16/11/2020
Fonte: Fiocruz Minas
O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho é o tema da mais recente edição da Revista Ciência & Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que reuniu artigos e ensaios sobre os impactos socioambientais da tragédia ocorrida em 2019. O lançamento da revista aconteceu durante um encontro virtual, realizado na última quinta-feira, 5 de novembro, dia em que se completaram cinco anos do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana.
“Quero, primeiramente, deixar minha homenagem e respeito a todos os moradores de Brumadinho e Mariana. E quero também agradecer a todos os que fizeram parte do esforço para o lançamento deste número especial da Revista Ciência & Cultura, publicação que tem 71 anos de existência, e, nesta edição, trata especialmente dos impactos do rompimento da barragem em Brumadinho. Esses números especiais da revista são exatamente para recordar como os vários aspectos da ciência podem ser usados para discutir situações desse tipo dramáticas, como é o caso de Mariana e Brumadinho. Já tivemos também um número tratando sobre Mariana, e o que a SBPC espera é que não seja necessário fazer uma edição especial sobre uma próxima tragédia”, destacou o presidente da SBPC, Ildeu Moreira, durante a abertura do evento.
O secretário regional da SBPC em Minas Gerais, Luciano Mendes, ressaltou que a publicação de uma edição temática da revista, com foco no rompimento da barragem em Brumadinho, é uma prática de memória fundamental, pois impede que esse tipo de tragédia, que poderia ter sido evitada, possa, com o passar do tempo, ser vista como um desastre natural. “O lançamento da revista tem então esse papel simbólico de produção de memória, dando uma importante contribuição à lembrança e ao entendimento dessas situações. Essa edição, que reúne artigos de pesquisadores de várias instituições, é resultado de uma prática solidária entre pesquisadores e instituições e, sobretudo, uma prática solidária com aqueles e aquelas que viveram a tragédia”, afirmou.
A diretora da Fiocruz Minas, Zélia Profeta, que, juntamente com a pesquisadora Claudia Mayorga, da UFMG, coordenou o núcleo temático desta edição da Ciência & Cultura, enfatizou que o número especial, para além de não permitir que tragédias como essas caiam no esquecimento, evidencia a importância de se estabelecer uma agenda para enfrentar os diversos desafios que se apresentam simultaneamente e até se sobrepõem. “Então, além do lançamento da revista, essa reunião tem também um sentido de convocar os diversos grupos e setores para que, em um esforço coletivo, possamos construir saídas para situações como essas, considerando as diferentes perspectivas. A pandemia nos mostrou que, se não estabelecermos uma cultura de cooperação, não vamos dar conta desses vários desafios”, salientou.
A pesquisadora Claudia Mayorga, da UFMG, destacou que foi bastante pertinente a ideia de realizar o evento de lançamento da edição temática sobre Brumadinho no dia 5 de novembro, quando se completam 5 anos da tragédia ocorrida em Mariana, pois faz recordar que se trata do mesmo problema e, portanto, reforça a importância de buscar compreender o que ocorreu para, assim, evitar que volte a acontecer. “Por meio desse número, convocamos a ciência para se posicionar, sem esquecer de que é fundamental que a ciência dialogue com os diversos setores da sociedade e que o conhecimento gerado possa ser de fato apropriado pela população. Nesse momento em que as instituições científicas estão sendo tão atacadas, essa edição é ainda uma forma de marcar que é essa ciência comprometida com os problemas concretos das populações que defendemos”, afirmou a pesquisadora que, ao encerrar sua fala, pediu a todos um minuto de silêncio em homenagem às vítimas das duas tragédias.
Artigos- Com a mediação da pesquisadora Ana Paula Morales, da UFMG, os autores dos artigos publicados na revista fizeram uma breve exposição dos temas abordados. A pesquisadora Maria Isabel Antunes Rocha, da UFMG, versou sobre Os desafios da educação, em que apontou as deficiências do projeto pedagógico das escolas diante do tema da mineração. Segundo a pesquisadora, o assunto, quando tratado pela escola, é abordado apenas de forma superficial, deixando uma lacuna que precisa ser completada.
O pesquisador Tádzio Peters Coelho, da Universidade Federal de Viçosa, tratou sobre os Dilemas e obstáculos na economia de Brumadinho frente à minério-dependência. De acordo com o pesquisador, a atividade mineradora está inserida em um conjunto de relações de poder que ultrapassa a esfera econômica, abrangendo e interferindo também na estrutura política e no controle do imaginário. Trata-se de uma atividade que gera problemas para o desenvolvimento de outros setores.
Os possíveis impactos do desastre na saúde foi o tema apresentado pelo pesquisador Sérgio Peixoto, da Fiocruz Minas, que expôs o estudo longitudinal a ser desenvolvido em Brumadinho, com o intuito de avaliar os impactos do desastre na saúde física e mental da população, a médio e a longo prazo. O objetivo é gerar informações que possam subsidiar a estruturação dos serviços de saúde no município. O estudo terá duração de 20 anos.
A pesquisadora Claudia Mayorga, que, na edição especial da revista, entrevistou a representante do Fórum Mineiro de Saúde Mental, Mariana Tavares, trouxe alguns aspectos abordados durante a entrevista. Ela destacou que se trata de um desastre ainda em curso no que diz respeito ao sofrimento das vítimas e ressaltou a importância de desenvolver abordagens que não estigmatizem as pessoas.
Os pesquisadores Mariano Silva e Carlos Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP\Fiocruz), trataram sobre a Sobreposição de riscos e impactos no desastre da Vale em Brumadinho. De acordo com os pesquisadores, os efeitos dos desastres se estendem no tempo e no espaço, alterando a saúde e também a forma de viver e trabalhar. Eles enfatizaram a necessidade de olhar para os impactos imediatos e também para a sobreposição de riscos que vão se acumulando.
A pesquisadora Priscila Neves, da Fiocruz Minas, tratou sobre os impactos do rompimento da barragem no acesso à água sob a perspectiva dos direitos humanos. Segundo a pesquisadora, desastres como os provocados pela Vale afetam o acesso à água em diversos princípios preconizados pelos direitos humanos, como a qualidade, a acessibilidade financeira e também a confiabilidade da população em relação à água que será consumida.
A pesquisadora Cristiana Losekann, da Universidade Federal do Espírito Santo, abordou Os desafios da participação na reparação dos desastres, mostrando a necessidade de questionar o conceito da participação. Para a pesquisadora, a construção de um processo participativo vai além da implementação de modelos prontos, exigindo uma construção coletiva daquilo que será executado como reparação.
Após as apresentações, o evento foi aberto ao debate que contou com a participação de representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), das secretarias de saúde do estado de Minas Gerais e do município de Brumadinho, do Ministério Público e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). Um dos pontos comuns a todas as falas foi o reconhecimento da importância de envolver a população atingida nas esferas de decisão. Também foi mencionada a expectativa de que os pesquisadores retornem ao território em que tiverem realizado seus trabalhos para apresentar os resultados.
Entre os encaminhamentos, ficou acordado que é preciso dar seguimento às ações já em andamento, como o Observatório da Bacia do Rio Doce e o Observatório da Bacia do Rio Paraopebas, iniciativa que visa acompanhar pesquisas e ações desenvolvidas nos territórios atingidos e afetados pelo rompimento das barragens da Vale e da Samarco. Uma nova reunião será marcada em breve. O encerramento do evento contou com a apresentação do pesquisador André Luiz Dias, da UFMG, que apresentou trechos do cordel “Todo dia é 25 de janeiro”.
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