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Seminário realizado pela Fiocruz e CES/Coimbra debate materialismo dialético e o ecocídio


20/03/2023

Suzane Durães (SAS/VPAAPS/Fiocruz)

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No dia 15 de março, foi realizado o seminário “Aportes teóricos ao estudo do ecocídio e da globalização dos territórios: dialética e materialismo no século XXI”, no âmbito da pesquisa “Ecocídio e Globalização dos Cerrados Brasileiros: resistências e lutas dos povos e comunidades originários e tradicionais pelos direitos à saúde e à vida”. A pesquisa é desenvolvida por meio da cooperação internacional entre a Fiocruz e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/Coimbra). 

Participaram do seminário a integrante da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Diana Aguiar; a professora do CES/Coimbra, Irina Castro; o professor do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e integrante da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030), Marcelo Rasga Moreira. A moderação contou com o coordenador do Programa de Saúde, Ambiente e Sustentabilidade da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Guilherme Franco Netto. 

Na abertura do seminário, Guilherme Franco Netto, que coordena a pesquisa, agradeceu a participação de todos no seminário e disse que os objetivos desses debates abrem a possibilidade de compreensão da realidade do Cerrado, além de dar visibilidade social e política para o ecocídio a que povos originários e comunidades tradicionais dos cerrados brasileiros são infringidos.

“Temos a oportunidade de desocultar, a partir das ciências, processos que estão ocorrendo de maneira real no território e contribuir para a renovação do pensamento crítico em nível nacional acerca dos desafios que nós temos nesse tempo contemporâneo que estamos vivendo”, ressaltou. 

Diana Aguiar colocou em evidência, durante a sua fala, o crime de ecocídio em curso no Cerrado e apresentou o conceito de ecogenocídio adotado pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, no qual foi acatado na sentença declaratória do júri da Sessão Cerrado do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), considerando que a destruição do Cerrado importa diretamente no extermínio dos seus povos. Ela trabalhou na fundamentação do documento de acusação encaminhada ao TPP, que julgou o crime de ecocídio em 2021. 

A professora também apresentou um marco temporal do Cerrado. Ao citar o geólogo, antropólogo e arqueólogo Altair Sales, um dos maiores especialistas em Cerrado, afirmou que o bioma é o mais antigo do planeta e começou há 65 milhões de anos e se concretizou há 40 milhões de anos. O Cerrado não foi contemplado como Patrimônio Nacional na Constituição e já perdeu mais de 50% da sua vegetação em detrimento da expansão agropecuária. 

Aguiar ainda destacou a importância dos conhecimentos dos povos do Cerrado acumulados durante séculos. Segundo ela, o Cerrado, além das questões ambientais, contribui para sobrevivência das suas populações (indígenas, geraizeiros, ribeirinhos, vazanteiros, quebradeiras de coco, comunidades quilombolas e outras) que fazem parte do patrimônio histórico e cultural e que geram conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.

“São conhecimentos de manejo usado nos ecossistemas nesse processo de construção do Cerrado que, por meio da interação dos povos ao mesmo tempo os modos de vida desses povos, foram constituídos. Foram se moldando e criando formas de lidar com aquelas paisagens e a gente fala o tempo inteiro dessa co-constituição povos-cerrado”, destacou. 

Os relatos sobre a riqueza da diversidade dos povos e comunidades e seus conhecimentos, além das denúncias de violação de direitos denunciados ao TPP, foram acompanhadas durante audiências sobre as Águas do Cerrado; Soberania Alimentar e Sociobiodiversidade do Cerrado; Terra e Territórios do Cerrado; e dos 15 casos de violação de povos e comunidades cerradeiras, que mostraram a sistematicidade que configura o ecocídio no Cerrado e descreve a destruição em larga escala do meio ambiente e dos ecossistemas. O ecocídio está ligado ao modelo de produção capitalista que se baseia na exploração intensiva dos recursos naturais, no consumo excessivo e na busca constante pelo lucro.

Quanto ao genocídio, a professora explicou sobre o entendimento comum que considera o genocídio a partir da ideia de extermínio físico em massa de um povo. “O crime de genocídio mais conhecido que deu origem inclusive a própria tipificação penal é o holocausto dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. O genocídio não é apenas físico e diz respeito também a ataques sistemáticos à identidade cultural de um grupo. Também pode ter outras formas como, por exemplo, o impedimento de que um grupo fale a própria língua, que pratique sua religião ou realize outras práticas culturais”, ressaltou. 

Segundo Diana Aguiar, não houve resistência do TPP e do júri que acatou a denúncia sobre a formulação sobre os crimes de genocídio e ecocídio “As evidências e os testemunhos apresentados foram muito cabais e permitiram essa construção. O próprio TPP reconhece na sua jurisprudência que essa formulação de ecocídio e genocídio é uma inovação na jurisprudência do TPP”, afirmou.

Para Irina Castro, é preciso entender o ecocício como uma função do capital e essa acumulação da riqueza que colapsa os tipos naturais e vai além de uma série de danos ou destruições de ecossistemas dos quais dependem grupos particulares”, disse. Ela também ressaltou a importância da compreender as relações humanas e a natureza como intercâmbios complexos e dinâmicos onde a práxis é central no processo de formação e transformação da matéria. 

Em relação à pesquisa, Marcelo Rasga Moreira ressaltou a importância da abordagem das ciências sociais para ajudar a compreender melhor a sociedade humana e as suas relações, seu desenvolvimento, sua diversidade cultural e seus modos de vida como parte dos aspectos relacionados a uma sociedade. 

“A forma mais eficiente para fazer esse recorte de pesquisa social de abordagem materialista dialética é ouvir e conhecer as pessoas que vivem essa realidade no território e saber o que pensam sobre as suas relações com a natureza, as relações com a saúde, com a vida. Isso é ‘ir à campo’. Porém, se não percebermos que as relações que as pessoas travam são também contraditórias, corremos o risco de cair no empiricismo, numa ideia de que, para a pesquisa, bastaria coletar informações que estas montariam o quebra-cabeça”, disse.

Para Moreira, as pessoas que são sujeitos de nossas pesquisas são produtoras de saberes e de cultura cuja valia é do mesmo tipo que a do saber científico. “Neste sentido, as epistemologias do sul desafiam as ciências sociais a ter uma abordagem que seja a favor do enfrentamento das lutas que os oprimidos travam na sociedade”, destacou. 

Quanto ao Ecocídio, Moreira destacou “que é importante considerá-lo a partir de suas relações com a ‘vida não-humana’ (natureza atacada) e com a ‘vida humana’ (populações que vivem nas naturezas atacadas), destacando, à moda das Epistemologias do Sul, que ele ataca também a cultura e os saberes dessas populações”.

Ciclo de Seminários - Esse é o segundo seminário da série composta por sete encontros. O primeiro seminário foi realizado no dia 9 de março, em Coimbra, e contou com a participação de integrantes da direção do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O diretor emérito e professor Boaventura de Sousa Santos também integra o projeto de pesquisa.  

O terceiro seminário "Aportes teóricos ao estudo do ecocídio e da globalização dos territórios: epistemologias do sul” será realizado no dia 24 de março, das 11h às 14h. O seminário será realizado por meio da plataforma Zoom, sem inscrição obrigatória. No entanto, está limitada ao número de vagas disponíveis.

Confira a programação completa do Ciclo de Seminários.

Assista o vídeo do seminário.

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