03/07/2018
Informe Ensp
Publicado na revista Cadernos de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), um estudo avalia o impacto social da epidemia de zika na vida familiar das mulheres no Brasil, Porto Rico e Estados Unidos e mostra como a infecção pelo zika é um fardo silencioso e pesado nos ombros das mulheres. “Nenhuma mulher está isenta dos impactos do zika, considerando que as entrevistadas têm posições socioeconômicas relativamente confortáveis, de diversas denominações religiosas, nacionalidades e culturas mistas, mas compartilhavam comportamentos e efeitos semelhantes”, esclarecem os pesquisadores Ana Rosa Linde e Carlos Eduardo Siqueira, da Universidade de Massachusetts, Boston, Estados Unidos. Segundo eles, essas mulheres estão lidando com sentimentos de medo, desamparo e incerteza ao tomarem precauções drásticas para evitar uma infecção que afeta todas as áreas de suas vidas. “As estratégias de enfrentamento envolvem obstáculos na vida profissional, levam ao isolamento social, inclusive em relação à família e ao companheiro e ameaçam o bem-estar emocional e físico das mulheres”, afirmam.
Para o estudo, o total de 18 mulheres, entre 22 e 41 anos, residentes em diferentes localidades do Brasil, Porto Rico e EUA e que eram de etnia brasileira, hispânica e norte-americana foram recrutadas e selecionadas de acordo com a posição socioeconômica, residência, nacionalidade e idade. Entre elas, seis mulheres tinham parceiros de longo prazo, enquanto 12 eram casadas. Havia nove participantes que passaram por gravidez recente ou estavam grávidas no momento da entrevista, enquanto havia quatro que planejavam engravidar e três que não queriam engravidar, mas viviam em locais afetados pelo zika. Todos os participantes tinham pelo menos nível universitário. As entrevistas foram realizadas entre outubro de 2016 e junho de 2017 em inglês, português e espanhol.
De acordo com o artigo A vida das mulheres na era do zika: vidas controladas por mosquitos?, publicado em maio pelo Cadernos de Saúde Pública, a infecção pelo vírus zika, durante a gravidez, é causa de anomalias congênitas do sistema nervoso central do feto. As graves consequências gestacionais fizeram com que governos nacionais e agências internacionais emitissem conselhos e recomendações para as mulheres.
O artigo ainda informa que a vida familiar dos entrevistados também foi afetada. Eles relataram repetidamente que se sentiam isolados de seus parceiros, filhos, pais, parentes e famílias extensas. A eliminação de atividades de lazer, como atividades sociais e atividades ao ar livre, também contribuiu para o isolamento social. Relatos de perturbações em sua vida social e rotinas diárias eram temas comuns.
Outra observação relatada pelos pesquisadores é que os participantes começaram a usar repelentes de forma constante e mudaram seus hábitos vestindo mangas compridas e sapatos fechados, entre outros, o que causou desconforto. No nível profissional, as mulheres colocavam suas carreiras em risco, abrindo mão de oportunidades de crescimento, como participar de reuniões e viagens relacionadas ao trabalho. Elas também se sentiam isoladas dos colegas porque tentavam trabalhar em casa ou mudavam de profissão devido ao medo de se expor à zika. Os efeitos sobre a vida sexual e reprodutiva incluem a renúncia à gravidez ou o adiamento de sua decisão à maternidade e, em alguns casos, à abstinência sexual como forma de proteção, acrescentam os autores do artigo.
Em maio de 2015, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) emitiu um alerta sobre a primeira infecção confirmada pelo vírus zika no Brasil. Posteriormente, em 1º de fevereiro de 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o vírus zika era uma emergência de saúde pública de grande importância internacional 1. Embora a OMS tenha rebaixado a zika de uma emergência de saúde pública para uma “ameaça comum” em novembro de 2016, mais de 50 países e territórios dos EUA continuaram a relatar transmissões ativas de zika vírus.
Embora tenha havido grande preocupação com os aspectos biomédicos da doença, conforme explicam os pesquisadores, pouco tem sido discutido sobre os aspectos psicológicos, sociais e éticos da epidemia, e poucos estudos foram realizados para abordar os efeitos ameaçadores da zika no cotidiano das mulheres em todo o mundo ou suas repercussões sociais. “Além disso, as percepções da vida real de como as mulheres estão lidando psicologicamente e emocionalmente com o surto ainda precisam ser documentadas.” Daí, concluem eles, a importância da investigação sobre como o surto de zika afeta a vida das mulheres, especialmente em relação às suas decisões sobre comportamentos sexuais e reprodução, como saúde reprodutiva e vida pessoal e familiar.
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