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Radis aborda povos tradicionais contra a devastação ambiental

Recorte da capa da revista com imagem da floresta e fumaça

31/08/2021

Luiz Felipe Stevanim (Revista Radis)

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Waīkairo Xerente aprendeu a conhecer cada sinal dado pelo fogo. As mesmas chamas que deixam um rastro de destruição e morte podem ser aliadas na prevenção dos grandes incêndios florestais. Segundo o costume tradicional do povo Xerente, no Tocantins, o fogo de baixa intensidade é utilizado nos meses que antecedem a estação seca — geralmente entre abril e junho, quando há mais umidade no ar — para queimar palhas e capim seco e evitar que grandes incêndios aconteçam nos meses mais secos do ano. O uso do chamado fogo preventivo, tradição passada pelos anciãos, é uma técnica utilizada pelas brigadas indígenas de combate às queimadas e reconhecida pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), por meio do Programa PrevFogo.

A cada ano, no entanto, as queimadas têm se tornado mais intensas e exigido mais esforços das brigadas. “O fogo vem com mais força a cada ano, devido ao tempo mais seco. A gente atribui isso às mudanças climáticas. Muitos rios secando, como consequência da mão do homem. E esse é um grande desafio: a gente conseguir ter força, equipamentos e acesso à tecnologia para poder conseguir amenizar os impactos causados pelo fogo”, conta Waīkairo, presidente da Associação dos Brigadistas Xerente, em Tocantínia, no estado do Tocantins. Segundo ele, para lidar com o fogo é preciso sabedoria, pois enquanto algumas coisas podem ser resolvidas com um passo a passo, o fogo é diferente: “Nós estamos falando de algo que não tem uma receita para se resolver”.

Na Terra Indígena Krikati, no Maranhão, Celiana Cypcwyj Krikati coordena 16 brigadistas indígenas que atuam no combate aos incêndios. “Cada parte da Amazônia queimada é uma parte da nossa história sendo extinta. A Amazônia está morrendo. O fogo não acende sozinho, não anda sozinho”, afirmou, durante o Encontro Internacional de Brigadistas na 6ª etapa do Emergências Amazônia, em 15 de julho. Ela ressalta que as brigadas utilizam técnicas tradicionais para manejo integrado do fogo — uma abordagem que considera aspectos socioculturais e ecológicos e também o uso de queimas controladas, para prevenção. “Incêndios na Floresta Amazônica não ocorrem de maneira natural. Cada árvore queimada libera carbono para a atmosfera contribuindo para as mudanças climáticas. O fogo ocorre pela ação de algum ser”, completou.

 

Na visão de Waīkairo, grandes incêndios em áreas particulares se dão por interesse econômico, pois as pessoas pensam que “é mais barato o fogo matar tudo”. A fumaça chega às aldeias, nos meses de seca, provocando desconforto, doenças respiratórias e até questões psicológicas, ele conta. Por isso, a atuação das brigadas indígenas tem sido tão importante para deter o avanço dos incêndios. “O combate é local, por parte de quem tem um amplo conhecimento do território: os brigadistas indígenas sabem onde tem um rio, uma estrada ou uma serra”, narra à Radis. O Ibama contrata as equipes durante seis meses do ano, mas Waīkairo também destaca o papel fundamental das organizações indígenas, como a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), no fortalecimento de uma rede de apoio tanto na prevenção quanto no combate aos incêndios. “O treinamento técnico é somado ao conhecimento tradicional indígena sobre o território”, completa.

Muitos povos originários têm o uso tradicional do fogo como um elemento de sua cultura. “Para essas comunidades que têm isso na sua cultura milenar, usamos o próprio fogo para combater o fogo, fazendo a queima totalmente controlada”. Waīkairo explica que é preciso saber criteriosamente a época exata de fazer o fogo, quando começar e quando parar. “Queima-se para vários outros objetivos: para preservar matéria-prima para construir a casa; para influenciar na própria capacidade produtiva dos frutos do Cerrado; e para poder evitar grandes incêndios nas proximidades das aldeias”, pontua.

Ele ressalta que o fogo controlado — geralmente feito no final do dia, quando há mais umidade — apaga sozinho, sem necessidade de uso de recursos humanos e materiais. “As casas são todas de palhas. A palha é altamente inflamável. Queima-se ao redor das matas para poder evitar que os incêndios entrem. Quando se faz a eliminação desse capim seco nas bordas das matas, diminui-se o risco e a probabilidade de ter fogo lá dentro. Queima-se também para proteger nascentes”, elucida. Com a experiência de quem se arrisca para enfrentar os incêndios criminosos, Waīkairo defende que é preciso pensar também em formas de conscientização sobre os impactos do fogo para a fauna e a flora. “Muitas florestas estão desaparecendo por causa dos incêndios florestais. Para a gente reverter os incêndios, não adianta mobilizar todo mundo para apagar, se não for feito um trabalho de educação ambiental”, afirma. Assim como as florestas, seus guardiões encontram formas de resistir.

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Confira a edição 227 da revista (agosto de 2021) na íntegra

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