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Risco de mortalidade é duas vezes maior entre crianças com sífilis congênita


18/04/2023

Clarissa Viana (Cidacs/Fiocruz Bahia)

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Baixo peso; prematuridade; alterações respiratórias; secreção nasal com presença de sangue; icterícia; anemia. Essas são algumas das manifestações, entre crianças de até dois anos de idade, da sífilis congênita (SC), quando há transmissão da infecção por sífilis da gestante para o bebê. Segundo estudo publicado na última edição da PLOS Medicine, o risco de mortalidade para crianças acometidas por essa enfermidade é duas vezes superior em comparação àquelas que não tiveram a doença. Os resultados indicaram que quanto maior a presença de anticorpo no teste sorológico da criança, maior foi o risco de morte, chegando a oito vezes mais do que as crianças sem sífilis. Também foi identificada associação entre a presença de sintomas e o maior risco de mortalidade, que chega a sete vezes mais.

A pesquisa acompanhou os dados de mais 20 milhões de crianças nascidas no Brasil entre janeiro de 2011 a dezembro de 2017. Foram registrados 93.525 casos de sífilis congênita no período, e 2.476 dessas crianças vieram a óbito. Para 46,9% dos casos, a causa da morte registrada foi SC, sendo 33% de bebês com até 28 dias, 11% com menos de um ano e 2,9% de crianças de um a quatro anos. Entre as crianças com o diagnóstico, 17,3% nasceram prematuras, 17,2% com baixo peso ao nascer e 13,1% eram pequenas para a idade gestacional. 

“Este estudo mostrou um aumento do risco de mortalidade entre crianças com Sífilis Congênita que vai além do primeiro ano de vida, com o aumento do risco não explicado inteiramente pela prematuridade e baixo peso ao nascer”, explica a pesquisadora, Enny Paixão, associada ao Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e à London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), que liderou a investigação.

A incidência de sífilis congênita no Brasil tem sido crescente: somente em 2021, foram identificados 27.019 casos, segundo dados do último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre a sífilis. E o número de casos pode ser ainda maior. No estudo liderado por Enny, foram identificados casos nos quais o código da sífilis congênita apareceu como causa da morte sem que houvesse registro da notificação da infecção no SINAN-Sífilis, o que pode ser interpretado como uma possível evidência do problema da subnotificação.

Importância do tratamento materno

O alto índice de sífilis congênita é indicador de deficiências na rede da assistência, uma vez que o diagnóstico da infecção na gestante, durante o pré-natal, e o tratamento adequado poderiam evitar a transmissão vertical. O rastreamento da sífilis durante a gestação é fácil, com realização de teste durante o pré-natal. O tratamento também é considerado simples, barato e, mais importante, efetivo. Como se trata de uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST), causada pela bactéria Treponema pallidum, é preciso um tratamento completo, inclusive do parceiro, para evitar que ocorra reinfecção.

O problema tem atingido, sobretudo, a população mais vulnerável, com taxas mais altas entre filhos de mulheres jovens, pretas e pardas e com poucos anos de escolaridade, segundo os resultados da pesquisa. Entre os casos registrados de SC, 44,84% das mães frequentaram a escola por menos de sete anos, contra 24,69% das mães de crianças que não tiveram o diagnóstico. A proporção de pretas e pardas também é superior: 76,76% contra 62,21%.

Dos mais de 93 mil casos acompanhados no estudo, 83.098 tinham informações registradas no sistema sobre o tratamento das mães. A falta de acesso ao tratamento adequado alcançou o percentual de 95,39% desses casos: 29,8% não tiveram acesso ao tratamento durante a gravidez, 65,59% receberam tratamento incompleto e apenas 4,62% receberam tratamento adequado.

O problema se torna ainda mais grave quando é observado seus efeitos nos riscos de mortalidade: foi identificada uma dupla associação, com riscos mais baixos de mortalidade entre crianças com sífilis congênita cujas mães foram tratadas adequadamente, e risco mais alto de quase três vezes (2,8) mais entre aquelas que não passaram por tratamento.  

Diagnóstico complexo

A SC pode ser classificada como precoce, quando os sintomas ocorrem antes dos dois anos de vida, e tardia, quando se manifestam após essa idade. O diagnóstico da enfermidade é considerado complexo justamente por ser comum que a criança permaneça assintomática por muitos anos. Nesses casos, o indivíduo pode ficar sem acesso ao tratamento necessário para mitigar as consequências da infecção em sua saúde, até que algum sintoma apareça.

“A maioria dos bebês é assintomático ao nascer ou apresenta sinais e sintomas inespecíficos, e não existe teste laboratorial confiável que identifica bebês assintomáticos ao nascimento. Portanto, os médicos confiam na revisão da sorologia materna e neonatal, histórico de tratamento materno e acompanhamento das crianças expostas para fazer um diagnóstico presuntivo”, explica a pesquisadora.

Aproximadamente, 78% das crianças com sífilis congênita acompanhadas no estudo tinham registros no sistema de resultado de teste sorológico, que identifica a presença de anticorpos no organismo. Aproximadamente, 10% das crianças tinham sintomas registrados, sendo os mais comuns: icterícia, seguida de aumento do tamanho do fígado e anemia.

Metodologia

O diferencial desse estudo foi o grande volume de dados analisado e o acompanhamento histórico, possibilitado pela integração de dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (Sim) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan-Sífilis). “Outros estudos apenas mostram as principais causas de óbitos em crianças com SC, mas sem um grupo comparação e menos tempo de acompanhamento”, afirma Enny.

As crianças com SC foram agrupadas em duas categorias: sintomáticas ou assintomáticas. As taxas de mortalidade foram calculadas e, com o auxílio de modelos estatísticos, foram estimados os riscos de mortalidade de cada um dos grupos – crianças sem sífilis; crianças com sífilis sintomática, crianças com sífilis sem manifestação de sintomas, e as crianças sintomáticas apresentaram risco de óbito mais elevado.  

A investigação teve a participação de pesquisadores do Cidacs/Fiocruz Bahia, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Isc/Ufba), do Instituto de Matemática e Estatística da Ufba, da London School of Hygiene and Tropical Medicine, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), e da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).

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