23/09/2024
Ana Paula Blower (Agência Fiocruz de Notícias)
Um projeto desenvolvido por pesquisadores do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia) e do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) junto à secretaria municipal de Saúde de Belo Horizonte mostra que a “autodisseminação” de larvicidas por mosquitos urbanos pode ajudar no controle das doenças transmitidas por esses mesmos mosquitos, como a dengue. O projeto distribuiu uma média de 2.500 ‘Estações disseminadoras de larvicida’ (EDLs) em nove bairros de Belo Horizonte ao longo de dois anos. A intervenção reduziu a incidência de dengue em 29% nesses bairros, e em 21% nos bairros adjacentes, em comparação com os 258 restantes da cidade. Os resultados foram publicados, na última quinta-feira 19/ 9, na revista The Lancet Infectious Diseases. Em julho, a tecnologia de EDLs foi oficialmente considerada pelo Governo Federal como uma das novas estratégias nacionais para o controle dos principais vetores da dengue, Aedes aegypti e Aedes albopictus.
“Nosso ensaio demonstra a eficácia do método no controle da dengue. Estudos anteriores mostraram os efeitos da autodisseminação de larvicidas sobre as populações de mosquitos, mas sem uma avaliação direta do impacto epidemiológico”, explica Sérgio Luz, coordenador do Núcleo de Patógenos, Reservatórios e Vetores na Amazônia (PReV Amazônia) e responsável pela pesquisa, juntamente aos pesquisadores Fernando Abad-Franch e José Joaquin Carvajal Cortes, ambos pesquisadores do Núcleo PReV Amazônia.
A estratégia da autodisseminação utiliza os próprios mosquitos para transferir partículas do larvicida das EDLs para criadouros não tratados diretamente. “Os mosquitos funcionam como uma espécie de “polinizadores” que levam o pó de larvicida para outros criadouros, que muitas vezes não são atingidos pelas ações tradicionais de controle – por estarem, por exemplo, em prédios fechados ou terrenos baldios, ou porque simplesmente são pequenos e muito difíceis de encontrar. Ninguém melhor do que o próprio mosquito para saber onde ficam os locais adequados para colocar seus ovos”, comenta Luz.
Sergio Luz ressalta que a equipe de pesquisadores mostrou, em trabalhos anteriores, que essa autodisseminação de larvicida pode atingir criadouros situados a distâncias de até 400 metros, reduzindo a abundância de mosquitos urbanos tanto na Amazônia quanto no Brasil central. “Agora”, explica o pesquisador, “mostramos que esse impacto nos vetores se traduz em uma diminuição significativa do número de casos de dengue”.
De acordo com o estudo, o fato de que a incidência de dengue também diminuiu, embora mais modestamente, nos bairros contíguos aos da intervenção sugere que os mosquitos disseminaram o larvicida para além dos limites da área de instalação de EDLs. Essa mobilidade dos vetores, contudo, também significa que provavelmente houve entrada de mosquitos de bairros não tratados para a área de intervenção, reduzindo em alguma medida o efeito das EDLs.
Menor impacto nos sistemas de saúde
Para dimensionar o impacto que uma diminuição de 29% na incidência de dengue pode ter nos sistemas de saúde pública, o artigo destaca que, no cenário comum, de um surto epidêmico com 100 mil casos da doença, o uso de EDLs poderia reduzir a pressão sobre o sistema de saúde em cerca de 29 mil casos sintomáticos.
No futuro, e com o apoio continuado do Ministério da Saúde, incluindo a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Coordenação Geral de Arboviroses e a Fiocruz, a equipe planeja replicar os ensaios de campo em outras cidades e em diferentes contextos ambientais e socioeconômicos.
Pesquisas em andamento avaliam, também, a possibilidade de usar a tecnologia das EDLs com larvicidas alternativos – o que pode ser crucial para o manejo de uma eventual aparição de vetores resistentes à molécula utilizada até o momento – e o desenvolvimento de EDLs mais práticas e fáceis de usar. Enquanto os resultados dessas novas linhas de investigação ficam disponíveis, o trabalho desenvolvido pela equipe da Fiocruz e seus parceiros desde 2011 oferece uma nova ferramenta para o controle de mosquitos urbanos e das doenças por eles transmitidas.
Estratégia incorporada pelo MS
Na última quarta-feira, o Ministério da Saúde anunciou um novo plano de ação para reduzir os impactos da dengue e outras arboviroses no Brasil. Na ocasião, a pasta divulgou que irá expandir o uso das Estações Disseminadoras de Larvicida para controle do Aedes aegypti, transmissor da dengue, nas periferias brasileiras. O governo enfatiza que a estratégia, desenvolvida e coordenada por pesquisadores da Fiocruz Amazônia, foi testada e aprovada com resultados comprovados em 14 cidades brasileiras, de diferentes regiões, nas quais foi aplicada entre 2017 e 2020.
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