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Pesquisa da ENSP aborda saúde e direitos de trabalhadores em plataformas digitais


13/11/2023

Por: Tatiane Vargas (ENSP/Fiocruz)

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Compreender a relação saúde-trabalho na atividade de entregadores e motoristas que atuam por plataformas digitais é o principal objetivo da pesquisa selecionada pelo Edital de Pesquisa 2021, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), intitulada 'Saúde e Direitos dos Trabalhadores em Tempos de Plataformas Digitais', coordenada pelas pesquisadoras Letícia Masson (Cesteh) e Cirlene Christo (UFRJ). A pesquisa pretende contribuir com a formulação de políticas públicas voltadas à promoção da saúde destes profissionais, a partir do diálogo entre os saberes dos trabalhadores e da academia, visando a produção de novos conhecimentos e ações que garantam saúde e direitos.

Em entrevista ao 'Informe ENSP', que lançou uma série sobre as pesquisas realizadas no âmbito do Programa de Fomento, as coordenadoras do estudo sobre a saúde dos trabalhadores por aplicativos, Letícia Masson e Cirlene Christo, além da pesquisadora da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec), Sarah Amaral, falam sobre os objetivos, os resultados esperados, e as contribuições da pesquisa para a saúde dos trabalhadores neste novo cenário de trabalho.

O estudo é desenvolvido pela Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), além do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e associações e cooperativas de profissionais por aplicativos.

Segundo Letícia Masson, pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP, o projeto contempla ainda, a realização de ações de formação de trabalhadores e de divulgação científica, que buscam fomentar o debate acadêmico sobre o tema. Neste momento, o projeto está realizando um curso de formação voltado a motoristas e entregadores, com o tema 'Saúde e trabalho por plataformas digitais'.

Confira, abaixo, a entrevista completa!

Informe ENSP: Qual o principal objetivo do projeto de pesquisa 'Saúde e Direitos dos Trabalhadores em Tempos de Plataformas Digitais'?

Letícia Pessoa Masson: O projeto tem como objetivo compreender a relação saúde-trabalho na atividade de entregadores e motoristas que atuam por plataformas digitais, com vistas à formulação de políticas públicas voltadas à promoção da saúde destes trabalhadores. Isso se dá, a partir do diálogo entre os saberes dos trabalhadores e os saberes da academia, com vistas à produção de novos conhecimentos e ações que garantam saúde e direitos. Na etapa atual, o projeto está voltado para a realização de ações de formação de trabalhadores e de divulgação científica e para o fomento do debate acadêmico sobre o tema.

Informe ENSP: Como o projeto de pesquisa será desenvolvido?

Letícia Pessoa Masson: O grupo de pesquisa é interdisciplinar e interinstitucional. Contamos com professoras, pesquisadoras e estudantes de iniciação científica das áreas da Psicologia, História, Sociologia e Enfermagem, da ENSP/Fiocruz (Saúde do Trabalhador e Administração e Planejamento em Saúde), da UFRJ (Psicologia) e da UFF (Saúde Coletiva), além de duas pesquisadoras bolsistas da Fiotec. Neste momento, o projeto tem se dedicado à realização de um curso de formação de motoristas e entregadores com o tema 'Saúde e trabalho por plataformas digitais'. Assim, junto com os trabalhadores que já vinham participando do projeto, discutimos os temas que seriam abordados, elaborando uma proposta de formação que se iniciou em 2022, com encontros quinzenais remotos (on-line) e participação de pessoas de diversas regiões do país. 

O primeiro módulo da formação teve como tema 'Remuneração e valor do trabalho', e contou com a contribuição de economistas do DIEESE e de pesquisadores das áreas de Geografia e Design Computacional. Entendendo que a remuneração no trabalho é parte central na determinação dos processos saúde-doença no trabalho em uma sociedade capitalista, o objetivo deste módulo foi compreender, a partir da escuta e reflexão sobre as vivências dos trabalhadores, como o conflito entre capital e trabalho se apresenta nesse modo de organização do trabalho, buscando construir ferramentas para a argumentação e a negociação sobre a remuneração no trabalho por plataformas digitais com vistas à sua valorização e garantia de acesso a direitos.

Em 2023, tivemos a realização do 2º módulo, com o tema 'Saúde e segurança no trabalho por plataformas digitais', no qual tivemos a participação da Coordenação-Geral de Saúde do Trabalhador (CGSAT) do Ministério da Saúde e de profissionais de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) de Pernambuco e de Juiz de Fora/MG, que vêm atuando junto a trabalhadores por plataformas.

Desta forma, o módulo teve por objetivo discutir mais diretamente a relação entre a organização do trabalho por plataformas e a saúde dos trabalhadores, incluindo o debate sobre saúde/saúde coletiva/saúde do trabalhador no SUS; saúde mental no trabalho; e aspectos ligados à segurança no trabalho, como a ocorrência e subnotificação de acidentes de trânsito como sendo também, acidentes de trabalho. É importante destacar que a formação acontece em uma perspectiva dialógica contribuindo permanentemente para a construção de novos saberes e resultados de pesquisa ao longo de todo o processo.

Atualmente, estamos na etapa de preparação de materiais de divulgação científica visando a ampliar o debate a respeito do trabalho por plataformas digitais e sua relação com os processos saúde-doença dos trabalhadores, a partir dos principais tópicos discutidos ao longo do curso, de modo a potencializar o alcance das discussões a mais trabalhadores e, consequentemente, à sociedade em geral. Para o último ano do projeto está prevista a realização de uma disciplina acadêmica voltada para o tema 'Saúde e trabalho por plataformas digitais', que será construída e viabilizada em conjunto pelas instituições de ensino e pesquisa envolvidas no projeto. 

Informe ENSP: Quais os resultados esperados com esse estudo?

Letícia Pessoa Masson: Esperamos com esse estudo, possibilitar a reflexão crítica e a multiplicação de conhecimentos sobre a relação saúde e trabalho por plataformas digitais, assim como, desenvolver estratégias coletivas de enfrentamento ao processo de precarização social vivido pelos trabalhadores. Entendemos que estas ações contribuem para o fortalecimento das lutas coletivas, como por exemplo, a que se destina à regulamentação do trabalho por plataformas, visando o reconhecimento dos direitos trabalhistas.

Informe ENSP: Quais contribuições o projeto de pesquisa traz para sociedade e como ele contribui para a popularização da ciência?

Letícia Pessoa Masson: A plataformização do trabalho é uma realidade não só para o trabalho de entregadores e motoristas, mas para uma grande gama de atividades, como o trabalho doméstico ou o trabalho médico. Contudo, não há hoje a garantia de direitos trabalhistas a pessoas que trabalham por plataformas digitais, o que deixa milhares de trabalhadores à margem do sistema de proteção trabalhista. Pensar criticamente sobre essa nova forma de organização do trabalho e sua relação com a saúde de quem trabalha implica abordar no debate social o que se projeta como o futuro do trabalho. Neste sentido, a produção de materiais multimídia para divulgação das discussões realizadas no curso de formação com os trabalhadores tem um papel promissor na ampliação do debate sobre a temática e como forma de popularização da ciência. 

Informe ENSP: Como o projeto pretende contribuir para a saúde dos trabalhadores neste novo cenário de trabalho?

Letícia Pessoa Masson: Com a plataformização do trabalho, os riscos à saúde de motoristas e entregadores ampliam-se. Com o trabalho sob demanda, o não limite de jornada e as estratégias de gerenciamento algorítmico das empresas, como a gamificação, os trabalhadores são ainda mais expostos a diversas violências, como os acidentes no trânsito, muitos deles fatais. Na maioria dos casos, os acidentes não são registrados pelos hospitais de entrada como acidentes de trabalho, o que dificulta a sua contabilização. O olhar para a gravidade dessa situação no debate público e político pode contribuir para a responsabilização das empresas-plataforma pelas condições de trabalho e pela tomada de medidas de prevenção aos acidentes e promoção da saúde. 

Estamos nos referindo a atividades de trabalho que sofrem dificuldades e desafios para a formação e o fortalecimento de coletivos organizados de trabalhadores. Neste sentido, a promoção de espaços de escuta sobre seu trabalho, principalmente para a troca entre trabalhadores entre si, constitui uma importante ferramenta de coletivização das questões que envolvem o trabalho e a saúde e o sofrimento no trabalho.

Os espaços de discussão sobre o trabalho, como os encontros de formação que estamos tendo a oportunidade de realizar, permitem uma espécie de suporte aos coletivos de trabalhadores em suas mais diferentes configurações – desde redes de solidariedades, associações e cooperativas, até sindicatos e movimentações mais amplas de reivindicações por melhores condições de trabalho, como, por exemplo, sua regulamentação, atualmente em discussão no âmbito federal. 

Os produtos dessas reflexões coletivas têm variadas possibilidades de resultados, entre eles a pressão, mesmo que mínima, sobre o Estado e empresas-plataforma, na sua responsabilidade em relação às condições de trabalho de entregadores e motoristas por plataformas digitais, com a garantia de seus direitos trabalhistas, algo que entendemos como essencial para que se possa ter um trabalho produtor de saúde.

Outra forma de contribuição da pesquisa é uma aproximação à rede de saúde do trabalhador no Sistema Único de Assistência Social (SUAs), como os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e a Coordenação-Geral de Saúde do Trabalhador (Ministério da Saúde). Entendemos que o estreitamento desse diálogo possibilita melhor atenção dos serviços de saúde às especificidades do trabalho por plataformas e das formas de organização coletivas destes trabalhadores, além de contribuir para a notificação dos agravos à saúde dos trabalhadores promovidas por esse modo de organização do trabalho, assim como para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde voltadas aos  trabalhadores por plataformas.

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