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Michelle Bachelet realiza encontro de mulheres pesquisadoras na Fiocruz


27/07/2018

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)

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A ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, esteve no campus de Manguinhos da Fiocruz, na quinta-feira (26/7), onde participou da conferência de abertura do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão). Na ocasião, Bachelet, que é médica e atualmente preside uma comissão de alto nível convocada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para propor soluções que ampliem o acesso e a cobertura de saúde na região das Américas até 2030, também participou de uma agenda com a presidente da instituição, Nísia Trindade de Lima. A visita incluiu uma passagem pelo Castelo Mourisco, à abertura da exposição Ausências, de Nana Moraes, e ao Centro Henrique Penna para Protótipos, Biofármacos e Reativos para Diagnóstico, do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), além de um encontro com mulheres pesquisadoras da Fiocruz.

A visita incluiu uma passagem pelo Castelo Mourisco (foto: Peter Ilicciev)

A importância da integração regional e dos horizontes comuns na América Latina foram alguns dos pontos reforçados durante toda sua visita. A ex-presidente lembrou pontos em comum das trajetórias de Brasil e Chile, mas também defendeu que cada país tem suas próprias especificidades e deve buscar suas próprias soluções. “Mais que receitas, quero indicar princípios”, afirmou, exemplificando que as soluções que funcionam no Chile, um país com 17 milhões de habitantes, podem não servir para o Brasil.

A saúde como um direito, no entanto, é um ponto primordial para Bachelet, pois está é uma condição fundamental para o bem-estar das populações. Ela destacou os muitos avanços em saúde da região, mas reforçou que o principal problema ainda precisa ser abordado: a desigualdade. A ex-presidente defendeu que é papel do setor público garantir esse direito, independente da capacidade de renda de cada indivíduo.

“Muito se fala sobre o custo da saúde, mas também precisamos saber quanto custa não investir”, repetiu em mais de uma oportunidade. “Muitas vezes se calcula em curto prazo o custo da saúde, mas e o custo que existe em longo prazo de não vacinar, de não atender, de não responder às necessidades de saúde? Medimos o custo da ação, mas não o custo da inação”. Este investimento, segundo Bachelet, deve ser feito de forma inteligente, focando nas necessidades de cada contexto, pois não existe uma relação matemática simples entre gasto e indicadores de saúde. Para ela, a saúde deve ser um motor do desenvolvimento, como já reconheceu o Banco Mundial no relatório deste ano, The changing wealth of nations. Para tanto, é necessário o foco em capital humano e na atenção primária, entendo as necessidades de cada contexto. “Sou primarista, acredito nos princípios firmados há 40 anos em Alma-Ata”, declarou na conferência de abertura do Abrascão, na qual defendeu que uma abordagem em saúde deve ser “integral, multidisciplinar, com forte componente de participação e cidadania, com serviços de diferentes níveis de complexidade”.

Encontro de mulheres pesquisadoras

Pensando nas desigualdades e também na formação de capital humano, Bachelet reuniu-se com proeminentes mulheres pesquisadoras da Fiocruz. No encontro, o primeiro do tipo da Fundação, foram discutidas as barreiras e dificuldades que as mulheres ainda encontram na ciência, assim como em outras áreas.

Bachelet esteve na abertura da exposição 'Ausências', de Nana Moraes (foto: Peter Ilicciev)

“Fico feliz que tenhamos aqui tantas mulheres brilhantes”, elogiou a chilena, alegrando-se também ao saber que Nísia é a primeira mulher a presidir a Fiocruz. “E, ainda mais, uma mulher com perspectiva de gênero”, destacou. Apesar do clima de confraternização do encontro, Bachelet lembrou as dificuldades que todas as presentes, inclusive ela, tiveram para evoluir em suas carreiras e que muitas vezes são deixadas de lado ao falarem sobre suas pesquisas e conquistas.

Ao falar sobre esses obstáculos, Bachelet recordou um evento recente na Universidade do Chile que celebrou a entrada da primeira mulher na faculdade de medicina. Eloísa Diaz foi a primeira mulher médica da América do Sul, mas durante seu período universitário era acompanhada por sua mãe e permanecia atrás de um biombo nas aulas. O biombo serviria tanto para prevenir que ela visse o corpo humano nas aulas de anatomia, quanto para que ela não servisse de “distração para os colegas”, de acordo com as versões que circulam. “Quantos biombos ainda temos que levantar?”, perguntou Bachelet.

A dificuldade de conciliar a vida profissional e a vida familiar, as exigências maiores para as mulheres que para homens e os preconceitos invisíveis foram outros pontos destacados por ela. “Se um homem erra, ele cometeu um pequeno erro. Se uma mulher erra, as mulheres erram”, comentou. Ela sublinhou a importância de mulheres em cargos de direção para que as dificuldades cotidianas enfrentadas pelas mulheres sejam abordadas com uma agenda de gênero e políticas adequadas.

A presidente da Fiocruz destacou que hoje as mulheres compõem 52% do quadro de servidores da instituição e também são maioria nas coordenações de grupos de pesquisa. Além disso, a instituição tem pela primeira vez uma mulher na presidência. Mas quando chegam os cargos de chefia, os homens ainda são maioria. “Eu mesma ouvi que era uma pessoa muito suave quando me candidatei à presidência”, comentou Nísia ao falar os estereótipos de gênero ainda muito presentes. “A questão de gênero não é só sobre ser mulher ou homem, mas também o estereótipo do poder como masculino, exercido de uma determinada maneira”. Ela, no entanto, defendeu uma mudança de perspectiva cultural: “eu vim de um feminismo que defendia o feminino, ou seja, o diálogo e a sensibilidade”.

Estímulo às novas gerações e a importância das redes

Os estímulos às meninas e jovens mulheres nas áreas de Ciências, Matemáticas, Engenharia e Tecnologia (SMET, na sigla em inglês) foi outro ponto de debate. As mulheres ainda são muito poucas nessas áreas, consideradas as áreas do futuro, ou do mundo 4.0.

Sobre esse tema, Dora Chor, epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) e coordenadora, no Rio de Janeiro, do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa), ressaltou a importância de se ter exemplos para persistirem e entenderem que os obstáculos não são individuais, mas produtos da cultura machista. “Eu tive esse exemplo na pessoa da doutora Euzenir. Eu tive a felicidade de tê-la como minha inspiração na Faculdade de Medicina e hoje estou sentada numa mesa de pesquisadoras da Fiocruz junto com ela. É uma emoção, pois foi a mulher que me ensinou a estudar”, afirmou Dora, em referência à infectologista e coordenadora do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Euzenir Sarno. A pesquisadora defendeu a sugestão da ex-presidente chilena de mentorias para jovens pesquisadoras, para que as mulheres ali presentes também possam cumprir esse papel de modelo para as novas gerações.

A saúde como um direito, no entanto, é um ponto primordial para Bachelet, pois está é uma condição fundamental para o bem-estar das populações (foto: Peter Ilicciev)

A questão geracional também foi abordada do ponto de vista institucional, uma vez que a Fiocruz precisa passar por uma renovação com continuidade. É necessário abrir espaço para as novas gerações, mas é importante passar o legado da geração anterior que viveu a reforma sanitária e a criação do SUS, que este ano completa 30 anos.

Destacando o protagonismo das novas gerações, a diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Anakeila de Barros Stauffer, lembrou que as adolescentes alunas da EPSJV formaram um núcleo para discussão de gênero. Ela, no entanto, lamentou a falta de interesse dos homens neste e em outros grupos de discussões gênero. “Também precisamos de uma nova masculinidade”, afirmou.

Bachelet concordou com esse ponto, citando a campanha He for She, da ONU Mulheres. No entanto, ela defendeu que ainda são necessários espaços femininos, em que as mulheres possam trocar sobre suas dificuldades. “As mulheres precisam se reunir para avançar”, afirmou, destacando a importância do apoio mútuo e da criação de redes entre as mulheres.

“As mulheres podem fazer tudo, mas não tudo ao mesmo tempo. O pior é tentar ser uma supermulher, ter uma casa espetacular, ser a melhor esposa, a melhor amante, a melhor mãe… É impossível”, reforçou Bachelet, dizendo que esta pode ser uma fonte de sofrimento, culpa e angústia para muitas mulheres. Ela relatou sua própria experiência como ministra da Defesa, em que formou um grupo com as outras quatro mulheres ministras na época para que se apoiassem e dividissem suas questões. Os avanços das universitárias chilenas contra o assédio, sob o lema “que nunca mais se naturalize o que não é natural”, foi outro exemplo citado de conquistas da união entre mulheres.

Além do gênero, a raça

A necessidade de se discutir também a questão de raça foi trazida por mais de uma das pesquisadoras presentes. A chefa do Departamento de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Fiocruz (DDRH/Direh) e representante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Andréa da Luz, destacou que ainda existem poucos negros na instituição, especialmente em cargos mais altos. Apenas recentemente, a Fiocruz fez os primeiros concursos públicos com cotas para negros. “É um mundo produzido por homens brancos”, destacou. Nísia reconheceu que a instituição ainda está muito atrasada neste e em outros pontos, mas reafirmou seu compromisso com a agenda de gênero e de raça internamente.

Comentando sobre esse tema, a diretora da Fiocruz Minas, Zélia Profeta, anunciou a formação, ainda incipiente, de uma Rede de Mulheres Pretas na Ciência, articulada um pouco antes entre alunas e pesquisadoras presentes no Abrascão. Para ela, essa articulação em rede é um reflexo da política de cotas nas universidades, que “mudou a cor” da pós-graduação.

Agendas futuras

Do ponto de vista da cooperação científica, Bachelet demonstrou interesse por campos de pesquisa em saúde materno-infantil (área em que preside uma parceria na OMS), em saúde e mudança climática, além de experiências clínicas, formação de recursos humanos e coortes sobre violência contra mulher. Sua assessora, Helia Molina, que também é médica, foi ministra da Saúde e atualmente decana da Faculdade de Medicina da Universidade de Santiago, também esteve presente na reunião e falou sobre possíveis parcerias entre as duas instituição.

A presidente da Fiocruz também aproveitou a reunião para propor a criação de grupos na Fiocruz para discussão sobre os 40 anos de Alma-Ata, que inclui os determinantes sociais da saúde e o enfrentamento de emergências. “Estarei representando o Ministério da Saúde na Conferência de 40 anos de Alma-Ata. Mas eu não quero fazer disto uma representação individual”, declarou.

Além das já citadas, também estiveram presentes no encontro as pesquisadoras, Célia Almeida (Ensp), Cristiani Machado (Ensp),Alda Maria da Cruz (IOC), Patricia Bozza (IOC), Ana Maria Bispo (IOC), Marilda Siqueira (IOC), Magali Romero Sá (COC), Dominichi Miranda Sá (COC), Patrícia Brazil (INI), Marcia Morosini (EPSJV), Jislaine de Fátima Guilhermino (Fiocruz Mato Grosso do Sul), Michele Feitoza (INCQS), Tereza Lyra (Fiocruz Pernambuco), Eduarda Cesse (Fiocruz Pernambuco) e Fabiana Damásio (Fiocruz Brasília). Como assessores da presidência, estavam presentes Inês Fernandes, Valber Frutuoso e Valcler Rangel. Luiz Augusto Galvão representou o Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (Cris/Fiocruz) na reunião.

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