Saúde e Educação Nas Favelas: Desafios Semelhantes, Territórios Nem Tanto

Por
Paulo Schueler (EPSJV/Fiocruz)
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Foto: Tânia Rego (Agência Brasil)

Favela. O termo apareceu pela primeira vez em um documento oficial no dia 4 de novembro de 1900, quando o chefe de polícia do Rio de Janeiro à época redigiu um texto no qual usava essa palavra para se referir ao Morro da Providência. O local era recém-habitado por soldados que, ao regressarem da Guerra de Canudos para a então capital federal em 1897, deixaram de receber seu pagamento (soldos) e, sem dinheiro, instalaram-se em construções provisórias erguidas num lugar que em muito lembrava o Morro da Favela, um dos muitos que circundavam Canudos, devido à vegetação que abundava em sementes leguminosas em forma de favo. Nestes 125 anos, o termo e tudo aquilo que se relaciona a ele conviveu – a maior parte do tempo – com estereótipos negativos, sendo usado, em raríssimas situações, como vocábulo de pertencimento e autodeclaração.

Um retrato atual da realidade desses territórios no Brasil foi apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em novembro passado. Trata-se do ‘Censo Demográfico 2022: Favelas e Comunidades Urbanas: Resultados do universo’, publicizado na Areninha Cultural Herbert Vianna, localizada na Favela Nova Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ). E alguns dos dados divulgados permitem compreender melhor as condições e as prioridades de políticas de Saúde e Educação nesses espaços.
 

Panorama geral

Entre os censos de 2010 e 2022, a população residente em favelas cresceu de 6% para 8,1% dos brasileiros, saltando de 11,4 milhões para quase 16, 4 milhões de pessoas. Além disso, as áreas identificadas como favelas e comunidades urbanas quase dobraram, saltando de 6,3 mil em 2010 para 12,3 mil em 2022.

Em extensão territorial, as três maiores favelas e comunidades urbanas do país em 2022 estavam no Distrito Federal: a 26 de Setembro tinha 10,5 km2; a Sol Nascente 9,2 km2 e a Morro da Cruz I e II 5,9 km2. Por outro lado, a menor era a Favela de Água Boa, em Belém (PA), com 3,79 Km2. De acordo com o relatório do IBGE, “não existia uma relação direta entre as áreas territoriais das favelas e comunidades urbanas e o número de pessoas residentes e de domicílios nesses territórios”. O exemplo mais claro é a Rocinha, localizada no Rio de Janeiro (RJ). Em 2022, ela representava a maior população e o maior número de domicílios de todas as favelas e comunidades urbanas do Brasil, mas não constava da lista das 20 maiores em termos de área territorial. Rio das Pedras, na mesma cidade, possuía o segundo maior número de domicílios e também não figurava no ranking das 20 maiores em território.

Em termos de densidade demográfica, as favelas de São Paulo (SP) apresentaram a maior concentração de habitantes por km(mais de 23 mil), seguidas pelas do Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE) e Maceió (AL), que de acordo com o relatório apresentaram valores “muito próximos”, entre 14,7 mil e 14,5 mil habitantes por km2. Já as menos densas estavam em Natal (RN) e São Luís (MA), com cerca de 4 mil e 6 mil habitantes por km2.

O Estado de Santa Catarina concentrava 60,9% de suas favelas fora da região metropolitana de Florianópolis (SC), sendo a unidade da federação com o maior percentual de favelas fora da região da capital. Era seguido por Goiás (55,3% das favelas fora da concentração urbana de Goiânia). Por outro lado, em 12 estados (Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Amapá, Mato Grosso, Rondônia, Sergipe, Piauí e Roraima), as concentrações urbanas das capitais reuniam mais de 80% das favelas.

Em relação aos 656 municípios que apresentavam favelas e comunidades urbanas, o IBGE identificou maiores percentuais de pessoas residentes nestes locais em municípios da faixa litorânea do Brasil, “especialmente nos estados do Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e Ceará; e nas margens do Rio Amazonas, principalmente nos estados do Amazonas, Pará e Amapá”, como descreve o relatório.

Considerando as chamadas “grandes concentrações urbanas”, que de acordo com o IBGE são aquelas com população de pelo menos 750 mil pessoas, os percentuais mais elevados de residentes em favelas e comunidades urbanas em relação ao total da população estavam em Belém (PA), com 57,1% da população morando nesses arranjos; e Manaus (AM), com 55,8%. Em seguida, com cerca de 20 pontos percentuais a menos, porém representando cerca de um terço da sua população, estavam Salvador (BA), com 34,9%, e São Luís (MA), com 33,2%. Recife (PE), com 26,9% de sua população residindo em favelas e comunidades urbanas, também se destacava. Por outro lado, Campo Grande (MS) tinha apenas 0,9% de sua população residindo em favelas e comunidades urbanas, seguida por São José dos Campos (SP), com 1%, Goiânia (GO), com 1,5%, e Sorocaba (SP), com 1,8%.

Acesso inadequado à água e esgoto desafia Saúde Pública

 

Dos mais de 6,5 milhões de domicílios identificados pelo IBGE em favelas e comunidades urbanas, 84,8% (5,5 milhões) eram particulares, com pessoas morando ininterruptamente. Estavam vagos 12,2% dos domicílios, e outros 2,8% eram destinados a uso ocasional. Os domicílios improvisados ocupados representavam apenas 0,2% do total recenseado nas favelas, e os coletivos não chegavam a 0,02% do total. Dos domicílios permanentes ocupados, as casas totalizavam 93,3%. Representavam o mesmo percentual de 2,8% os apartamentos e as casas de vila ou em condomínios. As habitações em casa de cômodos ou cortiço eram 0,9%, e “estruturas residenciais permanentes degradadas ou inacabadas” eram 0,2%.

De acordo com o Censo, 89,3% dos domicílios particulares permanentes ocupados em Favelas e Comunidades Urbanas tinham acesso à água pela rede geral de distribuição. Em 86,4% deles, essa era a principal forma de abastecimento.  Esses números mostram, portanto, que quase 12% da população residente nesses domicílios não têm acesso à rede de água. Quando se olha para as diferentes realidades regionais, no entanto, o quadro pode ser ainda mais dramático: um exemplo é que, de acordo com o IBGE, os municípios de Melgaço (PA), Macapá (AP), Itatiaiuçu (MG), Vassouras (RJ), Pederneiras (SP), Rolândia (PR) e Camboriú (SC) não tinham sequer um único domicílio ocupado permanentemente nas favelas e comunidades urbanas com ligação à rede geral de abastecimento de água.

Soma-se a esse cenário o fato de os dados do IBGE não especificarem a regularidade desse acesso. “A ligação à rede de água por si só não representa acesso adequado ao abastecimento de água. Sobretudo em favelas e comunidades urbanas, é muito frequente ocorrerem intermitência no abastecimento e inconformidades da qualidade da água”, alerta Leo Heller, pesquisador da Fiocruz Minas Gerais, que completa: “Pode-se dizer que uma proporção muito significativa da população que vive nesses espaços tem acesso precário ao abastecimento de água e, infelizmente, o censo do IBGE não captura esse quantitativo”.

O relatório do IBGE informa ainda que “do total de domicílios particulares permanentes ocupados em favelas e comunidades urbanas no Brasil, 6,87% não possuíam ligação à rede geral de distribuição de água e utilizavam poço profundo ou artesiano como principal forma de abastecimento; 1,53% utilizavam poço raso, freático ou cacimba; 0,52% utilizavam fonte, nascente ou mina; 0,2%, carro pipa; 0,04%, água da chuva armazenada; 0,13% utilizavam rios, açudes, córregos, lagos e igarapés; e, por fim, 74,6 mil pessoas, ou 1,3% do total, utilizavam outra forma de abastecimento de água como a principal”.

Diante dessas soluções alternativas, Heller avalia que “em especial em ocupações com alta densidade demográfica, elas invariavelmente acarretam problemas de qualidade da água, pois os mananciais podem ser contaminados por esgotos ou outros dejetos”. Lembrando que essas estratégias “muitas vezes também não cumprem com o requisito de quantidade disponível de água ou de continuidade do abastecimento”, ele  explica que “a combinação insatisfatória entre quantidade e qualidade da água é determinante do rol de doenças relacionadas à água”.

Heller destaca um conjunto de estudos que mostram impactos variados do “acesso inadequado à água e esgotamento sanitário” sobre a saúde da população. “Revisão sistemática da literatura, recentemente publicada, mostra que tratar a água reduz a diarreia infantil em mais de 50%; a melhoria da fonte de água reduz em 52%; e a implantação de redes de esgotos em 47%, bem como a promoção da lavagem das mãos em 30%”, resume. Ele ressalta ainda o estudo  ‘Carga de Doenças Atribuídas a Más Condições de Água, Saneamento e Higiene’, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estimou que cerca de 1,4 milhões de mortes e 74 milhões de anos perdidos por incapacidade poderiam ter sido evitados com acesso à água, esgoto e medidas de higiene. “Diarreia, infecções respiratórias agudas, desnutrição e geohelmintíases foram os desfechos considerados na pesquisa”, explica.

E o pesquisador avalia o quadro do esgotamento sanitário como “ainda mais precário que o de água”. De acordo com o relatório do IBGE, “o tipo mais frequente”, em 2022, era o esgotamento por rede geral ou rede pluvial, presente em 3,2 milhões de domicílios nas favelas, que representam 57,7% dos domicílios particulares permanentes ocupados com banheiro ou sanitário nesses espaços, 99,9% das 5,5 mil moradias. Somam-se a esses, mais de 206 mil domicílios do mesmo tipo em que, segundo o relatório, o esgoto era por fossa séptica ou fossa filtro ligada à rede. “Juntas, essas duas categorias expressavam 61,4% do total de domicílios particulares permanentes ocupados com banheiro ou sanitário”, sintetiza o texto. “Uma proporção de cerca de 60% da população com banheiro tem a rede coletora para o escoamento de seus efluentes domésticos, o que nem sempre significa esgotamento adequado, pois muitas dessas redes são precárias e instáveis, podendo colapsar periodicamente, e também porque parte dessa rede é pluvial, ou seja, os esgotos são misturados com águas de chuva, o que pode ser problemático. Os restantes 40% têm como destino de seus dejetos fossas de diferentes tipos, quase sempre de baixa qualidade. E há ainda aqueles que não dispõem de banheiro ou sanitário, em geral, recorrendo à defecação a céu aberto. Esse quadro resulta no alto risco de haver fezes, urina e águas servidas [que resultam de atividades diárias como banhos, lavagem de roupa e louça, descargas, etc] expostos no ambiente, gerando a possibilidade de contato de transmissão de inúmeras doenças de veiculação hídrica ou transmitidas por vetores, como mosquitos”, analisa Heller.

Lixo, doenças e território

Sobre a coleta de lixo, os dados do IBGE indicam que 96,7% dos domicílios particulares permanentes ocupados em favelas e comunidades urbanas “tinham acesso ao serviço de limpeza”. Das duas modalidades de coleta existentes, aquela que é realizada diretamente no domicílio por serviço de limpeza era a mais comum (76%), enquanto a coleta em caçamba de serviço de limpeza era a realidade para 20,7% desses domicílios. Também aqui os dados do IBGE não indicam a regularidade da coleta em domicílio, informação que Heller aponta como relevante, já que, segundo ele, “a permanência de resíduos sólidos expostos por um tempo prolongado implica a proliferação de vários tipos e grande número de vetores – baratas, ratos, moscas, mosquitos, entre outros – que podem ter importante papel epidemiológico na transmissão de doenças”. “Tanto a coleta durante poucos dias na semana, quanto a disposição em caçambas, quando estas são retiradas pouco frequentemente, produzem ambiente propício à proliferação de vetores e consequente transmissão de doenças”, diz.

De acordo com o pesquisador da Fiocruz Minas, diferentes indicadores apresentados pelo censo de favelas do IBGE mostram a necessidade de alerta, particularmente, em relação às arboviroses – doenças transmitidas por artrópodes, principalmente mosquitos –, como dengue, zika e chikungunya. “A relação entre os quatro componentes do saneamento e a transmissão destas doenças é bastante documentada. Água fornecida descontinuamente gera a necessidade de armazenamento precário, gerando focos para o mosquito; esgotos a céu aberto geram empoçamentos e focos [de mosquitos]; coleta de lixo inadequada explica muito sobre a ocorrência da doença e, finalmente, a drenagem inadequada também gera empoçamento das águas de chuva”, ressalta.

Oferta de saúde e ensino estão aquém do necessário

O censo do IBGE apurou a quantidade de estabelecimentos de Saúde e Educação nesses territórios. Além dos domicílios, o Censo Demográfico 2022 coletou informações sobre os estabelecimentos existentes no Brasil, classificados em cinco espécies: ensino, saúde, religioso, agropecuário e outras finalidades, como os estabelecimentos comerciais. E o mapeamento identificou 7,8 mil estabelecimentos de ensino (2,98% do total nacional de 264,4 mil) e 2,7 mil estabelecimentos de saúde (1,12% do total nacional de 247,5 mil) nas favelas e comunidades urbanas. Como pode-se perceber, são percentuais substancialmente inferiores aos dos moradores destas localidades, que somam 16% dos brasileiros.

Merece destaque, entre os dados divulgados, o fato de nenhuma favela ou comunidade urbana do estado de Roraima possuir estabelecimento de Saúde. Por outro lado, com a melhor média nesse quesito estavam oito estados (Acre, Amazonas, Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia) nos quais havia a proporção de um estabelecimento de saúde para um conjunto de até 4,7 mil residentes.

Doutor em Educação e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rodrigo Travitzki avalia que o perfil demográfico da população que vive em favelas revela a necessidade de termos mais estabelecimentos de saúde e ensino nessas localidades. Tomando como exemplo as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belém, ele faz as contas: “No Brasil a gente tem um estabelecimento de saúde para cada 870 pessoas, mas vamos arredondar para 900. Nas favelas de São Paulo, a gente tem um estabelecimento de saúde para cada 18 mil. Nas favelas do Rio de Janeiro, esse 900 vai para 7 mil, nas favelas de Belém vai para 3,5 mil. A gente tem menos estabelecimentos de saúde nas favelas, pelo menos nessas três observadas. Dentre esses três tipos de estabelecimento – saúde, ensino e religioso –, o que está menos presente nas favelas, quando a gente compara com o Brasil, são os estabelecimentos de saúde. Então, é onde aparentemente o Estado está menos presente nesses territórios”, conclui.

Travitzki ressalta como relevante também a diferença entre o número geral de estabelecimentos de ensino no Brasil como um todo e nas favelas. “A média nacional é de um estabelecimento para cada 814 pessoas. Nas favelas da cidade de São Paulo, a gente vai ter um estabelecimento para cerca de 6 mil pessoas. Nas do Rio de Janeiro, esses 800 vão para quase 2,5 mil, e em Belém vão para 1,5 mil, mais ou menos. E se a gente leva em conta a informação de que existem mais jovens e crianças nas favelas, esse número fica ainda mais problemático”, indica. De acordo com o professor da Unicamp, tal realidade pode levar crianças e jovens que não são atendidos em seus locais de moradia a “precisar se deslocar mais e sair da favela em busca do seu direito à educação, tendo que procurar ir mais longe e perdendo tempo”. “Enfim, vão ter uma vida bem mais complicada”, resume.

Segundo Travitzki, os números do Censo Demográfico 2022 demonstram a prioridade de se atender a essas localidades. “Precisa ter escola lá. E é claro, precisa ter escolas com condição básica de infraestrutura, de condições básicas para o trabalho docente, por exemplo, para ir trabalhar dentro dessas comunidades”, conclui.

População mais “jovem”, feminina, preta e parda

Enquanto no Brasil as pessoas de 0 a 14 anos representam 19,8% da população total, nas favelas elas são 23,3%. Já as pessoas de 65 anos ou mais somam 10,9% dos brasileiros, mas são apenas 6,6% dos moradores de favelas. Entre aqueles com mais de 50 anos, revela o relatório do IBGE, os percentuais relativos da população total são maiores que os de residente em favelas, tanto para o sexo masculino como para o feminino.

O IBGE também apurou o índice de envelhecimento – que demonstra a relação entre o número de pessoas com 60 anos ou mais e o de crianças de 0 a 14 anos – e descobriu um dado interessante: enquanto na população em geral, o Brasil tem 80 pessoas com 60 anos ou mais para cada 100 crianças, nas favelas e comunidades urbanas esse número cai para 45. Os estados que apresentaram os menores índices de envelhecimento para residentes de favelas foram Roraima (12,9), Amapá (19,8) e Distrito Federal (21,1), enquanto Bahia (64,2), Rio de Janeiro (56,7) e Espírito Santos (56,1) apresentaram os maiores índices.

A idade média da população brasileira, de acordo com o IBGE, é de 35 anos. No caso dos residentes em favelas, esse número cai para 30 anos. Esta diferença é ainda mais significativa nas regiões Sudeste e Sul, cujas idades medianas da população geral e dos residentes em favelas são, respectivamente, 37 e 30 anos; e 36 e 29 anos. A região que não apresenta diferença entre a idade média da população em geral e os moradores de favelas é o Norte: 29 anos para ambas as categorias. “A média do Brasil é representada pelos estados que mais acumulam população, como São Paulo, Minas Gerias e Rio de Janeiro, por exemplo. Tratar o Brasil como essa grande média é esquecer a particularidade não apenas de regiões como o Norte e Nordeste, mas também da desigualdade regional interna dentro de um estado”, alerta Dalia Romero, pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).

Romero explica que, ao contrário do que se costuma pensar, o que determina o envelhecimento populacional no Brasil é mais a redução da fecundidade do que o aumento da longevidade. “Claro que vivemos mais do que antes, mas o impacto da longevidade, do tempo a mais que estamos vivendo, é menor que a diminuição da fecundidade”, diz. E completa, interpretando o retrato que o IBGE trouxe sobre as favelas: “A diminuição da fecundidade tem sido menos acentuada nas famílias das áreas mais pobres do que na de locais privilegiados”. A pesquisadora ressalta ainda que os óbitos por causas evitáveis, que são, portanto, considerados mortes precoces, são muito mais frequentes nas favelas.  “Mesmo nas pessoas com 60, 70 ou 80 anos”, diz. Questionada sobre a possibilidade de esses números indicarem um fenômeno de migração dos segmentos mais idosos para foram desses territórios, ela afirma que “a população idosa, pelo contrário, é aquela que geralmente mais fica na favela, para cuidar dos netos, das pessoas mais jovens, e dar suporte aos filhos que têm que sair para buscar renda”.

Os resultados encontrados pelo IBGE em relação ao índice de envelhecimento revelam, ao mesmo tempo, uma população proporcionalmente mais jovem nessas localidades. E, para Bianca Leandro, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), esses dados reforçam a relevância de políticas de saúde específicas para esse segmento juvenil. “Se a gente tem um território no qual tem uma quantidade considerável de jovens, isso vai demandar justamente organização de uma estrutura e de ações que garantam acesso e visibilidade para as necessidades de saúde desse segmento populacional. Isso pode parecer óbvio de ser dito, mas muitas vezes é esquecido”, diz, e exemplifica: “Nós não temos para a juventude uma Política Nacional de Saúde, diferente de outros segmentos etários, como a Política Nacional de Saúde da Criança e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Nós temos diretrizes nacionais que foram publicadas lá entre 2010 e 2012, mas elas nunca se constituíram como uma política nacional”.

Em 2023, a EPSJV/Fiocruz, junto com a Agenda Jovem da Fiocruz, publicou um dossiê sobre o panorama da situação de saúde da juventude no Brasil. Embora o documento não tenha focado em territórios de favelas, Bianca Leandro acredita que o material apontou dados estratégicos para a organização de uma política de saúde para essa população. “O segmento juvenil não é universal, ele vai ser composto por essa diversidade de inserções juvenis, que vão variar de raça, de gênero e também de territórios vulnerabilizados, como no caso de favelas e outras periferias urbanas”, ressalta. De acordo com o censo do IBGE, 56,8% das pessoas residentes em favelas se declaram pardas, além das 26,6% que se definiram como brancas, as 16,1% que se reconheceram como pretas, as 0,1% (16,4 mil pessoas) que se declararam amarelas e as 0,8% (136,2 mil pessoas) que se anunciaram indígenas. Esses números mostram que, nessas localidades, os percentuais autodeclarados de pardos e pretos são superiores aos da população brasileira geral, respectivamente 45,3% e 10,2%. Em todas as regiões, o percentual de pretos entre residentes em favelas ficou acima da população geral.