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Seminário na Ensp promoveu o debate sobre os desafios da saúde reprodutiva


10/12/2014

Fonte: Informe Ensp

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Depressão e mortalidade materna, parto, aborto e más práticas obstétricas foram os temas debatidos no seminário Questões e Desafios da Saúde Reprodutiva no Brasil, promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). O encontro pautou ainda a questão socioeconômica como um diferencial para determinados procedimentos no momento do parto. “Os piores resultados para as mulheres mais pobres, tanto na disponibilidade da atenção quanto nos indicadores obstétricos e perinatais, bem como as intervenções médicas, mostram que a luta pela eliminação das iniquidades em saúde deve ser um compromisso permanente.”, opinou a pesquisadora da Ensp Mariza Theme, uma das palestrantes do evento. Também participaram da atividade a assessora da Secretaria do Estado de Saúde (SES-RJ) Tizuko Shiraiwa, Maysa Luduvice, da Faculdade de Enfermagem da Uerj e Leila Adesse, da ONG Ações Afirmativas em Direito e Saúde (AADS).

Conforme explicou Mariza, quanto maior o poder aquisitivo da parturiente, maior o uso de práticas não recomendadas. De acordo com a pesquisa da Fiocruz Nascer no Brasil, muitas intervenções desnecessárias foram realizadas principalmente nas mulheres de grupos socioeconômicos mais elevados, as quais podem estar mais propensas a sofrerem os efeitos adversos do uso da tecnologia médica. Tal condição, segundo Maysa Luduvice, pode ser conhecida como paradoxo perinatal, definido pela palestrante como um atendimento com mais tecnologia, porém com resultados inferiores, devido ao excesso de interferências inapropriadas.

Entre as mulheres socioeconomicamente desfavorecidas observadas no Nascer no Brasil houve, de acordo com Mariza, maior utilização de procedimentos dolorosos, como a aceleração do trabalho de parto com o uso de ocitocina (hormônio que induz o parto), a episiotomia (corte feito no períneo para aumentar o canal de parto) e o baixo uso de analgesia obstétrica. 

Ainda segundo a pesquisa, as mulheres atendidas no setor privado e as que tiveram a presença de um acompanhante avaliaram melhor a relação com os profissionais de saúde, tendo como principais determinantes da satisfação o respeito, a privacidade, a clareza nas explicações, a possibilidade de fazer perguntas e a participação nas decisões. O oposto ocorreu naquelas com menor grau de escolaridade e nas que tiveram trabalho de parto, tendo essas últimas relatado maior ocorrência de violência emocional, física ou mental durante a assistência recebida. 

Mariza abordou ainda a depressão materna, doença raramente diagnosticada, que deixa milhares de mulheres à margem do tratamento. Na pesquisa Nascer no Brasil, 26% das mulheres referiram sintomas de depressão, sendo mais frequente em mulheres de baixo nível socioeconômico, que não desejavam a gestação, com três ou mais filhos, que fumavam e tinham risco de alcoolismo e com história de doença mental. Estas mulheres, segundo a pesquisadora, consideraram pior a atenção recebida por ela e pelo bebê.  “Segundo a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) de setembro de 2014, no mundo inteiro, muitas mulheres sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Tal tratamento não apenas viola os direitos das mulheres ao cuidado desrespeitoso, mas também ameaça o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não-discriminação. Esta declaração convoca maior ação, diálogo, pesquisa e mobilização sobre este importante tema de saúde pública e direitos humanos.”, comentou Mariza.

Os relatos sobre desrespeito e abusos durante o parto, de acordo com ela, incluem: violência física, humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), falta de confidencialidade, não obtenção de consentimento esclarecido antes da realização de procedimentos, recusa em administrar analgésicos, graves violações de privacidade, recusa de internação nas instituições de saúde, cuidado negligente durante o parto levando a complicações evitáveis e situações ameaçadoras de vida. 

Abortamento, um problema de saúde pública e de justiça social

Os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, mesmo com os avanços nas últimas décadas em tecnologia, definição de protocolos clínicos, capacitação profissional e progressos conquistados no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, o aborto inseguro se mantém como um grave problema de saúde pública em muitas partes do mundo. Segundo Leila Adesse, da ONG Ações Afirmativas em Direito e Saúde (AADS), os abortos representam causa importante de mortalidade materna, além de uma das mais severas violações dos direitos reprodutivos das mulheres, uma vez que a maioria dessas causas é considerada evitável, desde que haja acesso precoce, atenção e saúde de qualidade.

De acordo com Leila, estimativas globais apontam que 21,6 milhões de abortos são inseguros, sendo a maior taxa desse tipo encontrada na América do Sul. O fato pode estar relacionado com as leis restritivas ao aborto que persistem em grande parte desta região. No Brasil, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID) as causas de morte materna registradas em 2010 foram doenças hipertensivas (13,8%), hemorragias (7,9%), infecção puerperal (4,4%), complicações por aborto (3%), dentre outras. Depois do parto e das complicações obstétricas, o aborto é a 3ª causa de ocupação dos leitos obstétricos no SUS.

De acordo com Leila, o percentual de abortos que eram inseguros em todo o mundo aumentou, passando de 44% em 1995 para 49% em 2008. “Há pouco progresso na luta contra esta fonte evitável de mortalidade materna. Há aquelas que fazem uso de plantas medicinais que podem provocar o aborto ou usam um medicamento gástrico que foi retirado das farmácias e é rastreado em sites de vendas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, explicou.

Diante da condição de ilegalidade, segundo Leila, a prática do aborto inseguro evidencia diferenças socioeconômicas e culturais. Mulheres com melhor condição financeira, nos grandes centros urbanos, têm acesso aos métodos e clínicas clandestinas de maior higiene e cuidado. Já as mais carentes recorrem a métodos perigosos com alto índice de agravos à saúde. “A clandestinidade cria um ambiente ameaçador, de violência psicológica e de culpabilidade que leva muitas mulheres a apresentarem sintomas de depressão, ansiedade, insônia. Além disso, elas se sentem constrangidas e com medo de declarar seus abortamentos, o que dificulta o cálculo da magnitude do aborto no Brasil”, observou.

Mulheres negras e pardas têm maior taxa de mortalidade 

Tizuko Shiraiwa apresentou dados da distribuição proporcional dos óbitos maternos segundo uma investigação da Secretaria do Estado de Saúde do Rio de Janeiro entre os anos de 1980 a 2012. De acordo com essa pesquisa, 16,72% dos abortos ocorrem entre mulheres de 40 a 49 anos, sendo a maioria negras e pardas, em relação à taxa de mortalidade das mulheres brancas. 

O estudo observou ainda a ocorrência de 65% de óbitos diretos, caracterizados por complicações obstétricas durante gravidez, parto ou puerpério devido a intervenções, omissões, tratamento incorreto ou a uma cadeia de eventos resultantes de qualquer dessas causas; e 28% de óbitos indiretos, resultante de doenças que existiam antes da gestação ou que se desenvolveram durante esse período, não provocadas por causas obstétricas diretas, mas agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez. 

Para Tizuko, investigar a morte materna é de extrema importância por gerar informações que permitem apontar as falhas do sistema de saúde, assim como criar estratégias para evitar a ocorrência de novos óbitos.

O seminário Questões e Desafios da Saúde Reprodutiva no Brasil aconteceu na Ensp no dia 28 de novembro. 

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