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Seminário debate sobrecarga de trabalhadores de saúde

05/08/2021

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)

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No Ano Internacional dos Profissionais de Saúde, essa força de trabalho se encontra esgotada. Foi alvo de aplausos e de agressões, viu problemas antigos se agravarem e se tornou vítima da própria Covid-19 que ajuda a combater. Esse panorama foi traçado durante o webinário Recursos Humanos em Saúde na Pandemia, promovido pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), no último dia 4 de agosto. Com mediação de Francisco Eduardo Campos, especialista em saúde pública e em recursos humanos, o seminário mostrou que também é preciso se preparar para o pós-pandemia, para que a situação atual de sobrecarga não se transforme nem um “novo normal”. 

“Dos 570 mil brasileiros mortos na pandemia, muitos eram trabalhadores da saúde, visíveis e invisíveis, um conjunto de profissionais que inclui motoristas, maqueiros, profissionais de limpeza...”, disse Campos, integrante da Fiocruz Brasília e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O pesquisador destacou ainda a carência de profissionais de saúde em determinadas regiões, um problema que não afeta apenas Estados mais frágeis, e lembrou o tempo necessário para a formação destes profissionais. “Se em dois ou três anos se monta uma fábrica e se desenvolve uma vacina, não se resolve uma questão que envolve a formação em pouco tempo. Não são colhidos frutos na gestão atual”. 

Desigualdades em gênero 

Jim Campbell, diretor do Departamento de Força de Trabalho em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou que os problemas de distribuição de profissionais e as inequidades foram agravados com a pandemia. “Essas inequidades no sistema de saúde estão relacionadas também à questão de gênero. Quase 70% da força de trabalho na saúde são formados por mulheres. E ainda vemos desafios em pagamento igualitário, condições de trabalho decentes e oportunidades de liderança”, descreveu. 

Campbell destacou que em todo o mundo 150 mil profissionais de saúde podem ter morrido contaminados com a Covid-19, muitos deles por falta de equipamentos de proteção. Ele ressaltou a necessidade de recrutar mais pessoas para trabalhar nas campanhas de vacinação, para que o deslocamento de profissionais não aumente a escassez nem a sobrecarga. As condições de trabalho extenuantes estão afetando a saúde mental, algo revelado nos sinais de estresse, depressão e insônia. “Temos que proteger os trabalhadores que estão nos protegendo na pandemia”, disse. 

Conceito ampliado 

Maria Helena Machado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), por sua vez, se concentrou no impacto da Covid-19 sobre a força de trabalho da saúde no Brasil. Ela usou como base duas pesquisas que desenvolve com profissionais de saúde e os chamados profissionais invisíveis, um contingente que soma cerca de 3 milhões de pessoas, das quais cerca de 40 mil participaram do estudo em todos os estados. 

A pesquisadora destacou que a situação destes profissionais, que já era precária antes da pandemia, se agravou: eles relatam salários baixos, perdas temporárias de férias, corte do adicional de insalubridade, horas extras, sobrecarga de trabalho, sem recompensa financeira, psicológica ou emocional. “É uma força de trabalho esgotada”, resume. “Destes, 70% são mulheres. Na enfermagem, chegam a 85%”. 

Das vítimas da Covid-19 no Brasil, 3.500 são trabalhadores de saúde, um número que pode ser muito maior, já que aí se incluem os chamados "invisíveis”. Estes compõem mais de 60 categorias que deveriam ser incorporadas aos trabalhadores de saúde, explica Maria Helena. Como exemplo, ela cita a Região Norte, que tem apenas 4,5% da força de trabalho em saúde no país, mas concentrou a maior parte das mortes no setor. “Muitos dos ‘invisíveis’ tiveram que ir à Justiça para conseguir equipamento de proteção individual e vacina." 

Para ela, é preciso pensar na política para o setor no pós-pandemia. “É preciso rever e alargar o conceito de trabalhador de saúde, rever o processo para que tenha uma situação mais estável. Eu diria que o serviço extenuante, em que se faz a tarefa de dois ou três devido aos afastamentos por doença ou morte, parece se firmar como o novo normal no Brasil”, destacou. 

Papel das universidades 

O sociólogo argentino Hugo Mercer, da Universidade Nacional de San Martín (Unsam), destacou as contribuições das instituições acadêmicas no enfrentamento à pandemia na América Latina. Mercer, que já foi consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra e Washington, ressaltou que a educação à distância se generalizou na pandemia e destacou a “ponte” que instituições acadêmicas fizeram com as comunidades. “As universidades trabalharam junto a profissionais de saúde facilitando acesso a grupos desprotegidos, construindo sistemas rápidos de informação e alerta em relação ao impacto de políticas públicas”, disse.  

Ele contou ainda sobre a parceria com o setor privado, como na pesquisa de uma vacina desenvolvida pela Unasam e o Laboratório Pablo Cassará, que poderá estar disponível em 2022, além de outras envolvendo a produção de “super máscaras” e testes para Covid-19. “Na Argentina, isso foi particularmente produtivo. Foram criados mecanismos ágeis para as universidades participarem gerando informação para enfrentar a pandemia. Houve também o desenvolvimento de sistemas de alerta epidemiológico, sociais e ambientais, associados à pandemia”, contou. 

Informação em rede 

O pesquisador do Cris/Fiocruz, Sebastián Tobar, trouxe a experiência das redes estruturantes como uma estratégia para a educação da força de trabalho na pandemia, das quais a própria Fundação faz parte. Muitas delas surgiram no marco da Unasul, tendo a sua atuação na América Latina depois estendida além-mar por meio da Secretaria Geral Ibero-americana (Segib). “A pandemia permitiu uma intensificação do trabalho em rede”, observou Tobar. 

Tobar destacou o fortalecimento da atuação de três delas. A Rede de Escolas e Centros de Formadores em Saúde Pública, por exemplo, já produziu quatro webinários , um deles coordenado pela Fiocruz, e suas instituições desenvolveram uma ferramenta para medir o impacto social da pandemia que já está em uso no Brasil, Argentina, Portugal e México. Com 122 instituições em 20 países, a Rede de Educação de Técnicos em Saúde estabeleceu um ciclo de palestras para debater práticas e sugerir recomendações. Todo o material produzido é disponibilizado num site. E as Redes dos Institutos Nacionais de Saúde têm atuado no monitoramento do vírus e assessorado autoridades de seus países na tomada de decisões. "O maior uso de encontros virtuais permitiu grandes oportunidades para abordar problemas comuns. Precisamos trabalhar em conjunto para superar tanto os problemas pandêmicos como os da força de trabalho", disse. 

Seminários 

Durante o webinário, Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde, destacou que este foi o 15º Seminário Avançado do Centro de Relações Internacionais em Saúde este ano. Copatrocinado pelo Cris/Fiocruz e pela Aliança Latino-americana de Saúde Global, teve tradução simultânea para inglês e espanhol. Todos os seminários podem ser acessados no Portal Fiocruz. Já os informes quinzenais produzidos pelo Centro podem ser encontrados no repositório Arca da Fiocruz.

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