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Instituições debatem os desafios da ciência no Brasil

Nísia Trindade falando no evento

23/08/2019

Por: Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)

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A Academia Brasileira de Letras (ABL) promoveu, na quarta-feira (21/8), a mesa-redonda Os desafios da ciência no Brasil. O evento teve a mediação do historiador José Murilo de Carvalho, membro da ABL, e contou com a participação do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro, do presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, e da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima. José Murilo de Carvalho abriu o debate lembrando que, ao longo da História, a ABL teve sete membros cientistas, entre eles o patrono da Fundação, o médico e sanitarista Oswaldo Cruz. Atualmente, três membros da ABL também são integrantes da ABC. “Ciência também é cultura e, no Brasil de hoje, ambas passam por momentos difíceis. Por isso é importante estarmos juntos e cerrar fileiras para assegurar a sobrevivência de institutos de pesquisa e universidades”, afirmou o imortal.

O físico Luiz Davidovich iniciou as apresentações lembrando que as universidades brasileiras são relativamente recentes e que o Brasil demorou muito para contar com essas instituições. “A primeira universidade brasileira, no Amazonas, é de 1909. Depois veio a do Paraná, em 1912, a do Rio de Janeiro, em 1920, e a de São Paulo, em 1934. A Europa já dispunha de universidades desde a criação da de Bolonha, em 1088, no século XI. O Peru desde o século XVI e os Estados Unidos desde o XVII. Esse atraso explica muitas das nossas dificuldades e o pouco caso que, historicamente, os governos deram à ciência”, disse o presidente da ABC.

Davidovich recordou a fundação, em 1916, da então Sociedade Brasileira de Sciencias (na grafia da época), a atual ABC, e discorreu sobre o almirante Álvaro Alberto, que presidiu a instituição entre 1949 e 1951. O militar, que também era físico, deu uma contribuição fundamental para a implementação do Programa nuclear brasileiro e foi o representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica da ONU. O presidente da ABC também abordou os sucessos obtidos por Embrapa, Petrobras e Embraer a partir do investimento em pesquisas, laboratórios e formação de recursos humanos.

“Para que a Fiocruz, por exemplo, consiga dar as respostas que tem dado aos desafios da saúde brasileira foram necessárias décadas de investimentos em ciência. Isso não acontece da noite para o dia. E é justamente esse o nosso desafio atual: como vamos continuar resolvendo os problemas nacionais sem investimentos maciços em ciência? A Amazônia reúne 20% da biodiversidade nacional. A Amazônia azul, como é chamado o mar territorial brasileiro, poderá chegar a 4,5 milhões de quilômetros quadrados caso a Comissão de Limites das Nações Unidas, aceite a reivindicação do Brasil e amplie a área de solo e subsolo marinhos que o país poderá explorar. Tudo isso requer investimentos, que depois retornam em ganhos substanciais e na resolução de problemas”.

Segundo Davidovich, o valor total gerado pela pesquisa pública equivale a um valor entre três e oito vezes o investimento feito. A taxa de retorno da maior parte dos projetos fica entre 20% e 50%. “Além disso, entre 20% e 75% das inovações não seriam desenvolvidas sem a pesquisa feita em instituições públicas, que levam, em média, cerca de sete anos para serem concluídas”.

Em seguida houve a intervenção da presidente da Fiocruz. Nísia Trindade Lima sublinhou que não se pode dissociar desenvolvimento de soberania, o que cientistas de várias gerações afirmaram. Ela também enfatizou a importância de fortalecer instituições públicas e lembrou a Escola de Minas de Ouro Preto, fundada em 1876, as escolas de medicina criadas ao longo do século XIX, a Escola Politécnica de São Paulo (1893), os institutos históricos e geográficos estabelecidos nos estados e, sobretudo, a instalação do Instituto Oswaldo Cruz (embrião da atual Fiocruz, em 1900) e do Instituto Butantan (1901). “A partir daí temos a ciência feita de maneira mais densa, permanente, com a formação de quadros e a solução de desafios nacionais”.

Segundo Nísia, a pesquisa em saúde no Brasil contribui com o maior número de pesquisadores e programas de pós-graduação. “No entanto, as dificuldades orçamentárias têm gerado grandes problemas, como a interrupção de pesquisas importantes para o país e a população, a fuga de cérebros para o exterior, o que leva para outros países o conhecimento que poderia ser desenvolvido e dar frutos aqui, e também para a formação de novos pesquisadores, devido à precariedade de laboratórios e equipamentos”. Em uma tentativa de reduzir esses problemas, Nísia comentou sobre a Coordenação de Ações de Prospecção da Fiocruz, criada em 2017 e que tem como perspectiva central enfrentar os grandes desafios nacionais e institucionais, integrando as dimensões a ciência, a tecnologia e a inovação em saúde com as dimensões sociais, econômicas, ambientais e territoriais brasileiras.

Nísia disse que a demanda nacional em saúde fica em torno de 9% do PIB e que o setor congrega cerca de 10% dos trabalhadores qualificados brasileiros, gerando 20 milhões de empregos diretos e indiretos, e é responsável por 35% do esforço nacional de P&D. “Este setor reúne plataformas críticas para o futuro do Brasil, como biotecnologia, química fina, equipamentos médicos, telemedicina, nanotecnologia e outros”.

O presidente da SBPC, Ildeu de Castro, disse que os indicadores brasileiros em ciência têm piorado substancialmente. No entanto, mesmo se classificando como um “esperançoso”, ele lamenta que os desafios são muitos no cenário brasileiro. “Temos que investir em educação de qualidade, em particular na educação científica, ampliar os recursos para C&T, recompor a força de trabalho no setor, desburocratizar e criar marcos legais adequados, melhorar a qualidade da pesquisa que produzimos, reforçar a inovação tecnologia e social, compartilhar a ciência produzida no país, com uma ciência cidadã e voltada para a cidadania e elaborar um projeto de nação que seja democrático, soberano e justo”.

De acordo com Castro, o desemprego atinge 25% dos mestres e doutores brasileiros, como revelou uma pesquisa feita em março deste ano. “No mundo, esse número não passa de 2%. E a perspectiva não é boa, porque o orçamento de 2020 promete ser ainda pior que o atual. E existe ainda a possiblidade horrível de a Finep ser extinta”. Castro disse que os cortes orçamentários estão sucateando laboratórios e gerando situações preocupantes. “O número de bolsas de pesquisa está caindo, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) não vêm recebendo financiamento, a Capes está sendo desprestigiada. Enfim, os dados são muito ruins”. Ele comentou ainda que o Brasil caiu para 66º lugar, no mundo, no ranking de inovação científica e tecnológica.

Ildeu disse a população percebe essa queda e reconhece que é preciso investir mais. Ele apresentou dados de uma pesquisa recente que mostra que 78,1% dos brasileiros afirmam que é necessário aumentar os investimentos em ciência e tecnologia. Para 13,4% os investimentos devem ser mantidos no patamar atual. Não souberam responder 5,1% dos entrevistados. Apenas 3,4% concordam com as reduções orçamentárias no setor.

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