Fiocruz

Fundação Oswaldo Cruz uma instituição a serviço da vida

Início do conteúdo

Fiocruz promove debate sobre experiências de educação e trabalho no Dia Nacional do Surdo


26/09/2023

Nathalia Mendonça (Cooperação Social da Fiocruz)

Compartilhar:

A Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz promoveu, em parceria com o Centro de Vida Independente (CVI), a mesa de debates “Experiências de pessoas surdas com Educação e Trabalho” no último dia 19, em comemoração ao Dia Nacional do Surdo. O evento reuniu no auditório do Museu da Vida Fiocruz integrantes de projetos que promovem acessibilidade para as pessoas surdas: gestores, trabalhadores surdos, representantes das unidades Fiocruz e articuladores de movimentos sociais e pessoas com deficiência.  

A programação foi idealizada pela equipe do projeto Empregabilidade Social da Pessoa Surda que emprega, na Fiocruz, cerca de 100 pessoas surdas distribuídas pelas Unidades Técnico-Científicas exercendo funções administrativas, em manutenção ou em laboratórios. Os profissionais do projeto prestam uma espécie de assessoria a esses trabalhadores, facilitando a comunicação com as chefias e suas equipes, além de garantir o acesso aos benefícios sociais.  

O principal objetivo do projeto é gerar emprego dentro das instalações da Fundação mas ele também é responsável pelo desenvolvimento de outras ações como formações políticas, cidadãs e cursos com temas relevantes sobre a questão da acessibilidade na sociedade brasileira. Também são oferecidos cursos de português para pessoas surdas, cursos de informática, entre outras formações semiprofissionalizantes para os trabalhadores do projeto. Para a comunidade ouvinte da Fiocruz, são oferecidos periodicamente cursos de Língua Brasileira dos Sinais (Libras). 

O projeto existe há 30 anos na Fundação e há dez está sob coordenação da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz. Luciane Ferrareto, atual coordenadora, abriu a mesa de debates apresentando informações sobre o histórico do projeto e avaliações produzidas pela equipe e trabalhadores surdos para aprimorar os espaços de trabalho sob a perspectiva da inclusão.  

“Ainda temos um longo caminhar para garantia da acessibilidade e inclusão plena dentro da instituição. É sempre um trabalho árduo junto às Unidades para incentivar a formação desses trabalhadores e possíveis melhoras profissionais”, explicou.  

“Não basta, para ter acessibilidade e inclusão para as pessoas surdas especificamente, apenas ter um intérprete de Libras. Para garantir acessibilidade é preciso de muito mais. É preciso ter as empresas privadas apostando na acessibilidade, criando oportunidades de inclusão. Além das empresas privadas, é preciso políticas públicas que garantam os direitos dessas pessoas. Também é necessária a luta constante contra o capacitismo”, afirma Luciane. 

Patrícia Sousa, trabalhadora representante do Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI), indicou os pontos de convergência existentes na parceria de dez anos entre o CVI e o projeto: “O CVI tem um empenho de empoderar as pessoas, tem esse compromisso justamente por acreditar que todos têm a capacidade de gerir as suas próprias vidas, de assumir responsabilidades, de tomar decisões e o projeto traz isso, esse fortalecimento da pessoa com deficiência”.  

O trabalho do professor Ernest Huet, surdo desde os 12 anos de idade, permitiu o desenvolvimento de uma língua de sinais própria de nosso país. A Libras foi criada a partir de uma mistura entre a Língua Francesa de Sinais e de sinais já utilizados pelos surdos brasileiros. 

Patrícia relembrou as consequências da decisão tomada no Congresso de Milão que impactou negativamente a comunidade surda no mundo. O Congresso reuniu educadores de surdos de vários países a fim de discutir os métodos de ensino utilizados. O resultado obtido pela maioria dos membros foi o método oralista puro considerado como o "mais adequado” na educação dos surdos. Os sinais foram proibidos de serem utilizados. As línguas de sinais foram colocadas como “inferiores”, sendo obrigação o ensino utilizar-se dos idiomas nacionais.  

Foi na década de 70 que o Brasil adotou a filosofia da comunicação total, metodologia educacional que acredita que apenas a oralização não garante o desenvolvimento educacional do aluno surdo. Foi apontado que o aluno surdo deve se desenvolver no bilinguismo, aprendendo o português e a libras. Por meio da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, foi determinado que a Libras deve ser reconhecida como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira, sendo responsabilidade do poder público o fornecimento de meio para o uso e difusão da língua no Brasil. 

“É importante reforçar o quanto a gente ainda precisa avançar para ter os surdos plenamente participando de todos os espaços, tendo os seus direitos linguísticos sendo respeitados, sem exceção. Essa é a nossa luta como instituição”, afirmou Patrícia. 

O artigo 93 da lei 8.213, de 1991 determinou que empresas com mais de 100 empregados preencham de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).  

"Muito embora a legislação seja do início da década de 90 até hoje não é cumprida espontaneamente por todas as empresas. Nós estamos somente integrando ou nós realmente estamos incluindo? Nós estamos tolerando aquela pessoa ou nós definitivamente estamos aceitando?”, questionou o representante do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), Túlio Medeiros. 

"Tem empresa do Rio de janeiro que prefere pagar hoje, tem empresa que está multada em cinco milhões, mas não vai contratar pessoas com deficiência e é aí que começa nossa briga. O Ines não é uma instituição reguladora ou regulamentadora ou fiscalizadora, mas é uma entidade que tem um setor que se preocupa com a pessoa com deficiência.”, destacou. 

A mesa de abertura também teve a presença de Pedro Paulo da Silva, trabalhador do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e representante da comunidade de surdos da Fiocruz, que ressaltou a importância do projeto para inserção dos trabalhadores na instituição e a realização dos cursos de português para a comunidade surda. “Não utilizamos o português, por isso que esquecemos. Aos poucos, com o curso, vamos relembrando e isso foi de grande ajuda aqui na Fiocruz. É uma grande facilitação”, afirmou.  

A representante do Comitê da Fiocruz de Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência, Sônia Guertner, destacou. “A gente tem chamado esse dia de luta não de uma celebração em si, mas de exaltar a luta das pessoas com deficiência e para isso a gente precisa lutar coletivamente. É importante marcar um espaço de ruptura da invisibilidade. Temos que tirar da invisibilidade essa questão social. Desejamos que mais e mais pessoas com deficiência estejam na nossa convivência, aprendendo e transformando nossa instituição”.   

Um debate muito recorrente que é levantado por pessoas com deficiência e representações é o anticapacitismo. O capacitismo é considerado um pré-julgamento da capacidade e habilidades de pessoas com deficiência baseado apenas no que, comumente, pessoas sem deficiência acreditam sobre aquela condição. Se caracteriza como a subestimação da capacidade e aptidão dos indivíduos em virtude de suas deficiências. 

Criada em março de 2023, a Coordenação de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas (Cedipa) é vinculada à Presidência da Fiocruz e tem como objetivo implementar ações que assegurem a efetivação das políticas institucionais da Fiocruz para equidade, diversidade, inclusão e políticas afirmativas. As linhas de ação da Cedipa são pautadas nos enfrentamentos ao racismo, capacitismo, machismo, misoginia, xenofobia, LGBTIfobia e diferentes violências de gênero e violações que comprometam o direito à vida das pessoas. 

“O objetivo geral da Cedipa é fortalecer a atuação da Fiocruz no enfrentamento ao capacitismo, às desigualdades étnico-raciais e de gênero nas diferentes frentes de atuação, assegurando estrutura para consolidação de ações estratégicas e reforçando o compromisso institucional por práticas mais inclusivas e de valorização da diversidade na perspectiva da equidade” apresentou a representante da Coordenação de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas (Cedipa), Roseli Rocha, encerrando a mesa institucional de abertura. 

Pessoas surdas e experiências com educação e trabalho  

Salomão Rocha de Souza, graduado em Matemática e professor do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), apresentou a temática sobre experiência profissional a partir de um relato de experiência sobre formação, libras, inclusão e direitos da pessoa surda.  

“Eu sempre tive desafios que me levaram a esses aprendizados e experiências, sempre lutando e buscando mais experiências para ampliar o conhecimento e também poder trocar através do ensino, através da língua de sinais, encontrando a comunidade surda. É muito importante, eu como uma pessoa surda engajada na luta, fazer essa apresentação sobre possibilidade de formação profissional e perceber que as pessoas conseguem através da luta. Nós conseguimos juntos, enquanto comunidade, essa independência ao mesmo tempo que ainda estamos juntos”.  

Também esteve presente Marcia Cristina Paulo dos Santos, mestranda em Educação Bilíngue e pedagoga bilíngue do Ines, que apresentou o contexto histórico da luta e reivindicações da comunidade surda que deram origem ao setembro azul, mês de referência de comemorações referentes ao “orgulho surdo”. A escolha da cor azul marca a memória do período difícil instaurado pela II Guerra Mundial, onde nazistas identificavam as pessoas portadoras de deficiência com uma fita azul amarrada no braço. O azul é visto como marco na luta contra a opressão.  

“O mês de setembro envolve todo um movimento de luta, militância, conquistas, perdas, sofrimentos, toda caminhada até chegarmos a esse momento de desenvolvimento. A luta continua, não vamos parar por aqui”, afirmou Marcia. 

Vanessa Reis Fontes, auxiliar administrativo na Fiocruz, reforça a necessidade de uma real integração do trabalhador surdo nos processos de trabalho. “Surdo não é só para tirar cópia ou fazer digitalização. É possível trabalhar em atividades mais complexas como qualquer pessoa. Algumas pessoas acreditam que é só isso. É possível essa troca maior e complexa”, afirma.  

Mateus da Silva Oliveira é técnico em Química e Farmácia e estudante de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) relatou sua experiência com a educação, o ingresso no ensino superior, formação profissional/acadêmica. “Eu fui o primeiro surdo no Brasil a ser aprovado em medicina e, lembrando da minha trajetória de vida, os lugares onde passei, hoje dá para visualizar que eu posso ser um modelo de vitória para a comunidade surda, conseguindo influenciar outras pessoas”, relatou Mateus. 

“Existem muitas questões de não aceitação em relação a surdez, em relação as cotas, aos direitos. É uma luta. Minha história de formação não foi fácil e eu não desisti. Eu tenho meus direitos, mesmo com a influência externa, com o capacitismo, com a opressão, o discurso médico, a não aceitação da sinalização. A minha identidade é a sinalização, é a libras. Eu não posso ser oprimido, nem ser obrigado”, afirmou.  

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), nº 13.146, de 6 de julho de 2015, é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Em seus termos,  

se caracteriza como dever do Estado, da sociedade e da família: “assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico” (Art. 8, II, da Lei nº13.146/15). 

Literatura em libras e arte surda 

O encerramento da programação foi com apresentações de poesias surdas. A artista Thayssa Vitória apresentou a poesia “Cuidar da Árvore”. Alef Felipe de Sousa, também artista surdo, apresentou duas poesias em libras: “Alef, o Negrinho do Pastoreiro" e “Existem Surdos no Brasil?”

O artista Ricardo Boaretto apresentou também a Arte Visual Vernacular, através da poesia “Cidade Maravilhosa” e “Mulher no Banheiro”. A arte é uma forma estética experimental que mescla em sua estrutura a narrativa, a dramatização, a dança e a imagem. 

A Divisão de Qualificação e Encaminhamento Profissional (Diepro), em parceria com professoras do grupo de pesquisa ArteGestoAção, do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), realizaram a oficina "Transbordados: Encontro entre Gestos e Arte". A oficina tem como proposta a partilha de sensibilidades a partir da técnica do bordado, a fim de estabelecer maior apropriação da língua de sinais e a promoção de um espaço de convivência e acolhimento. Foram apresentados diversos tipos de bordado para estimular a criação e customização de produtos têxteis.

Também se apresentaram no evento os quatro bailarinos integrantes da SOM Cia de Dança:  Alef Felipe de Souza, Lucas Lima Guilherme, Thayssa Araújo e Valesca Soares. O grupo é composto por dançarinos surdos e ouvintes e foi criado em 2018 pela bailarina e diretora Clara Kutner, que pesquisa a dança na cultura. Em 2021, realizaram “Já!”, uma série de videodança ao ganharem o edital da Lei Aldir Blanc. O trabalho está disponível no Youtube. Atualmente estão preparando seu primeiro espetáculo Movimento de Escuta. 

Datas comemorativas em setembro 

O mês de setembro apresenta uma série de datas comemorativas (efemérides) relacionadas à luta pela garantia de direitos das pessoas com deficiência. O Dia Nacional do Teatro Acessível: Arte, Prazer e Direitos é comemorado em 19 de setembro, data instituída pela Lei 13.442 em 2017. No dia 21 de setembro, é comemorado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Em 22 de setembro é comemorado o Dia Nacional do Atleta Paralímpico, instituído pela Lei 12.622, de 2012.  

Já no dia 23 de setembro é comemorado o Dia Internacional da Língua de Sinais, resolução aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 19 de dezembro de 2017.  O Dia Nacional do Surdo, é comemorado anualmente em 26 de setembro, a data foi instituída pela Lei nº 11.796 em 2008. 

Voltar ao topoVoltar