18/02/2019
Por: Glória Galembeck (Agência Fiocruz de Notícias)
A presença da bactéria Wolbachia em Aedes aegypti tem a capacidade de reduzir a transmissão do vírus da febre amarela nesta espécie de mosquito. A descoberta é o tema de um artigo publicado pela Gates Open Research. A pesquisa que resultou no artigo, intitulado Pluripotency of Wolbachia against Arbovirus: the case of yellow fever, foi supervisionada pelo pesquisador da Fiocruz e líder do World Mosquito Program (WMP) no Brasil, Luciano Moreira. O WMP é um programa internacional de combate à doenças transmitidas por mosquitos e, no Brasil é conduzido pela Fundação.
O artigo é resultado do trabalho conjunto de pesquisadores de três instituições: Instituto René Rachou (IRR/Fiocruz Minas), Fundação Ezequiel Dias (Funed) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A transmissão urbana da doença por Aedes aegypti não é relatada no Brasil desde 1942. Entretanto, pesquisadores apontam que o risco de reurbanização da febre amarela existe, uma vez que o Aedes aegypti está presente na maioria das cidades de clima tropical e subtropical do mundo e foi o principal vetor no passado. Entre os anos de 2016 e 2018 o Brasil enfrentou alguns surtos de febre amarela, arbovirose transmitida pelos mosquitos silvestres dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Houve mortalidade de até 30%. Atualmente, além da febre amarela, o Método Wolbachia é eficiente na prevenção da transmissão das seguintes arboviroses: dengue, zika, chikungunya e febre mayaro.
O estudo
Para realizar a pesquisa foram utilizados dois grupos isolados de vírus da febre amarela (YFV), obtidos de humanos e de macacos, originários dos últimos surtos ocorridos no estado de Minas Gerais. Esses vírus foram multiplicados em cultura de células de insetos e adicionados à alimentação sanguínea ministrada a Aedes aegypti com e sem Wolbachia. Como as amostras de sangue usadas na alimentação poderiam conter anticorpos devido a, por exemplo, aplicação da vacina contra a doença, a amostra passou por um processo para assegurar a eliminação desses anticorpos antes de alimentar os mosquitos.
A infecção provocada pelos vírus nos mosquitos foi acompanhada nos tempos de 7, 14 e 21 dias após a alimentação sanguínea, a partir da análise da cabeça e do tórax dos insetos. Foi verificado que, em mosquitos com Wolbachia, a quantidade de YFV foi menor do que nos mosquitos que não possuíam o microorganismo em suas células.
Em outro ensaio, foi realizada a coleta de saliva em Aedes aegypti com e sem Wolbachia, alimentados com sangue contendo o vírus da febre amarela ( 7, 14 e 21 dias após a alimentação). Essa saliva foi injetada em mosquitos Aedes aegypti sem a bactéria Wolbachia. Após cinco dias, esses insetos foram analisados, revelando que nenhum dos mosquitos que receberam saliva oriunda de Aedes aegypti com Wolbachia se infectou com o vírus da febre amarela. Já entre os mosquitos que receberam a saliva de Aedes aegypti sem Wolbachia, houve infecção.
A saliva dos mosquitos também foi utilizada em um teste com camundongos. Os camundongos que receberam injeção da saliva extraída de Aedes aegypti com Wolbachia que receberam sangue contaminado com febre amarela não se infectaram. Já os grupo em que foi aplicada a injeção de saliva extraída de Aedes aegypti sem Wolbachia, houve a infecção. "Os resultados indicam que, caso a febre amarela volte a ter transmissão urbana pelo Aedes aegypti, o Método Wolbachia pode ser uma estratégia complementar para prevenir a transmissão da doença, junto com o programa de vacinação", observou Luciano Moreira.
Na avaliação do médico Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, órgão vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), existem condições para que o Aedes aegypti seja um vetor de febre amarela. "Existe possibilidade, pois há pessoas suscetíveis, vírus circulando em áreas periurbanas, como regiões de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro próximas a matas. Estudos demonstram que o Aedes aegypti e o Aedes albopictus têm a capacidade de se infectar com o vírus da febre amarela", explicou.
No Paraguai, em 2008, houve surtos da doença transmitida pelo Aedes aegypti, com registro de óbitos, na periferia da capital Assunção. Angola enfrentou uma epidemia de casos urbanos em 2016.
Entretanto, Vasconcelos considera improvável o reaparecimento da febre amarela urbana no Brasil. "O Aedes aegypti não é um excelente vetor para a doença e temos uma cobertura vacinal razoavelmente alta", observou o pesquisador. Outro aspecto relevante diz respeito ao vetor. "Estudos sugerem que o Aedes aegypti que circula atualmente, de origem asiática, é menos suscetível ao vírus da febre amarela do que o mosquito que circulava nos séculos XVII, XVIII e XIX, de origem africana, que ingressou no Brasil com o tráfico de escravos", explicou Vasconcelos.
A doença
A febre amarela é uma doença infecciosa causada por um vírus do gênero Flavivirus, da família Flaviviridae. Provoca uma infecção febril aguda de curta duração (no máximo 10 dias), de gravidade variável e que pode levar à morte.
No ciclo silvestre da febre amarela, que é o que ocorre no Brasil, os primatas não humanos (macacos) são os principais hospedeiros e amplificadores do vírus. Os vetores são mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, que têm hábitos estritamente silvestres. Locais que têm matas e rios, nos quais o vírus, seus hospedeiros e vetores ocorrem naturalmente, são consideradas como áreas de risco.
A vacina antiamarílica é fabricada pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) e oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É recomendada para as pessoas a partir de 9 meses de idade, que residem ou que se deslocam para os municípios que compõem a área com recomendação de vacina - a lista está disponível no site do Ministério da Saúde.
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