13/08/2024
Por Bruno Moraes| VPPCB
Encontro reuniu profissionais de saúde, pesquisadores, representantes de ONGs e pessoas afetadas pela doença de Chagas para discussão plural sobre o presente e o futuro das políticas de combate à doença de Chagas no Brasil.
Nos dias 5 e 6 de agosto de 2024 ocorreu a segunda edição do Diálogo Nacional das Associações de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas, encontro promovido e mediado pelo Programa de Pesquisa Translacional em Doença de Chagas (PPT/Fio-Chagas). Com objetivo de discutir as demandas, desafios e conquistas do associativismo no âmbito do problema multidimensional que é a doença de Chagas, o encontro reuniu representantes de diversas associações de apoio às pessoas afetadas pela tripanossomíase, assim como de Organizações Não Governamentais e de diversas frentes de ação da Fiocruz e do Ministério da Saúde.
Estavam presentes as Coordenadoras do Fio-Chagas Constança Britto e Daniele Castro (IOC/Fiocruz), Maria da Gloria Bonecini (INI/Fiocruz) e Rita Souza (IRR/Fiocruz Minas), representantes das Associações *, Rafaella Albuquerque (GT-Chagas/CGZV/DEDT/SVSA/MS) e Thiago Joé de Souza (GT-Chagas/CGZV/DEDT/SVSA/MS), : Ana Julia Silva e Alves (CT- Uma só Saúde, MS), Pedro Albajar (OMS), Wilson Oliveira e Cristina Carrazzone (FINDECHAGAS e Universidade de Pernambuco), Marina Certo (DNDi), Lia Gomes e Fabio Guilardi (Médicos sem Fronteiras), Roberta Goldstein (Programa de Políticas Públicas – VPPCB, Thania Arruda- Assessora técnica CIEDDS – Programa Brasil Saudável, Genimar Rebouças – Fiocruz Rondônia, Ricardo Moratelli – Fiocruz Mata Atlântica.
No primeiro dia do encontro, foram transmitidas pelo YouTube a abertura e as três primeiras mesas de discussão. Ainda na abertura, a pesquisadora e integrante da Coordenação do Fio-Chagas, Maria da Glória Bonecini, comentou a importância deste encontro e seu potencial de impacto de longo prazo, ressaltando que “A Fiocruz também é a casa de vocês [das associações]. Que vocês tenham um excelente encontro nestes dois dias, mas que possam expandir esses dois dias para toda uma movimentação para que vocês tenham voz e ação.” Convocou ainda as associações presentes para uma mesa de discussão a ser realizada com participação da OMS e do Ministério da Saúde no Fórum de Doenças Negligenciadas e no evento Chagas-Leish, que ocorrerá durante o Congresso de Medicina Tropical, em setembro deste ano.
Em participação remota, a Vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Maria de Lourdes Oliveira, também comentou o evento, destacando: “[É muito importante] essa oportunidade de termos reunidos, sentados gestores de saúde, a Academia — e temos aqui representadas, para além da Fiocruz, algumas outras instituições — e a sociedade civil, sem a qual não se faz nenhum tipo de ação. Isso não é só um aprendizado, mas uma conquista da população brasileira: estaremos aqui nesses dois dias juntos para discutirmos não só soluções, mas perspectivas.” “Com uma programação diversificada, de maneira a abordar aspectos biomédicos, socioeconômicos, ambientais e políticas públicas, o encontro é um passo na direção de ampliar o foco de discussões desta doença — uma abordagem que também é aplicável para outras “doenças negligenciadas”. Maria de Lourdes Oliveira acrescentou ainda uma nota de otimismo: “Temos muitos desafios a enfrentar, a começar pela sustentabilidade, pois não é possível fazer nada sem recursos. E existe todo um apoio internacional com a presença da OMS para enfrentar a doença de Chagas, mas queria também destacar a iniciativa do Governo Federal, com o programa Brasil Saudável, onde se estabelece, a meta de eliminação da doença de Chagas como problema de saúde pública até 2030. Vocês das associações e quem milita nesta área conhece muito melhor do que eu o quanto isso é desafiador. Mas acho que juntos, nós conseguimos pensar soluções.”
Não se pode separar saúde humana, sociedade, meio ambiente e saúde animal
O primeiro dia de evento teve transmissão de três mesas, todas focadas na importância de se discutir saúde a partir de uma abordagem interdisciplinar. Doenças negligenciadas determinadas socialmente que acometem desproporcionalmente pessoas vivendo em condições vulneráveis, como a doença de Chagas, explicitam a relação entre a saúde humana e as questões socioeconômicas, políticas e ambientais. As discussões do primeiro dia do Diálogo foram centradas nos conceitos de “Alterações ambientais”, “Uma Só Saúde” e “Determinação Social da Saúde”.
A pesquisadora Genimar Rebouças (Fiocruz/RO) discutiu o papel ambiental causado pelo desmatamento na elevação de casos agudos da doença de Chagas. No estudo que analisou a correlação entre desmatamento e casos e doença de chagas, os dados demonstraram variação para cada unidade federativa. Portanto, sugeriu que uma análise por município seja realizada para confirmar a associação direta entre estes eventos pois cada ambiente tem suas peculiaridades. Nesta mesa, o conceito de “Uma Só Saúde” foi discutido pela representante do Programa “Uma Só Saúde” do MS, Ana Júlia Silva e Alves com mediação do pesquisador Ricardo Moratelli (Fiocruz Mata Atlântica). Também conhecida como “Saúde Única”, esta abordagem envolve expandir a discussão sobre as condições de saúde humana para além de um modelo puramente biomédico, onde o foco está no doente. Uma Só Saúde consiste em uma visão da saúde humana como consequência de fatores sociais, ambientais, e da saúde animal. A criação do Comitê técnico Uma só Saúde no MS se dá pelo trabalho conjunto de diferentes organizações e é um movimento mundial, na qual a vigilância deve envolver território, informação e ação e deve ser trabalhada de forma corporativa e integrada.
Além de tratar dos múltiplos componentes da problemática complexa que determina a doença de Chagas, como o contexto socioeconômico, cultural, educacional, de infraestrutura, prevenção e da própria proximidade com áreas de biodiversidade degradada, as pesquisadoras também trouxeram reflexões sobre preconceito, estigmatização e acolhimento.
O conceito de “Determinação Social da Saúde”, apresentado por Alexandre Pessoa (Escola Politécnica Joaquim Venâncio), trata da importância de se considerar as pressões econômicas sobre a natureza e a saúde humana. Desta forma, apesar de relacionada à “Uma Só Saúde”, esta abordagem traz um enfoque maior em questões econômicas e geopolíticas, que determinam as possibilidades desiguais que nações de diferentes patamares socioeconômicos têm de conservar tanto a biodiversidade quanto a saúde de suas populações. O professor deu atenção especial ao contexto de emergência climática global e de como o Brasil está historicamente inserido em um cenário de influência de economias externas em suas políticas públicas, comentando ainda a importância de se considerar as crises do capitalismo, e de que a comunidade científica tenha mais atuação política. Esta mesa foi mediada por Pedro Albajar da OMS.
Por fim, a terceira sessão de apresentações focou-se no Programa Brasil Saudável do Ministério da Saúde, e contou com a participação da Assessora Técnica do programa, Tânia Arruda e da coordenadora do Fio-Chagas Maria da Glória Bonecini. Durante esta mesa, foi apresentado o escopo amplo do programa, cujo objetivo é a eliminação como problema de saúde pública de onze doenças determinadas socialmente. A elaboração do Programa envolveu também o mapeamento de cidades e regiões do país para atuar como modelo piloto com o objetivo de eliminar, enquanto problemas de saúde pública até 2030, uma série de doenças incluindo doenças de transmissão vertical — ou seja, que podem ser transmitidas para o feto durante a gestação. A doença de Chagas, é uma das doenças elencadas pelo Programa Brasil Saudável, além de outras como esquistossomose, filariose linfática, geo-helmintíase, HIV, malária e hepatite B.
Durante a discussão de perguntas da plateia, foram elaboradas ideias acerca da importância da sensibilização no cuidado de saúde, e a descentralização de diretrizes do SUS para que realidades locais sejam tratadas de maneira a atender as especificidades de cada território — abordagem esta que está prevista no Programa Brasil Saudável. Também foi tratada a importância da domicialização dos barbeiros, para que se entenda melhor a circulação destes insetos-vetores em regiões endêmicas, além de uma série de demandas das pessoas afetadas pela doença, como maior segurança junto ao INSS, acesso a diagnóstico e tratamento pelo SUS e campanhas educativas para quebra de estigmas. Outro ponto levantado foi a participação ativas das Associações nas discussões do grupo de trabalho do Programa Brasil Saudável, e a possibilidade de inclusão de novos membros de territórios onde ocorre a transmissão aguda por via oral/vetorial da doença de Chagas.
Um encerramento com discussões sobre humanização da medicina
O segundo e último dia do encontro também teve transmissão no canal de YouTube da Fiocruz. Iniciado com uma homenagem ao pesquisador da Fiocruz ex-vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas, Rodrigo Corrêa (1956-2023), as sessões de discussão tiveram um enfoque na importância de um tratamento humanizado e no combate a preconceitos contra pessoas afetadas pela doença de Chagas. Também foi o dia em que representantes de algumas associações apresentaram destaques e lições de suas trajetórias de atuação.
A primeira mesa do dia 6 de agosto contou com a presença do médico e professor Wilson Oliveira (FINDECHAGAS e Universidade de Pernambuco), com mediação da médica e pesquisadora Cristina Carrazzone (FINDECHAGAS, OMS e Universidade de Pernambuco). Durante a conversa, o palestrante e a mediadora trouxeram reflexões sobre a importância da escuta ativa e a necessidade de se criar uma medicina orientada às pessoas e não às doenças. Abordando tópicos como a humanização do tratamento, a redução do deslocamento de pacientes (ofertando serviços de saúde o mais próximo possível de suas residências, incluindo tratamento em domicílio) e o trabalho com equipes multiprofissionais. Oliveira e Carrazzone defenderam a tese de que uma assistência primária de qualidade tende a ter melhores resultados, inclusive do ponto de vista clínico. Também foi apontada a importância de se manter uma boa capacitação de médicos, enfermeiros e agentes de saúde.
O professor Oliveira utilizou ainda o caso de implementação de um plano de assistência primária descentralizada da doença de Chagas em Pernambuco como um exemplo de ação importante para que os sistemas de saúde possam atender melhor às pessoas afetadas, reduzindo complicações da doença e, consequentemente, a necessidade de encaminhamento para a atenção secundária e terciária. O professor Oliveira mostrou que a descentralização da assistência primária pode ser conseguida com a formação de unidades de pronto atendimentos especializados (UPAE) com inclusão de especialistas como cardiologistas.
A mesa foi também uma oportunidade de membros das Associações participarem com suas impressões e relatos, onde foi reiterada a dificuldade de se lidar com médicos e outros profissionais que encaram pacientes da doença de Chagas e seus familiares com preconceito ou indiferença. Especialmente levando em conta os longos deslocamentos que pacientes vivendo em áreas remotas precisam realizar para obter tratamento, esta postura leva a muitos casos de abandono do acompanhamento e do tratamento de saúde por parte dos pacientes.
Após uma apresentação artística Nilva Belo, da Associação Goiana de Portadores da Doença de Chagas, com uma contação da história sobre “Maria das Chagas”, contando a trajetória, lutas e angústias de seu próprio diagnóstico e tratamento, iniciou-se a última mesa de discussões. Nesta, representantes de associações de pessoas afetadas partilharam experiências e impressões acerca do associativismo na luta por direitos, em diálogo com a pesquisadora Roberta Goldstein do Programa de Políticas Públicas e Modelos de Atenção e Gestão à Saúde (VPPCB/Fiocruz). Foram ouvidas Joanda Gomes (Associação dos Portadores de Doença de Chagas de Recife/PE), Amélia Bispo (Associação de Portadores da Doença de Chagas da Bahia) e Thallyta Maria Vieira (Associação de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas de Montes Claros/MG). A mesa trouxe um diálogo importante sobre as diferentes trajetórias de associações em localidades e realidades sociais distintas, com a principal mensagem sendo a de que os desafios de começar uma associação são muitos, mas as conquistas coletivas do associativismo compensam estas dificuldades. Entre essas dificuldades estão a falta de recurso financeiro e a importância de procurar empresas que possam colaborar nesse sentido. Outra questão relatada é a alta rotatividade de profissionais da saúde e a baixa integração entre os agentes de combate a endemias com os agentes comunitários de saúde.
Nesta mesa também foram discutidas algumas repercussões da atuação de Associações de Chagas, como a conquista de direitos e a desconstrução de preconceitos sociais e religiosos, e a inspiração por parte de pessoas afetadas por outras doenças, como Leishmaniose e Leptospirose de também criarem associações para conquistar direitos também para pacientes destas condições. Também foi apresentada nesta sessão de discussão a questão do cuidado com a saúde mental de pessoas afetadas pela doença de Chagas uma vez que muitas chegam à clínica com questões de depressão e ansiedade frente ao diagnóstico e, para além do atendimento humanizado, também é desejável que tenham à sua disposição o amparo de profissionais da psicologia.
Durante a discussão final, com participação da plateia, foi destacada a importância de que as associações se aproximem formalmente de conselhos municipais e estaduais de saúde. Também foi apontado o fato de que o associativismo tem também um potencial de cultivar esperança em pessoas afetadas, ao conhecerem histórias de outras pessoas que convivem há décadas com a doença de Chagas, com suas alegrias e tristezas, e ainda com energia para lutar por direitos.
Refletindo a complexidade e interdisciplinaridade tratadas durante os dois dias de evento, o encerramento do II Diálogo Nacional das Associações de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas foi marcada pela pluralidade de vivências e contextos culturais e socioeconômicos.
*Associação Da Bahia
Associação Campinas
Associação SP
Associação Ceará
Associação PA
Associação de Espinosa - MG
Associação PE
Associação Campinas
Associação Goiás
Associação Montes Claro – MG