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Mesa-redonda discute os efeitos negativos da austeridade fiscal


29/07/2018

Matheus Cruz (Agência Fiocruz de Notícias)

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“A austeridade fiscal pode ter mais efeitos na saúde do que a própria crise econômica”. Com esta frase, o pesquisador do Instituto René Rachou, da Fiocruz Minas, Romulo Paes, iniciou o debate na mesa-redonda que teve como tema a relação entre austeridade fiscal e saúde, na Tenda Marielle Franco, no segundo dia do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. A mesa, coordenada pelo representante da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Renato Tasca, e constituída, além de Rômulo Paes, pelos pesquisadores Davide Rasella (Fiocruz Bahia) e Nilson do Rosário (Ensp/Fiocruz), buscou apresentar os resultados de um estudo publicado em maio.

Segundo os pesquisadores, a austeridade fiscal brasileira foi implantada como uma reestruturação, e não como um projeto para que o estado de bem-estar social fosse restabelecido (Foto: Abrasco)

Rômulo abriu a mesa-redonda analisando estudos feitos anteriormente que relacionavam a austeridade fiscal com a saúde e mostrou que, num artigo em que eram analisados 27 países europeus, o orçamento do setor não apenas não foi preservado durante o período de arrocho como, em algumas ocasiões, chegou até mesmo a ser cortado. De acordo com Rômulo, estudos mostram que a crise pode piorar a situação da saúde da população e ainda agravar problemas sociais e aumentar as desigualdades. “Isso indica que o tipo de resposta que se pode dar em relação a crises econômicas, ela pode agravar de várias formas o bem-estar da população, e a preservação dos programas de assistência social é uma medida importante de proteção à saúde”, enfatizou.

“São vários estudos que foram feitos, comparando o Brasil com países mais ricos, que indicam para nós uma preocupação muito grande. Porque está se ampliando a concentração de população vulnerável, e quando a política pública não acomoda isso, significa que há uma perda relativa de nossos níveis de proteção social”, relatou o pesquisador. Ele também exemplificou que “se há um aumento de demanda e o serviço público não está preparado para comandar esta demanda que cresceu ou que é nova, então nós temos um problema grave, porque não temos uma resposta adequada”. Rômulo encerrou sua fala ressaltando a importância de se usar os estudos feitos com países mais ricos para que se tenha uma noção da situação brasileira.

O pesquisador Davide Rasella usou seu tempo para apresentar os resultados do estudo feito por ele e Rômulo que projetou os impactos da crise econômica sobre a mortalidade infantil no Brasil. Segundo Rasella, para embasar a pesquisa foram realizados estudos durante anos em um momento positivo da economia brasileira, para saber os impactos dos programas sociais. Essa pesquisa mostrou que não somente o Bolsa Família mas também outros programas sociais do governo tinham impactos positivos diretos na mortalidade infantil.

Rasella chamou atenção também para a forma como a austeridade fiscal brasileira foi implantada como uma reestruturação, e não como um projeto para que o estado de bem-estar social fosse restabelecido. “Não foi pensado um sistema em que depois de quatro ou cinco anos a austeridade deixasse de valer, mas funciona como se fosse uma reformulação da situação econômica do país”, afirmou.

Rasella comentou sobre os cenários dos impactos da austeridade que a pesquisa buscou projetar. “Em todos as situações não são diferentes em termos de magnitude do efeito. A diferença entre os dois é que, para 2030, teríamos um aumento de 56% na mortalidade, que se traduz em aproximadamente 20 mil óbitos acompanhados de 120 mil hospitalizações evitáveis de crianças”, destacou. Davide concluiu sua fala ressaltando que, segundo as análises do estudo, os efeitos da austeridade são maiores nos municípios mais pobres.

O coordenador da mesa e representante da Organização Pan-Americana de Saúde, Renato Tasca, ressaltou a importância de que estes dados descobertos pela pesquisa de Davide e Rômulo sejam divulgados para que os gestores tomem ciência desse cenário. “O sofrimento sempre será concentrado entre as camadas mais pobres da população. É um círculo vicioso e as medidas para que isso se resolva precisam ser pensadas”, disse.

Encerrando a mesa, o pesquisador Nilson do Rosário destacou que dado o cenário brasileiro, as políticas brasileiras deveriam focar nos grupos extremamente pobres. Segundo Rosário, “as pessoas em países como o Brasil sofrem pelo subdesenvolvimento social do país”.

De acordo com Rosário, países mais ricos e com renda familiar maior têm enormes programas públicos de saúde e educação que não passam pela esfera mercadológica. “O que temos no Brasil são sistemas predominantemente privados, como planos de saúde. Sociedades ricas retiram do mercado uma quantidade imensa de bens coletivos, ou seja, as pessoas não compram saúde e nem educação. Não passa por uma esfera mercadológica”, ressaltou.

O pesquisador encerrou sua fala e a mesa com uma análise comparativa do Brasil com países menos desenvolvidos. “O Brasil está muito abaixo em despesas totais em saúde em comparação com países como Índia, China e África do Sul. Diante dessa comparação, é necessário que haja um grande aumento no orçamento da saúde. Pode-se afirmar que, em termos comparativos, o Brasil não assegura ao setor da saúde a prioridade imaginada pelos formuladores do SUS”, concluiu.

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