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Seminário debate desafios para o funcionamento do G20

11/11/2021

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)

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As declarações são muitas, os compromissos também, mas a falta de uma diferenciação de responsabilidades e da obrigatoriedade no cumprimento dos objetivos acertados emperram o funcionamento do G20, apontam os participantes do mais recente Seminário Avançado do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz). O webinário G-20: O que esperar dos mais ricos do mundo em saúde global e planetária? analisou as conclusões da cúpula dos 19 países com as principais economias do mundo mais a União Europeia.  

Para Paulo Esteves, professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC), os problemas vêm desde a fundação do G8, então formado por Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Japão e Rússia. Com a crise econômica de 2008, o G20, que inclui também algumas nações em desenvolvimento, aumentou seu papel como principal condutor dos debates da política econômica mundial, absorveu novos temas, mas guardou traços do antecessor: um formato de “clube”, que exclui parte dos agentes, e uma dificuldade de “diferenciação de responsabilidades”. 

‘G2’ no G20 

“A oligarquia se ampliou, mas isso não significa que as estruturas tenham sido democratizadas”, disse Esteves. “Na ausência de uma clara responsabilidade entre os membros, o G20 se vê às voltas com várias dinâmicas. Uma é essa em que todo mundo parece ser igual e contribui da mesma maneira. A outra é do ‘G2’ dentro do próprio G20, que é a negociação EUA/China. E a terceira é a de que todos são responsáveis. Minha avó já dizia que quando todo mundo é responsável, ninguém é responsável. Então, não há um claro compromisso mandatório. E se falamos em bens públicos globais, precisamos ter contribuições mandatórias”, acrescentou. 

Isso se reflete na observação feita por Pedro Burger, coordenador adjunto do Cris/Fiocruz e que comentou a saúde no processo global do grupo: a repetição de compromissos mais conceituais do que concretos. “Há uma retórica bem elaborada que esbarra nos interesses geopolíticos”, observou. Burger, no entanto, destacou que “houve uma evolução conceitual na questão da saúde, um fortalecimento de conceitos como saúde única, cobertura universal e uma reaproximação dos Estados Unidos com a Organização Mundial da Saúde (OMS) após o fim da presidência de Donald Trump. 

Representante da sociedade civil, a italiana Nicoletta Dentico, copresidente do Geneva Global Health Hub (G2H2), foi mais crítica, mesmo em relação a um reforço da questão da saúde. Ela expôs dúvidas em relação ao conterrâneo e ex-premiê Mario Monti comandar a Comissão Pan-Europeia de Saúde e Desenvolvimento Sustentável da OMS. “Se há uma pessoa na Europa que injetou regras de mercado na saúde, essa pessoa foi Monti”, declarou. Dentico lamentou ainda que a proposta de quebra de patentes em relação à Covid-19 não tenha sido levada adiante, mas observou que agora “o elefante está na sala”.  

Sob a lente da saúde 

O embaixador Santiago Alcazar, pesquisador sênior do Cris/Fiocruz, foi além: para ele, o G20 precisa observar a saúde e as mudanças climáticas, duas grandes ameaças do momento, através de uma nova lente. “O grupo criou a força tarefa Saúde-Finanças. Poderiam dizer que é uma forma de trazer a lente da saúde para a questão, mas não. Não sei se os ministros das Finanças convidaram os da Saúde ou se foi o contrário. E isso tem impacto na agenda que tratarão”, observou.  

Alcazar destacou alguns pontos da declaração final que enfrentam limitações devido a essa “ótica restrita”. O fato de o G20 reconhecer a imunização como um bem global e mencionar apoio a estratégias globais, como a Covax Facility, revelam que “se limitam à pandemia, sem abordar outros temas da saúde”. Investir nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas destacando principalmente a cobertura universal de saúde, acaba por dividir os ODS, “que são indivisíveis”. “Enquanto não usarem a lente da saúde, não conseguirão enxergar a dimensão humana”. 

Falta de cooperação 

O economista americano Jeffrey Sachs, diretor do Centro para Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Colúmbia, destacou três grandes desafios. O primeiro é a falta de cooperação global: as instituições multilaterais estão fracas, os processos não são implementáveis ou sofrem porque grandes potências não querem implementá-los. Os governos se revelam fracos ao enfrentarem desafios estruturais. E não há sistemas financeiros operando em nível nacional ou global que dirijam as finanças para soluções. “Quando se soma isso tudo, não temos um processo de ação global, seja para a pandemia ou para as mudanças climáticas”, disse. “Não há falta de declarações ou compromisso. Há falta de cooperação”, disse. 

As próximas reuniões do G20 serão em países em desenvolvimento: Indonésia em 2022, Índia em 2023 e no Brasil em 2024. “Se houver oportunidade para criar um mundo mais justo, devemos utilizar esses três anos para isso”, disse Sachs, que citou a sugestão do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, de que os ricos deveriam colocar US$ 1 trilhão num fundo comum para alcançar os ODS – uma ideia na qual o economista acredita que o G20 deveria se engajar. 

As perspectivas para a próxima reunião do grupo, no entanto, não são otimistas na opinião de Paulo Buss, coordenador do Cris/Fiocruz. Buss contou ter ficado decepcionado ao ver a Indonésia propor a questão digital como tema do próximo encontro – o que pode significar uma oportunidade perdida para os temas abordados no seminário. 

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