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Seminário na Fiocruz discute capacidade brasileira de produzir vacinas e enfrentar pandemias


26/10/2023

Fiocruz Amazônia

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O sistema vacinal brasileiro, a situação do Brasil em relação à produção de vacinas e a preparação do país para novas pandemias foram os temas debatidos na quarta-feira (25/10), em Manaus, no seminário Desigualdades, vacinas e pandemias, organizado pela Oxfam Brasil e Fiocruz Amazônia. Dezenas de representantes de movimentos sociais, comunidades tradicionais e indígenas, de universidades e do Ministério da Saúde participaram do encontro, que contou com cinco mesas de discussão. No evento foram lançadas também duas notas técnicas: Capacidade de produção de vacinas no Brasil e Horizontes para o gasto público em Saúde no contexto do novo arcabouço fiscal. Na abertura do seminário, a diretora em exercício do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Stefanie Lopes, e o coordenador da área de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, lembraram que Manaus e região foram muito impactadas pela pandemia de Covid-19.

Os painéis debateram as desigualdade do acesso às vacinas em diferentes regiões e setores de maior vulnerabilidade da sociedade brasileira, como as comunidades quilombolas e indígenas, bem como os gargalos existentes na produção e distribuição, entre outras questões (Foto: Fiocruz Amazônia)

 

“Não há ninguém no Amazonas que não sofreu com a pandemia de Covid-19 ou não perdeu um ente querido. Por isso, precisamos mais e mais pensar criticamente sobre as questões que estão em debate aqui, as desigualdades, o acesso à saúde, a soberania do país, e a produção e distribuição vacinal”, salientou Stefanie.

“É muito importante a gente pensar nesse contexto de desigualdade vacinal analisando o período que a gente passou no contexto da Covid-19”, afirmou Jefferson Nascimento. “O Brasil foi um país extremamente impactado pela pandemia e algumas regiões foram mais impactadas do que outras. Então, ter este evento aqui em Manaus, na Amazônia, uma região que foi muito impactada pela Covid-19, ajuda a jogar luz nesse cenário, e discutir o que o Brasil pode fazer para se preparar para uma próxima pandemia".

O primeiro painel do dia, mediado por Ana Maria de Brito, coordenadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), foi dedicado a um retrospecto dos 50 anos do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde e os desafios do acesso à vacina no Brasil. Jadher Percio, do Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde, mostrou as conquistas do programa e sua importância para a segurança de saúde dos brasileiros. No entanto, desde 2016, os então bons índices de imunização foram caindo e estão em níveis preocupantes agora, com a população cada vez mais resistente às vacinas, como mostrou Andrea Brandão Beber, da Fiocruz Amazônia. “Oswaldo Cruz (médico e sanitarista brasileiro) se assustaria muito com as resistências que temos hoje às vacinas”.

A diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde Rosemary Costa Pinto, Tatyana Ramos Amorim, reforçou a preocupação, afirmando que há alto risco para diversas doenças hoje, como a poliomielite, devido à baixa imunização verificada nos últimos anos. “A desinformação e as fakenews são fatores negativos que impactam esses resultados e foram decisivos nos últimos anos para os baixos resultados atuais”, disse Tatyana, lembrando, entretanto, que o Brasil tem toda a capacidade para reverter o cenário.

Racismo institucional

Os dois painéis seguintes do seminário foram dedicados à desigualdade do acesso às vacinas em diferentes regiões e setores de maior vulnerabilidade da sociedade brasileira, como as comunidades quilombolas e indígenas, bem como os gargalos existentes na produção e distribuição pelo país e o orçamento público. “Doeu muito ver muitos dos nossos morrerem por falta de vacina”, afirmou a representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), lTeresa de Jesus da Silva, lembrando a luta que os quilombolas tiveram no Supremo Tribunal Federal (STF) para que fossem considerados grupos prioritários na vacinação contra a covid-19. “Hoje o povo quilombola voltou a ter voz e vez. Queremos e merecemos dignidade e políticas públicas.”

Marcivana Sateré Mawé, da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entornos (Copime), mostrou pesquisa realizada com comunidades indígenas do Amazonas revelando os principais motivos pelos quais essas populações não se vacinaram – preferência a prevenção com remédios tradicionais e a falta de acesso à vacina estavam entre as mais votadas. “Este espaço (o seminário) é importante para a gente construir caminhos para que não se repita uma realidade tão dolorida que sofremos durante a pandemia.”

O epidemiologista e pesquisador da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana destacou dados recentes para exemplificar a desigualdade da cobertura vacinal no Amazonas. Segundo ele, faltam investimentos na Atenção Básica. “Os dados são de outubro deste ano e demonstram a disparidade existente na cobertura vacinal de cidades amazonenses cujo acesso se dá por via terrestre e outras em que só se chega por via fluvial ou aérea, citando os municípios de São Paulo de Olivença, Santa Isabel do Rio Negro e Atalaia do Norte. “As coberturas vacinais são desiguais”, observou.

Comunicação periférica

A penúltima mesa do encontro foi dedicada aos coletivos de comunicação que produziram reportagens sobre o impacto da pandemia nas periferias brasileiras. Participaram Elaíze Farias (Amazônia Real, de Manaus), Thiago Borges (Periferia em Movimento, de São Paulo), Letícia Pasuch (Nonada, de Porto Alegre) e Ronaldo Matos (Desenrola e Não Me Enrola, de São Paulo). “É importante descentralizar a cobertura jornalística sobre acesso a serviços de saúde e a cobertura vacinal nas periferias, favelas, quilombos e territórios indígenas, e principalmente construir um futuro em que se promova um letramento midiático dessa população para que ela valorize o consumo da informação confiável como instrumento de combate ao negacionismo e também à desinformação”, afirmou Ronaldo Matos, que coordenou a mesa.

Letícia Pasuch contou em sua apresentação como foi feita a reportagem com o jornal Boca de Rua, “que teve papel importante em conscientizar a população de rua de Porto Alegre e as autoridades locais sobre a importância da vacinação e como enfrentar a pandemia da melhor maneira”. Para Thiago Borges, o negacionismo e a precariedade da vida das pessoas das periferias de São Paulo foram fatores que impactaram decisivamente na falta de acesso à vacinação. “Discutimos muito a necessidade de readequação das estratégias adotadas nas campanhas de vacinação em São Paulo, não só contra a Covid-19 mas também para outras doenças”.

Regras do jogo

Na última mesa do seminário o tema central foi como a propriedade intelectual sobre vacinas tem impacto direto na saúde pública das pessoas. Jorge Bermudez (Ensp/Fiocruz), Marina Paullelli (Idec) e Rafael Silva (Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais) defenderam o licenciamento compulsório das patentes para facilitar a produção de vacinas no país, para evitar a repetição dos erros e problemas verificados durante a pandemia de Covid-19 no Brasil e no mundo.

O encontro foi encerrado Eloísa Machado, da FGV Direito São Paulo, que defendeu a mudança nas regras do jogo em relação à produção e distribuição de vacinas para impedir novas tragédias. “Temos que fazer um enfrentamento desse modelo de desenvolvimento, que só aprofunda as desigualdades no acesso à saúde pública”. Eloísa defendeu ainda a tese da desobediência civil para quebrar patentes, “para a gente ter alguma chance de mudar essas regras”.

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