06/09/2021
Roberto Abib (Reciis)
“Quais são os corpos que importam e por quê?”. Este questionamento da filósofa Judith Butler nos proporciona indagar sobre os limites pelos quais nossos corpos se tornam inteligíveis – reconhecidos e aceitáveis. Na questão de gênero e sexualidades, sobretudo em relação às feminilidades, inscrevem-se realidades histórico-culturais de violência e desigualdades que subjugam o corpo feminino. Na segunda parte do dossiê Feminismos: perspectivas em comunicação e informação em saúde, a Reciis reúne artigos que denunciam, questionam e mostram as possibilidades de subversão à violência contra o corpo das mulheres, de acordo com as editoras convidadas Flávia Leiroz e Patrícia D’Abreu. O número v. 15, n. 3 também é composto por artigos originais de fluxo contínuo que abordam Comunicação e Informação em interface com a Saúde.
Em Nota de Conjuntura, o professor e pesquisador Eduardo Morettin historializa os motivos e avalia os dados provocados pelas últimas ações governamentais que atingem a Cinemateca Brasileira. Criada por iniciativa de Paulo Emilio Salles Gomes em 1946, a instituição é responsável pela documentação, preservação e difusão da memória audiovisual brasileira. Morettin propõe uma reflexão baseada numa constatação e questionamento feito pelo criador da instituição: “não há cultura sem perspectiva histórica, e como conhecer a história do cinema se os filmes não foram conservados?”.
Em entrevista, a professora e pesquisadora Flávia Biroli comenta sobre sua trajetória de pesquisa atravessada por questões que envolvem as disputas em torno do sentido da democracia. Em seus estudos mais recentes, analisa a articulação entre gênero e democracia por meio do que denomina neoconservadorismo, corporificado por meio de alianças de diferentes atores conservadores de escala transnacional que atuam contra a agenda de igualdade de gênero e diversidade sexual nas ações políticas e judiciais. Tais ações se utilizam da dimensão moral e de valores tradicionais de família como justifica na promoção de processos de erosão da democracia.
Corpo feminino
A segunda parte do dossiê Feminismos: perspectivas em comunicação e informação em saúde é composto por artigos que tratam da violência concreta e material contra os corpos das mulheres nos espaços midiáticos e discursivos. Karina Gomes Barbosa e Rafiza Varão, no texto A instável verdade nos testemunhos sobre estupros de ‘Eu, leitora’ em Marie Claire, analisam os modos pelos quais o jornalismo aborda e enquadra, editorial e narrativamente, violências contra mulheres por meio de testemunhos de sobreviventes.
Em A cultura do estupro na ficção seriada: os mitos representacionais no seriado Justiça, Gêsa Cavalcanti e Vinicius Ferreira demonstram que efeitos de sentido são produzidos e quais relações de poder são estabelecidas durante o processo representacional do estupro no seriado Justiça (2016). Para autora e autor, a representação midiática pode ser tanto produtora de mitos sobre o estupro como questionadora dos alicerces da cultura que os sustentam. Por isso, se debruçam também nos comentários da audiência sobre cenas e interpretações divulgadas na rede social Twitter sobre a série.
Isso não é pornografia de vingança: violência contra meninas e mulheres a partir da explanação de conteúdo íntimo na internet, de Aline Amaral Paz e Sandra Rúbia da Silva, consiste na análise de um grupo no Facebook que desenvolve práticas para ajudar meninas, geralmente, menores de idade, a se proteger e combater casos de exposição desautorizada de materiais íntimos.
O quarto artigo que compõe o dossiê investiga as relações que se estabelecem socialmente entre a percepção do corpo feminino e a amamentação. Irene Rocha Kalil e Adriana Cavalcanti de Aguiar, no texto Aquilo que a amamentação retira e o desmame restaura: relatos maternos sobre tensionamentos e materiais de comunicação e informação em saúde, explicitam o silenciamento dos órgãos oficiais de saúde do Brasil sobre percepções, anseios, expectativas e necessidades desse período específico da maternidade.
Os trabalhos publicados por meio de submissão em fluxo contínuo apresentam uma variedade de textos sobre as relações entre comunicação, informação e saúde: gestão de dados; informação de perícias médicas para subsidiar ações de vigilância e promoção à saúde de servidores públicos; nutricionismo, postagens e celebridades; avaliação da qualidade de vídeos mais visualizados sobre câncer de mama no YouTube, saúde mental e comunicação; biblioterapia, mediação cultural e de leitura na formação do bibliotecário.
Literacia em Saúde
O volume termina com a resenha escrita por Letícia Barbosa sobre o livro Literacia em Saúde, de Frederico Peres, Karla Meneses Rodrigues e Thais Lacerda e Silva da editora Fiocruz. A autora apresenta o movimento do conceito de literacia apresentada pelos autores, compreendido como os modos como a informação é significada e como seus usos afetam o processo de tomada de decisão sobre saúde, incluindo as práticas de autocuidado e o acesso a serviços, sendo possível pensar a comunicação além da transmissão de informação considerando as diferentes competências e saberes que os sujeitos acessam para compreender o conteúdo informativo.
De acordo com autora da resenha, a pandemia de Covid-19 explicita a importância de considerar e analisar as relações entre os diferentes modos de acesso, significação e usos da informação sobre saúde, sobretudo em relação à literacia científica, a compreensão do público sobre as dinâmicas de produção do conhecimento científico.
A Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis) é editada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
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