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‘Subnutrição não se resolve dando mais dinheiro’, Jean Marc von der Weid critica produção de alimentos no Brasil


17/11/2023

Barbara Souza (ENSP/Fiocruz)

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O arroz e o feijão deram lugar aos ultraprocessados e não são mais a base da alimentação dos brasileiros, como muitos ainda podem acreditar. Nesta quinta-feira (16/11), no Seminário Internacional Saúde e Agroecologia, na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) explicou o processo que levou o país à perigosa combinação observada atualmente: baixa oferta de alimentos de boa qualidade e pobreza. Na palestra ‘Panorama da Agroecologia no Brasil: avanços e desafios para as políticas públicas de saúde, segurança alimentar e alimentação saudável’, Jean Marc von der Weid percorreu a história recente do país e destacou as principais decisões que ajudam a entender o cenário atual. 

“No Brasil, as políticas públicas para o desenvolvimento rural do Brasil sempre foram voltadas para o agronegócio. Para latifúndios durante muito tempo e, mais tarde, para a versão modernizada, que é o agronegócio, um produto de uma ação dirigida do Estado no tempo da ditadura militar com subsídios pesadíssimos para promover a conversão dos sistemas latifundiários de agricultura extensiva, sobretudo pecuária, para uma produção mais intensiva”, destacou ao iniciar o resgate histórico. “Isso foi um sucesso, foi o que levou o Brasil a uma posição de ponta na produção e exportação de commodities”, completou. No entanto, Jean Marc von der Weid explicou que essa opção foi feita às custas da produção alimentar para o mercado interno, que foi empobrecendo enquanto a agricultura familiar também foi perdendo espaço.

Em sua palestra, Jean Marc ressaltou que a liberação de crédito para os agricultores menores foi a alternativa escolhida pelos governos brasileiros. Os recursos foram aplicados na compra de insumos químicos, sementes melhoradas e transgênicas, maquinário, etc. A diversidade da produção deu lugar ao plantio de commodities, como milho e soja. “Mas não é para alimentação humana, é para animais, para o gado”, criticou. O grande volume de crédito gerou um grande número e endividados enquanto as iniciativas de reforma agrária apenas se concentrava às margens do agronegócio ou em terras públicas, assentamentos em biomas mais difíceis e em terras desgastadas. 

Os impactos à saúde derivados da agricultura e da população empobrecidas não poderiam ser diferentes: maior consumo de ultraprocessados e elevados índices de diabetes, hipertensão e obesidade. “Há pessoas consumindo muitas calorias, mas mal nutridas. Sem sensação de fome, mas mal alimentadas. A subnutrição não se resolve com mecanismos como fornecer mais dinheiro, é preciso resolver a questão da produção de alimentos no Brasil”, disse Jean Marc ao citar o Bolsa Família, uma iniciativa criada para combater a fome que se tornou uma espécie de “renda mínima”, já que os valores acabam sendo usado para outras necessidades essenciais, como água, energia, moradia e transporte. Como explicou o palestrante, os beneficiários acabam, então, “economizando” na alimentação e comprando comida calórica mas que não nutre adequadamente. 

Ainda em sua apresentação, Jean Marc von der Weid listou e analisou políticas voltadas para a agroecologia, todas consideradas insuficientes para reverter os problemas da fome e da insegurança alimentar no Brasil. Entre as ações que mencionou, ele destacou o programa Ecoforte, que integra a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). De acordo com publicação da ANA, o Ecoforte Visa fortalecer as redes territoriais da agroecologia, rompendo a lógica da intervenção em ações isoladas com pouca capacidade de resposta aos complexos desafios sociais. E pela sua proposta inovadora, o Ecoforte promove um impacto de forma sistêmica nas redes agroecológicas, agindo principalmente nos fluxos e relações estabelecidas com diversos atores que atuam nos territórios e também com outras políticas públicas. 

O ‘Seminário Internacional Saúde e Agroecologia’ é realizado pela ENSP/Fiocruz e pela Agenda de Saúde e Agroecologia, da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz). A atividade é um dos preparativos para o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, que será entre os dias 20 e 23 de novembro, no Rio de Janeiro. O objetivo do seminário é compreender os avanços e desafios da Agroecologia para contribuição com a saúde e ambiente, além de reconhecer o papel da Agroecologia Política e das políticas públicas, entendidas de forma mais ampla, nos âmbitos dos sistemas agroalimentares, nutricionais e da saúde. Além disso, o encontro pretende reforçar a pluralidade de formas de compreensão do mundo e conhecimentos existentes para a construção coletiva de estratégias de fortalecimento de transformações agroecológicas em curso.

Na abertura, o diretor da ENSP, Marco Menezes, destacou a importância de se discutir a produção de alimentos e os sistemas alimentares no Brasil e no mundo para mobilizar a sociedade para o combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional. “A agroecologia tem respostas e propostas estruturantes para a questão, mas é preciso enfrentar o modelo hegemônico da produção de alimentos no mundo”, afirmou. O diretor reforço ainda a relação indissociável que há entre saúde e agroecologia. “Saúde é agroecologia e agroecologia é saúde. Com conhecimento e prática, esse debate contribui para avançarmos no conceito e nas questões ligadas à determinação social do processo saúde-doença”.

A ENSP cestá mobilizada para o 12º CBA e Marco Menezes lembrou que o seminário internacional faz parte das prévias do evento. “Esperamos que as ações do congresso e todo o seu desdobramento sigam influenciando o debate e ajudem a enfrentar essas questões, com foco especial no problema da fome”, ressaltou ao dizer que o CBA está estruturado com debates que envolvem a questão dos territórios, dos povos originários desse país, cultura e arte, que considera fundamentais. 

Pesquisadora da Fiocruz e vice-presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fernanda Savicki de Almeida agradeceu aos organizadores do seminário por “se articularem e darem a devida importância ao estabelecimento dessa agenda da agroecologia na perspectiva da saúde, entendendo que agroecologia promove saúde e saúde promove agroecologia”. Além de destacar o que chamou de “simbiose” entre as áreas, Fernanda defendeu o compromisso com a pauta especialmente em momentos de crise. “É fundamental para nós, trabalhadores e trabalhadoras da saúde, assumirmos esse compromisso inclusive como uma agenda de transformação social a partir do debate dos sistemas agroambientais, mais do que nunca, em meio às crises como as crises climática e sanitária. A agroecologia tem respostas muito concretas para enfrentá-las”. 

Professora da Universidade de Brasília, Flaviane Canavesi foi uma das convidadas do primeiro dia do ‘Seminário Internacional Saúde e Agroecologia’. Ela fez uma apresentação sobre Agroecologia Política e sua relação com a determinação social da saúde. Flaviane Canavesi destacou ainda a importância de ampliar a formação, sobretudo universitária, em agroecologia. Confira trechos da palestra dela no reels publicado no perfil da ENSP no Instagram.

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