23/01/2025
Gabriella Ponte (Bio-Manguinhos/Fiocruz)
Um grupo de colaboradores de Bio-Manguinhos/Fiocruz realizou um estudo em micos-leões-da cara dourada, no Centro de Primatologia do estado do Rio de Janeiro, para verificar a segurança e imunogenicidade de diferentes vacinas contra febre amarela. Os macacos neotropicais são severamente atingidos pela febre amarela e o impacto da doença pode ser devastador para os ameaçados micos-leões-dourados (Leontopithecus chrysomelas) do mesmo gênero dos animais estudados neste artigo.
Foi a partir do surto da doença em 2017/2018 que o assessor científico sênior de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Marcos Freire, iniciou esse trabalho, culminando em um artigo científico que foi divulgado na Revista Vaccine (Edição 48/2025), intitulado “Safety and immunogenicity of different 17DD yellow fever vaccines in golden-headed tamarins (Leontopithecus chrysomelas): Inhibition of viremia and RNAemia after homologous live-attenuated vaccination”.
Marcos Freire fala das epizootias que estavam ocorrendo com os micos-leões-dourados. “Existe entre Casimiro de Abreu e Silva Jardim a reserva do Poço das Antas que tem um projeto de reintrodução do mico-leão-dourado, espécie ameaçada de extinção e que estava se recuperando nesse período. O que evidenciamos, após um estudo que pegou um senso antigo e o novo censo após o surto, foi uma perda de 32% da população de micos-leões-dourados na região. Isso foi um baque, porque realmente é uma perda significativa em uma população que já não era tão grande. Resolvemos vaciná-los e muitas dúvidas surgiram. O quanto esses animais seriam resistentes ao vírus vacinal? Qual seria a dose ideal? Então, esse trabalho foi focado em descobrir qual seria uma melhor vacina e qual seria a melhor dose”.
Houve, então, contato com o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro e o Instituto Estadual do Ambiente – Inea/RJ, para ver a possibilidade de usar animais do gênero leontopithecus que estavam em cativeiro para fazer esse experimento. “Resolvemos fazer um estudo para avaliar a dose ideal de uma vacina atenuada, vacina inativada e outra vacina de subunidade. Avaliando a vacina atenuada em três doses diferentes - dose baixa, intermediária e alta, mais ou menos próxima à dose mínima humana”, contou o especialista.
Para o veterinário, o mais interessante foi que o grupo conseguiu manter esses animais por um ano após a imunização. O objetivo era observar não só a eficácia e segurança, mas também a durabilidade dessa proteção. “Queríamos saber se essa proteção ainda estava com condições de bloquear essa viremia e RNAemia, assim como quantificar os anticorpos neutralizantes contra a febre amarela. Os resultados também podem ser considerados como um estudo pré-clínico para o uso dessas vacinas na imunização humana, ou seja, este trabalho servirá para futuros estudos clínicos com essas abordagens no ser humano”, explicou.
De forma resumida, o especialista destacou que a vacina atenuada conferiu uma proteção de 100% um ano após. No caso da vacina inativada com adjuvante, com três doses, chegou a mais de 83% de proteção. Já com as vacinas de subunidades, foram aplicadas duas doses com adjuvantes e, após um ano, conseguiram obter proteção em 50% dos animais. “Estamos fazendo uma imunização desses animais (micos-leões-dourados) de vida livre usando os parâmetros definidos neste trabalho. Capturamos os animais, aplicamos uma dose de vacina atenuada, identificamos os animais, coletamos na pré-vacinação e depois de 30 a 40 dias, esses animais são capturados e coletado uma amostra. Estamos observando a soroconversão desses animais e os resultados são animadores, com mais de 90% de soroconversão. O último censo realizado trouxe expectativa, porque a gente não pode afirmar, é se isso foi devido a vacinação dos animais. Mas, a população subiu novamente. Agora chegou a mais de 4.000 indivíduos na região do Poço das Antas. Então, a princípio, pode ter uma relação do aumento dessa população, do reestabelecimento deles, como um processo de imunização que está em curso”, afirmou.
Sobre testar a vacina de febre amarela em outras espécies de primatas não humanos, Marcos comentou que foi feito, em paralelo, estudos que depois acabaram se estendendo para outras regiões do Brasil, realizados com bugios, por exemplo. “Nós publicamos um outro artigo, nesse caso de primatas não humanos, de maior porte, um animal que pesa alguns quilos. Nós definimos também qual seria a dose ideal. Demos a vacina com o vírus atenuado, a vacina humana, para esses animais. Nós vimos que 1/5 da dose, uma dose fracionada, semelhante a que nós usamos no fracionamento em humanos, foi o suficiente para imunizar esses animais. Esses resultados podem ser olhados como estudos pré-clínicos para futuros usos em humanos. Mas, o que foi interessante foi ver que a vacina atenuada é segura e eficaz. E conseguimos realmente proteger os animais, conferir uma produção de uma quantidade razoável de anticorpos neutralizantes, e, além disso, bloquear a viremia e RNAemia de espécies como o bugio”.
Os resultados do estudo “Safety and immunogenicity of 17DD attenuated yellow fever vaccine in howler monkeys (Alouatta spp.)” foram publicados no PubMed em fevereiro de 2021.
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