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Dia Internacional contra a Homofobia relembra números alarmantes de violência


18/05/2022

Danielle Monteiro (Ensp/Fiocruz)

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No dia 17 de maio de 1990, uma decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) representou um importante passo na luta pelos direitos do movimento LGBTI+. Naquele ano, a organização internacional retirou a homossexualidade da classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. A data ficou conhecida como o Dia Internacional contra a Homofobia. Desde então, são 32 anos de luta por conquistas e garantias de direito. E, ao que tudo indica, o caminho ainda é longo.

Segundo a pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP/Fiocruz), Vera Marques, o principal desafio na luta por direitos da população LGBTI+ no país é o enfrentamento à cultura cisheteronormativa, que atualmente possui forte representação no poder nacional. “As consequências disso são dramáticas e atravessam todas as dimensões da vida social, impondo à população LGBTI+ uma existência marcada por diversas violências, de violação de direitos, como o direito de ir e vir, de acesso à saúde, à educação, ao mercado de trabalho, a abusos de ordem moral, psicológica, física, que muitas vezes culminam em homicídio”, alerta a pesquisadora, que também é autora do livro Movimento LGBTI e Capilaridade Político-Partidária no Brasil.

No que se refere a pessoas transexuais e travestis, a situação é ainda mais grave. “De acordo com levantamento publicado em 2021 pela equipe do Transrespect versus Transphobia World Wide, a cada dez assassinatos de pessoas trans no mundo, quatro ocorreram no Brasil, posicionando o país, há anos, como o mais transfóbico do mundo”, lembra Vera.

Dados de um relatório da International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association (Ilga), publicado em dezembro de 2021, revelam que cerca de um terço dos Estados Membros das Nações Unidas ainda criminalizam atos sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo. A penalidade? Multas, prisão, castigos corporais e, até mesmo, pena de morte em vários países. Abuso policial e maus-tratos, conforme indica o estudo, que analisou mais de 900 exemplos de aplicação da lei penal em 72 países, parecem estar presentes em quase todos os casos documentados.

A pesquisa também mostrou que a expressão de gênero é outro elemento importante em vários casos de aplicação da lei. Além disso, constatou que pessoas trans e de gênero diverso são processadas com base em leis que criminalizam atos sexuais de pessoas “do mesmo sexo”. Os resultados também apontam os meios de comunicação como fator importante na forma como os estados aplicam as leis criminais e indicam, ainda, a situação econômica da pessoa como elemento influenciador na decisão pela aplicação ou não da lei.

Homofobia no Brasil

Em solo nacional, a violência contra a população LGBTI+ também não é incomum. Dados de pesquisa realizada em 2020 pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) somam 161 ocorrências de homofobia e transfobia no país, excluindo demais condutas criminosas com motivação LGBTIfóbica. O número, provavelmente, está aquém da realidade, em função da subnotificação de casos: dos 27 entes consultados, somente 16 tinham a estatística solicitada. “O estudo confirmou a escassez de indicadores como um problema central que precisa ser superado a partir da inclusão de questões relativas à identidade de gênero e orientação sexual nos censos oficiais e, ainda, de variáveis para se aferir esse tipo de violência nos registros de ocorrência policial”, afirma o estudo. 

Conforme aponta a pesquisa, a partir de um relatório de 2019, baseado em denúncias via Disque 100 - Sistema de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (SONDHA), 30% dos casos de violência contra a população LGBTI+ ocorreram na casa da vítima, seguido por casos nas ruas. A maior parte das denúncias estão atreladas a algum tipo de violência psicológica ou discriminação. 

Durante a pandemia de Covid-19, a população LGBTI+ ficou ainda mais vulnerável a situações de violência. De acordo com o Boletim de 25 de junho de 2020 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), ao longo do período, 70% das LGBTI+ cumprindo isolamento social junto a familiares acabaram sendo vítimas de algum tipo de violência, sem ter espaço ou a quem recorrer com medo de expulsão ou agravamento da situação.

Naquele mesmo ano, o Brasil já liderava o primeiro lugar no ranking de assassinatos de pessoas trans no mundo, com números que se mantiveram acima da média, segundo dossiê elaborado pela Antra. De acordo com pesquisa realizada entre 2008 e 2020 pela ABGLT, a média anual de assassinatos em solo nacional é de 122,5. Ou seja, o ano de 2020 esteve 43,5% acima da média de assassinatos em números absolutos.

Conquistas da população LGBTI+ 

Se, por um lado, a comunidade LGBTI+ enfrenta uma série de dificuldades e preconceito, por outro, novas possibilidades se abrem para aquela população. “A adoção de crianças por casais homoafetivos, a união civil, a mudança do nome no registro civil, sem a necessidade de que pessoas trans passem por uma cirurgia, e a criminalização da LGBTIfobia como crime de racismo são algumas dessas vitórias nos últimos anos. Mais recentemente, o STJ reconheceu que a Lei Maria da Penha também se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres trans. Essa é, sem dúvida, uma grande conquista, uma vez que 96% dos assassinatos de pessoas trans no mundo são de mulheres trans ou pessoas transfemininas, o que denuncia a violência de gênero como um dos fatores determinantes para a ocorrência dessas mortes”, destaca Vera. 

No entanto, apesar de grande mobilização e esforço de movimentos sociais na defesa dos direitos LGBTI+ no país, suas conquistas vêm ocorrendo a passos lentos, segundo a pesquisadora.

As ações na ENSP na luta contra a homofobia 

O Claves/ENSP desenvolve diversas pesquisas sobre LGBTIfobia e suas implicações na saúde. Os resultados subsidiam a elaboração de materiais de divulgação e conscientização voltados a diferentes grupos sociais. “Busca-se interlocução tanto com atores do movimento LGBTI+, quanto da Educação, já que eles têm um papel importante no enfrentamento à violência. Soma-se a essas ações, o debate a respeito desse fenômeno tanto em cursos que ministra, quanto em aulas e palestras em que é convidado a participar”, explica Vera.

Já o Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (DIHS/ENSP) oferece o curso de especialização em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade,  que tem como objetivo promover a abordagem reflexiva sobre as relações de gêneros e questões relativas às desigualdades sociais, marcadas especificamente pelo viés de gênero e sexualidade, além de colaborar com o processo de educação, formação e aperfeiçoamento de profissionais das mais diversas áreas de atuação que se interessam ou que lidam com questões relativas a Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos no seu dia-a-dia profissional ou de ativismo/militância política.

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