18/05/2015
Keila Maia
Se na época da instalação das comissões gerais de inquérito (após o golpe de Estado de 1964), a atmosfera era de delação e desconfiança, em 1986, após a anistia e reintegração dos cientistas cassados, o clima entre eles era tão bom que já conseguiam rir de algumas situações absurdas ocorridas durante as investigações. Em entrevistas concedidas às pesquisadoras da Casa de Oswaldo Cruz Wanda Hamilton e Nara Azevedo, contaram que, em um dos processos a que tiveram acesso, uma das acusações era a de que promoviam, aos sábados, feijoadas e vatapás subversivos, onde os comunistas se reuniam.
“É que, no meu caso, eu criava mosquito, eu criava mosca, eu criava baratas. Nos fins de semana, eu mesmo ia ao IOC [Instituto Oswaldo Cruz] pra dar comida pros bichos. Como não tinha comida no refeitório, nós íamos almoçar no Hospital Evandro Chagas. E, para quebrar essa monotonia no hospital, de vez em quando, num sábado ou outro, a gente fazia uma feijoada, um vatapá. Para o pessoal contra, isso era um pretexto para fazermos reuniões subversivas. Isso foi dito no famoso inquérito”, contou Sebastião de Oliveira, um dos cassados.
Segundo ele, outra acusação de que tiveram conhecimento foi feita por um pesquisador que ficava na Ilha dos Pinheiros, a três quilômetros de distância do Castelo da Fiocruz. Ele teria dito que, no dia 31 de março de 1964 à tarde, viu sair uma fumacinha do 2º andar do prédio principal e que essa fumacinha só podia ser os subversivos queimando papéis comprometedores. “Parece brincadeira. Hoje a gente ri, mas estava lá”, completou Sebastião de Oliveira.
Solidariedade dos funcionários
O apoio que os pesquisadores cassados receberam dos colegas mais próximos e de outros trabalhadores do IOC também foi sempre destacado pelos pesquisadores cassados, durante as entrevistas que deram em 1986. Sebastião de Oliveira lembrava emocionado que um funcionário, bem simples, disse a ele que, se precisasse, poderia pegar o que quisesse em uma conta que mantinha no armazém do bairro.
Ele também contou que, no dia da cassação, estava angustiado porque precisava retirar todos os seus pertences de 26 anos de trabalho, imediatamente. Então, recebeu um recado do chefe da portaria dizendo que poderia fazer isso com mais tranquilidade, em outros dias, que a placa do carro não seria anotada. “Isso feito numa hora em que ele mesmo podia ser punido, podia sofrer alguma coisa”, avaliou.
Houve ainda, segundo ele, um ascensorista que estava de licença para tratamento de saúde. Quando soube do ocorrido, arrumou um pretexto para ir ao instituto apenas para abraçá-los. “Ele chorava, coitado, quando nos abraçou. Quer dizer, esse tipo de coisa nos comoveu e nos deu até um certo alento, para poder suportar a cassação.”
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