26/12/2016
Quem são os donos da saúde no Brasil? Se a Constituição garante aos brasileiros um sistema público — o SUS —, seria possível falar em proprietários da saúde? Sim, seria possível, sugere a nota de conjuntura publicada na nova edição da Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis). Seu autor é Paulo Henrique Rodrigues, do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) e docente do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/Uerj).
É possível apontar “donos da saúde” porque os gastos da área no Brasil são mais privados do que públicos: 53% do total, segundo estatísticas publicadas pela OMS. É possível porque o setor privado de saúde brasileiro recebe subsídio fiscal do Estado desde 1966. Ou seja, há mais de 50 anos o Estado, em favor dos interesses privados na saúde, abre mão de arrecadar recursos que poderiam financiar o SUS — só em 2011, essa renúncia fiscal foi de R$ 15,807 bilhões. É possível porque a maior parte da oferta dos leitos e de procedimentos de média e alta complexidade do SUS está sob o controle do setor privado. No texto, o pesquisador aponta ainda outros fatores que alimentam a disputa entre o setor privado de saúde e o SUS, que vem favorecendo de forma crescente o primeiro.
A vigilância é tema de outra nota de conjuntura desta nova edição da Reciis. Jamila Venturini, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, apresenta uma análise sobre os desafios da interação entre agentes públicos e privados na gestão de informações pessoais, diante do avanço das tecnologias digitais e da internet. Um dos pontos abordados é o poder de vigilância adquirido pelas empresas de tecnologia da informação e comunicação e os riscos à privacidade.
‘Morri para inspirar vocês’
Estratégias e alternativas para preservar informações individuais, ante as tecnologias de comunicação, também são tema do artigo "Saúde Móvel: desafios globais à proteção de dados pessoais sob a perspectiva do direito da União Europeia". O estudo enfoca as práticas médicas e de saúde pública apoiadas por dispositivos móveis — conhecidas como saúde móvel ou mHealth — para analisar políticas e regras que buscam proteger os dados pessoais envolvidos nessas redes.
A Reciis traz ainda artigos originais que abordam outros temas de comunicação e saúde, como o direito à comunicação e informação, a comunicação de crise em tempos de emergências epidemiológicas e a cobertura do tema saúde nos veículos de imprensa. Na seção de Ensaios, “’Morri para inspirar vocês’: uma análise das narrativas em disputa perpetradas por jovens homicidas/suicidas em ambientes escolares”, de Flora Daemon, usa como ponto de partida os relatos multimídia deixados por três jovens que perpetraram massacres em escolas. Cho Seung-Hui vivia no estado americano de Virgínia e tinha 23 anos em 2007, quando entrou numa universidade e matou 33 estudantes. Aluno da Escola Secundária de Jokela, no sul da Finlândia, Pekka Eric matou a tiros, também em 2007, seis alunos e duas funcionárias. Em 2011, Wellington Menezes de Oliveira invadiu sua antiga escola, em Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro, e matou 12 estudantes. Todos os três cometeram suicídio, ao fim dos assassinatos, e lançaram mão de estratégias midiáticas — vídeos, músicas, autorretratos e textos — para disseminar sua própria imagem sobre o crime. O texto de Flora mostra como os produtos comunicacionais deixados por esses jovens homicidas e suicidas busca disputar com os discursos hegemônicos, após a sua morte, o direito de significar midiaticamente.