23/02/2022
Ana Cláudia Peres e Luiz Felipe Stevanim (Radis)
Em 17 de janeiro de 2022, uma segunda-feira de verão, o Brasil completou um ano desde que a enfermeira Mônica Calazans recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid-19, dando a largada na imunização. No final do dia seguinte, uma terça-feira (18), o país registrou o recorde de novos casos conhecidos em 24 horas desde o início da pandemia, na onda desencadeada pela variante Ômicron, com cerca de 132 mil novos registros — nesse dia, a média móvel chegou à marca de 83.630 novos casos, superando o pico de junho de 2021, quando foi contabilizada a média de pouco mais de 77 mil infecções. Novos recordes de casos seriam batidos nos dias seguintes, entre o fim de janeiro e o início de fevereiro — em 3 de fevereiro, foram mais de 286 mil diagnósticos positivos em 24 horas.
Contudo, mesmo com a explosão de casos da variante ômicron em janeiro, mortes e internações não acompanharam proporcionalmente o número de infecções. Na linha de frente do combate à Covid-19 desde a primeira hora, e um dos cientistas brasileiros com maior projeção nesse cenário, o infectologista da Fiocruz, Julio Croda, não tem dúvidas em apontar o papel da vacinação na prevenção de mortes e internações decorrentes da doença. “As vacinas protegem muito bem para hospitalizações e mortes, mas para infecções leves nem tanto. Existem pessoas que já tiveram doença prévia, outras que já tomaram vacina, e mesmo assim adquirem a doença, numa forma mais leve, graças à elevada cobertura vacinal”, constata.
Um ano após o início da imunização, o Brasil chega ao começo de fevereiro com 70,7% da população totalmente vacinada, com duas doses ou dose única, e 23% já com a dose de reforço. Porém, a resistência de uma parcela da população em se vacinar pode comprometer a expansão da cobertura de agora em diante. Mesmo com a enxurrada de desinformação sobre as vacinas — que, em seu capítulo mais recente, tem sido um obstáculo à imunização das crianças entre 5 e 11 anos —, a constatação é clara: vacinas salvam vidas e evitam casos graves da doença, que podem resultar em internações e mortes.
Em entrevista exclusiva à Radis, Julio Croda analisou as expectativas para o ano de 2022 em relação à pandemia e acrescentou que a imunização também ajuda a prevenir casos da chamada “covid longa”, quando as pessoas permanecem com sintomas ou sequelas decorrentes da doença mesmo depois de passado o período da infecção — devido a desdobramentos do vírus no organismo humano que ainda desafiam a ciência.
Nascido em Salvador e formado em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Julio Croda é pesquisador da Fiocruz Mato Grosso do Sul e assumiu, em novembro de 2021, a presidência da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT). Na conversa com a Radis, no final de janeiro, ele destacou que um dos grandes desafios para 2022 é ampliar a vacinação em regiões mais pobres do planeta, como em alguns países da África — pois “quanto maior e mais homogênea a cobertura vacinal, menor a chance de surgirem novas variantes”. A desigualdade nas coberturas vacinais é também um obstáculo interno a ser enfrentado no Brasil, onde as cidades mais pobres têm menor parcela da população vacinada. “É preciso levar a vacina onde a população reside”, pontua.
Depois de dois anos de experiência com o Sars-CoV-2, o vírus causador da covid-19, e suas diferentes variantes, Julio é bastante cauteloso em falar sobre um possível “fim da pandemia”. Ele considera que “em algum momento, a doença vai se tornar endêmica, vai respeitar um período sazonal”, mas para isso é preciso expandir as coberturas vacinais e torná-las menos desiguais. “Garantir cobertura vacinal para todo mundo, pelo menos com duas doses, é prioridade número um. A segunda prioridade é garantir doses de reforço para a população mais vulnerável, como idosos, pessoas imunossuprimidas, que têm maior risco de hospitalização”, explica.
“Hospitalizações e mortes serão os grandes marcadores do fim da pandemia”, aponta. E a esperança dos cientistas é que isso aconteça — “devido às vacinas, mesmo com o surgimento de novas variantes, que cada vez seja menor o impacto em termos de mortes e internações”. Com a constatação emblemática de que o coronavírus foi “um evento que marcou a humanidade”, Julio acredita que o vírus vai continuar circulando, ainda que tenha, no futuro, menor impacto. “Isso também não significa que a gente vai voltar à nossa vida habitual do passado, porque esse vírus vai ser incorporado no nosso dia a dia”, resume.
Confira a entrevista completa com o pesquisador no site da Radis.
Veja também a edição de fevereiro da revista Radis na íntegra.
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