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Projeto Memória da Fiocruz Minas resgata trajetória de cientistas


02/08/2022

Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Instituto René Rachou – Fiocruz Minas

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A cidade de Aracati, no Ceará, é terra natal de duas mulheres que se tornaram pesquisadoras na prática científica. Alda Lima Falcão, importante entomologista da Fiocruz Minas, e Rosa Maria Brígido Nunes. A trajetória de Alda Falcão é bem conhecida e documentada, porém a carreira de Rosa, apesar de longa, ficou no anonimato.

Rosa, nascida em 23 de setembro de 1928, não cursou o ensino superior, possuindo o científico incompleto. A oportunidade para trabalhar com pesquisa decorreu do fato de que o município de Aracati sofreu surto de malária, em 1939, demandando ações de órgãos de saúde pública. Em 1940, Rosa realizou prova de habilitação promovida pela Fundação Rockefeller para microscopia do Serviço Nacional de Malária do Nordeste, trabalhando, até 1942, como microscopista na campanha para extinção do Anopheles gambiae na região.[1]

Entre 1943 e 1955 atuou como auxiliar técnico no Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), no Instituto Evandro Chagas, em Belém, Pará. Nessa época realizou cursos de aprimoramento, como o de laboratorista, em 1946, pelo SESP, onde aprendeu técnicas especializadas de coleta, coloração e contagem de material para exames parasitológicos e hematológicos. No mesmo ano realizou estágio no Instituto Gonçalo Muniz, Salvador-Bahia, com o prof. Mangabeira Filho, sobre planorbídeos. Em 1952 estagiou, em Belém, com o casal de pesquisadores norte-americanos, os Drs. Richard Ottis Causey e Calixta Elliot Causey, da Fundação Rockefeller, sobre classificação dos Aedes e haemagogus, vetores de vírus na Amazônia. No Instituto Evandro Chagas ministrou aulas práticas em cursos para laboratorista, sobre helmintos, protozoários e métodos de coleta. Também participou de inquéritos nosológicos na Paraíba, Pernambuco e Bahia, sob coordenação do cientista Leônidas Deane.

Assim, por meio de variada experiência de trabalho e aprendizado, Rosa Brígido foi consolidando sua carreira, até que em 1955 realizou prova de habilitação, promovida pelo pesquisador René Rachou, no Serviço Nacional de Malária, para ocupar cargo de parasitologista no Instituto de Malariologia, em Belo Horizonte. Admitida, passou a atuar no órgão, que logo foi renomeado como Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (CPBH), e depois Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR).

Na instituição, Rosa participou de trabalhos desenvolvidos pelos cientistas José Pellegrino, Ernest Paulini e João Carlos Pinto Dias, tendo publicado, em coautoria, trabalho sobre imunologia da doença de Chagas, e artigo sobre técnica relativa ao Schistosoma mansoni para preparo de antígeno, com Pellegrino. Entre 1958 e 1960 ela foi encarregada da seção de sorologia do Centro. Segundo relatório da direção, no CPqRR, Rosa Nunes era responsável por: “trabalhos de imunologia, e particularmente reações sorológicas para diagnóstico de doenças infecciosas e parasitárias, tais como doença de Chagas, leishmanioses, brucelose, esquistossomose, etc. Orienta, revê e executa trabalhos de inquéritos sorológicos e entomológicos para levantamento epidemiológicos referentes a endemias rurais”.

Em 1966 estagiou no Laboratório de Peste, em Exú, Pernambuco, com M. Bahmanyar e Alzira Almeida, realizando autopsia de roedores para verificação de lesões macroscópicas nas vísceras, e inoculação de material suspeito em cobaias e identificação do bacilo de peste. No ano de 1967, ela foi classificada como pesquisadora em zoologia, sedimentando, oficialmente, função que já exercia na prática. Na década de 1960, Rosa foi designada para realizar inquéritos sorológicos em Pains e Conceição Aparecida, além de captura de triatomíneos nos municípios de Sete Lagoas e Esmeraldas, Minas Gerais. Também realizou viagens para fins de verificação técnica em outros estados, como Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Ceará e São Paulo. Em 1973 frequentou disciplina isolada no curso de Parasitologia Médica, no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Em 1979, Rosa Brígido, “Pesquisadora Assistente da Fundação Oswaldo Cruz”, estagiou no Centro de Pesquisas Imunoquímicas do Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, estudando “técnicas imunoquímicas”.

A trajetória de Rosa Brígido foi marcada pela curiosidade e inquietação científica. Ela realizou diversos cursos, participou de congressos e eventos acadêmicos. Foi membro da Sociedade Brasileira de Ecologia, da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e da Sociedade de Biologia de Minas Gerais. No ano de 2009, Rosa recebeu agradecimento oficial do CPqRR pela sua “dedicação e contribuição aos estudos voltados para o conhecimento da tripanossomíase americana”.

Rosa Maria Brígido Nunes aposentou-se em 1992 e faleceu em 2015. Interessante notar que a pesquisadora foi uma das raras funcionárias a deixar seu currículo arquivado na instituição. Esse ato talvez signifique um desejo de memória da parte de Rosa, sabedora de que suas realizações, como mulher pesquisadora sem curso superior, poderiam ser facilmente perdidas e esquecidas. Rosa compilou cuidadosamente sua trajetória, e graças a esse registro podemos conhecer suas contribuições para a pesquisa brasileira.

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