Fiocruz

Fundação Oswaldo Cruz uma instituição a serviço da vida

Início do conteúdo

Seminário discute impacto da violência armada nas escolas

Pesquisadores na mesa

22/12/2017

Por: Luiza Gomes (Cooperação Social da Fiocruz)

Compartilhar:

Entre 88 moradores e moradoras do Jacarezinho, Manguinhos e Maré entrevistados para uma pesquisa da Cooperação Social da Fiocruz 91% afirmaram que a violência armada afeta sua educação escolar. No percurso formativo letivo de 12 anos, um aluno da Maré tem um ano a menos de aula em razão dos fechamentos das escolas em dias de conflitos, segundo a ONG Redes da Maré. Esses foram alguns dos efeitos nocivos do contexto de violência em favelas tematizados no seminário “Violência armada e Saúde em escolas localizadas em periferias urbanas” que reuniu professores, alunos, profissionais de saúde e sociedade civil organizada no dia 13 deste mês, no campus Manguinhos.

Desde junho de 2017, a Cooperação Social promove debates intersetoriais sobre violência armada e seus impactos na saúde e na educação como parte do seu Programa de Promoção de Territórios Urbanos Saudáveis (PTUS). Questões como a promoção da saúde em favelas, reflexos da atual política de segurança pública para esses territórios, e a descontinuidade das políticas públicas são alguns dos assuntos tratados. Uma pesquisa sobre a percepção social dos processos de saúde-doença em Manguinhos, Jacarezinho e Maré vem sendo realizada pelos pesquisadores do órgão e a publicação final é prevista para março de 2018.

“A política de segurança pública está atravessando outros direitos”, diz ativista

Leonardo Bueno, pesquisador da Cooperação Social e um dos responsáveis pelo estudo, destacou que 80% responderam nas entrevistas que a violência com uso de armas de fogo afeta sua saúde, de sua família ou pessoas próximas. A estatística se confirma na fala de Lidiane Malanquini, coordenadora do Eixo de Segurança Pública da ONG Redes da Maré, e uma das participantes da primeira mesa do seminário: Violência armada, sofrimento psíquico e adoecimento em escolas das periferias urbanas. A ONG desenvolve projetos de monitoramento dos confrontos armados no Complexo da Maré e também de atendimento direto às vitimas das violências.

“O setor saúde e educação acabam que são os mais presentes nesses territórios, mas muitas vezes não são contabilizados dados importantes que ajudam a ilustrar o impacto desse tipo de violência”. Ela conta que a área conhecida como “Divisa” na Maré se situa entre dois territórios dominados por diferentes grupos civis armados que periodicamente entram em confronto. “Os postos de saúde dessa região são os que mais consomem Rivotril de todo o complexo. As pessoas estão se dopando para enfrentar essa realidade”, alardeou a ativista.

Para ela, a pergunta que mobiliza a ela e outros coletivos seria: “Como a segurança pública nas favelas pode ajudar a garantir outros direitos?”. Lidiane também compartilhou a experiência da ONG junto à Defensoria Pública e ao Ministério Público em uma Ação Civil Pública que reivindica, junto ao Tribunal de Justiça, a consolidação de um protocolo para Operações Policiais realizadas na Maré que obedeçam a critérios como: não serem realizadas nem no turno da noite, nem aos finais de semana; disporem ao menos de uma ambulância nessas ocasiões; equipar viaturas com câmera e GPS; e certificar policiais em cursos sobre a inviolabilidade das casas dos moradores.

Fábio Pessanha era o outro componente da mesa. Integrante do projeto Rede Adolescentes Promotores da Saúde (RAP), da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, contou sua experiência como ex-aluno do Colégio Compositor Luiz Carlos da Vila, localizado em Manguinhos. Segundo ele, a escola foi construída com todos os equipamentos de ponta, mas começou a se deteriorar pela falta de investimento após o período eleitoral.

“Todo ano faltava matéria e professor. Eu mesmo estudei três anos no colégio sem ter um livro escolar”. O depoimento do jovem denuncia condições gerais dificultadoras do processo de ensino-aprendizagem. “Tiroteios frequentes na frente do colégio, um cubículo de sala de aula, 40 pessoas, sem ar condicionado, amigos seus sendo baleados, até perdendo a vida nesses confrontos... Como ir em frente?”, indagou.

Durante o debate, a enfermeira Luiza Maria da Silva, de Duque de Caxias, trouxe a experiência do Programa Saúde nas Escolas (PSE), que propõe a integração do campo da saúde e educação nas escolas. “Uma das prioridades do Programa é propor atividades que promovam a cultura de paz e a prevenção das violências. É um espaço muito rico e pouco explorado”, opinou.

Promoção da Saúde em territórios de favelas

Lourenço Cezar da Silva, do Centro de Estudos e Ações solidárias da Maré, convidado para segunda mesa, sugeriu que experiências do Programa pudessem ser debatidos em futuros seminários promovidos pela Cooperação Social da Fiocruz. Formado em geografia, e militante na Maré, o professor destaca a forma com que a vida dos moradores é tratada nesses territórios.

“O corpo na favela sempre ocupa o lugar do castigo, mais do que o da saúde. É o corpo ‘que aguenta’, que resiste a várias adversidades. E essa é discussão pouco trabalhada na escola e na saúde também”, argumentou. A evasão escolar, em especial dos alunos negros e mais pobres no decorrer das séries, também foi mérito de suas ponderações.

Apesar dos protocolos existentes para diminuir a exposição dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) – elo fundamental da Estratégia de Saúde da Família – os profissionais continuam vulneráveis à violência dos locais onde vivem e trabalham. “A Clínica da Família Victor Valla é alvejada por tiros em praticamente todo tiroteiro que acontece no Jacarezinho. E quando os profissionais de lá pleitearam a construção de um muro para proteger os trabalhadores e a população a Prefeitura diz que o muro mudaria o layout da Unidade”, criticou um trabalhador da saúde presente no debate.

Segundo informações da ONG Redes da Maré, em 2017, os postos de saúde locais fecharam as portas por 19 dias em razão de episódios de violência armada. Um total de 480 atendimentos que deixam de ser feitos por conta de operações policiais e seus desdobramentos, diz Lidiane. “Como fazer promoção da saúde no território nessa situação?”.

Ao final do debate, foram distribuídos exemplares do livro “Saúde e Segurança Pública: Desafios em territórios marcados pela violência”, organizados por trabalhadores da Cooperação Social da Fiocruz e do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp). Uma apresentação teatral sobre como a violência interfere nas atividades mais básicas e na saúde do morador de periferia também compôs a programação do seminário. A esquete é autoria do coletivo artístico Manguinhos em Cena. 

Mais na web

Voltar ao topoVoltar