve resultados promissores em busca de um tratamento para a cardiopatia causada pela doença de Chagas crônica. Em camundongos, considerados modelos para o estudo do agravo, os pesquisadores conseguiram reverter o processo de fibrose do coração e promover a melhora da função cardíaca. Com um dos esquemas terapêuticos testados, os cientistas observaram ainda sinais de regeneração do tecido muscular. O tratamento foi baseado em um inibidor do receptor da proteína TGF-beta, uma molécula do sistema imune. Os resultados do trabalho foram publicados na revista científica internacional Plos Neglected Infectious Diseases.

A doença de Chagas é causada pelo parasito Trypanosoma cruzi. Segundo o Ministério da Saúde, são estimados entre 1,9 milhão e 4,6 milhões de portadores crônicos no Brasil. Em 2017, a enfermidade provocou 4,5 mil mortes, ficando atrás apenas do HIV e da tuberculose entre as causas de óbito por doenças infecciosas. Coordenadora do estudo, Mariana Waghabi, pesquisadora do Laboratório de Genômica Funcional e Bioinformática do IOC, ressalta que o agravo é negligenciado e, há mais de 40 anos, não há novas terapias específicas em uso clínico.

Desde a década de 1970, o benzonidazol é o principal medicamento utilizado para combater o T. cruzi. No entanto, pesquisas apontam que o tratamento não consegue impedir a evolução da doença na fase crônica, que se estabelece durante anos de infecção silenciosa. Baseadas em medicamentos sintomáticos, as terapias atualmente disponíveis para a cardiopatia chagásica crônica melhoram a qualidade de vida, mas não atuam nas causas do problema, que se agrava progressivamente.

“A prova de conceito obtida nos testes em camundongos é importante porque mostra o potencial do inibidor do receptor de TGF-beta como reversor da fibrose do coração na doença de Chagas crônica. Isso abre caminho para desenvolver uma terapia capaz de impedir o agravamento, ou até mesmo, recuperar a função cardíaca dos pacientes”, afirma Mariana.

Alvo certeiro

Após invadir o organismo pela corrente sanguínea, o T. cruzi se aloja principalmente no interior das células do coração. A resposta imunológica é ativada para combater o parasito, mas não consegue eliminá-lo. Em alguns casos, a reação agrava os danos, pois os ataques direcionados ao microrganismo incidem sobre as células cardíacas. Na maioria dos casos, não há sintomas na fase inicial do agravo. Cerca de 10 a 30 anos depois da infecção, aproximadamente 30% dos pacientes desenvolvem problemas como arritmias, insuficiência cardíaca e tromboembolismo.

Segundo Roberto Ferreira, um dos primeiros autores do estudo, a fibrose é um dos traços marcantes da cardiopatia chagásica. “Na doença de Chagas crônica, a persistência do parasito e a reação inflamatória danificam o tecido cardíaco. A fibrose é um tipo de cicatrização desordenada. Ela repara o tecido, mas a capacidade de contração fica comprometida. É isso que leva ao aumento do tamanho do coração, característico da cardiopatia chagásica”, explica o biólogo, que desenvolveu a pesquisa durante o doutorado na Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC. Atualmente, ele realiza pós-doutorado nos Laboratórios de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos e de Genômica Funcional e Bioinformática do Instituto.

No alvo da terapia, a proteína TGF-beta participa da resposta imune, estimulando o processo de cicatrização, que leva à fibrose. Nos testes em camundongos, os pesquisadores observaram que o tratamento com um inibidor do receptor da molécula reduziu a área de fibrose no coração e melhorou diversos parâmetros associados à função cardíaca, incluindo aumento da frequência, reversão de arritmias e recuperação da capacidade de bombeamento de sangue. Com a administração do fármaco três vezes por semana, durante quatro semanas, foram detectados ainda sinais de regeneração muscular.

“Identificamos marcadores de células-tronco cardíacas, que podem dar origem a novos cardiomiócitos [células musculares do coração], indicando a regeneração tecidual. Todos os benefícios foram mantidos 30 dias após o fim do tratamento”, destaca Rayane da Silva Abreu, também primeira autora do artigo, que realizou o estudo como parte de seu projeto de mestrado na Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular e cursa doutorado no Programa de Biologia Computacional e Sistemas.

Caminhos da pesquisa

O papel do TGF-beta na doença de Chagas e seu potencial como alvo terapêutico são investigados pela pesquisadora Mariana Waghabi e colaboradores desde 1998. Em um dos primeiros estudos publicados, os pesquisadores observaram que as pessoas infectadas pelo T. cruzi apresentavam níveis mais altos de TGF-beta no soro do que pessoas saudáveis, sendo que os indivíduos com cardiopatia tinham níveis acima dos portadores da forma assintomática. “Partimos dos achados em pacientes, para os experimentos ‘in vitro’ [com células cardíacas] e em modelos experimentais. Nosso objetivo, agora, é chegar aos testes clínicos, retornando aos pacientes com um novo tratamento”, diz a pesquisadora.

Segundo os autores do estudo, inibidores do TGF-beta já são alvo de ensaios clínicos de fase II para doenças como fibrose renal, hepática e câncer, o que pode pavimentar o caminho para o avanço da pesquisa. Considerando que a doença de Chagas afeta principalmente populações pobres, os cientistas trabalham atualmente para identificar moléculas com custo reduzido em relação aos compostos disponíveis. “Nosso foco está em selecionar e otimizar pequenas moléculas, chamadas de aptâmeros, para atuar como inibidores da proteína e possibilitar uma terapia de baixo custo”, relata Roberto.


A doença de Chagas é uma das doenças infecciosas que mais causam óbito no Brasil (Foto: Gutemberg Brito)

Paralelamente, os pesquisadores buscam estabelecer parcerias com a indústria farmacêutica e centros de atendimento a portadores da doença de Chagas para realizar os ensaios clínicos. 

“Somente os testes em pacientes podem confirmar a segurança e a eficácia do tratamento. Para isso, as parcerias serão fundamentais”, declara Mariana, ressaltando que as colaborações também foram uma peça-chave para os resultados do trabalho recém-publicado. “Sem o modelo experimental que reproduz as características complexas da cardiopatia chagásica crônica não poderíamos apontar o potencial do inibidor do receptor de TGF-beta para o desenvolvimento de novas terapias”, completa, citando a cooperação com a pesquisadora Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC, que estabeleceu o modelo para estudo da forma crônica do agravo em camundongos.

Além dos Laboratórios de Genômica Funcional e Bioinformática e de Biologia das Interações, participaram da pesquisa os Laboratórios de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos, de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas e de Virologia Molecular do IOC. Também colaboraram o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o INSERM, na França. O trabalho foi financiado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde.

Alerta internacional

Este ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente o dia 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas. A decisão foi tomada após intensa mobilização de pacientes, liderada pela Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (Findechagas), com apoio de pesquisadores e profissionais da saúde. O objetivo da data é chamar atenção para o agravo e combater o preconceito.

Escolhido como Dia Mundial, o 14 de abril lembra a data de 1909 em que o médico brasileiro Carlos Chagas, pesquisador do IOC, identificou, pela primeira vez, o T. cruzi em uma paciente. Passados 110 anos da descoberta, estatísticas estimam que menos de 10% das pessoas com a infecção são diagnosticadas oportunamente e apenas 1% recebem o tratamento adequado. De acordo com a OMS, 65 milhões vivem com risco de contrair a doença.

*Edição: Vinícius Ferreira

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