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Fiocruz participa de Marcha Virtual pela Ciência


11/05/2020

Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)

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A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoveu a Marcha Virtual pela Ciência, com o objetivo de debater, com cientistas e especialistas da saúde, a situação da pandemia do novo coronavírus e compartilhar informações sobre a Covid-19 e sobre a CT&I no Brasil. O evento, em 7 de maio, foi inspirado no Pacto pela Vida e pelo Brasil, que a SBPC, junto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Comissão Arns, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) assinaram em abril. Pesquisadores da Fiocruz, como também a presidente da Fundação, Nísia Trindade Lima, participaram da Marcha.

O destaque da parte da manhã do evento foi o painel O enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, que teve a participação da presidente Nísia e da pesquisadora e pneumologista Margareth Dalcolmo, também da Fiocruz, com a coordenação da biomédica Helena Nader, que presidiu a SBPC de 2011 a 2017. A presidente iniciou sua intervenção pedindo um ato de solidariedade às (até aquele momento) mais de 8 mil mortes no Brasil pelo novo coronavírus e aos trabalhadores da saúde, que estão na linha de frente do enfrentamento da pandemia. “Estamos diante de um desafio sanitário, científico e político e por isso precisamos de uma abordagem interdisciplinar, que conjunge esforços de todos os ramos da ciência”, afirmou ela.

Nísia lembrou que a extrema desigualdade brasileira, aliada à grande densidade demográfica nas grandes cidades e aos problemas relacionados à mobilidade urbana, agravam a situação. “Temos que pensar em ações específicas para o caso nacional e a resposta deve vir desse conjunto de saberes. Além disso, é fundamental defender o SUS e a C&T aplicada à saúde”.

A presidente disse que a Fiocruz, perto de completar 120 anos, no dia 25 de maio, está engajada em várias frentes contra pandemia e que a celeridade é muito importante. Ela disse que a Fiocruz está produzindo kits de diagnóstico, montando um hospital destinado a pacientes graves de Covid-19 e liderando, no país, o estudo clínico Solidarity, destinado a pacientes graves. “Convido a todos a conhecerem o Observatório Covid-19, as nossas ações educativas e as iniciativas que a Fiocruz tem tomado a respeito da pandemia”.

Nísia observou que no dia anterior (6/5) a Fiocruz tornou público um documento com toda a fundamentação científica com recomendações para que os governos possam adotar o lockdown. “Este problema não será resolvido a curto prazo e depende de uma continuidade de ações, de medidas de prevenção e de vigilância permanente. Não voltaremos à antiga normalidade, portanto é imperioso que tenhamos responsabilidade científica e cívica, numa dinâmica que envolva todos os setores da sociedade e com um olhar especial para os setores vulneráveis da população, que são os mais atingidos pela pandemia”.

Em seguida, a pesquisadora Margareth Dalcolmo disse em sua intervenção que o Brasil está voltando a valorizar a ciência, após ignorá-la por muito tempo. “É necessário que saiamos de uma certa anestesia cívica que nos paralisou. Agora vemos que a ciência, parte grande parte da população, está voltando a ter confiabilidade. Parece que finalmente a sociedade acordou”. Margareth afirmou ainda que o Brasil precisa adotar uma cultura da doação. “Digo isso há muito tempo e parte da esquerda não aceitava. Mas quem tem fome tem pressa, como dizia Betinho. Doar é um aprendizado”, enfatizou.

À tarde foi promovido o painel A C&T&I no Brasil: sucessos e desafios, coordenado pelo presidente da SBPC, Ildeu Moreira. A primeira participação foi da diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio. Ela afirmou que a pandemia mostra claramente que a ciência e tecnologia devem star articuladas para colaborar na superação da crise. “Precisamos de uma estratégia de longo prazo que tenha como vetor o desenvolvimento nacional, com ênfase em educação e com uma indústria forte. Não há país desenvolvido sem uma indústria forte, que contribui decisivamente para gerar qualidade de vida”. A diretora disse que o governo tem que apoiar as empresas porque a tecnologia vai irrigar o desenvolvimento. “Faltam políticas públicas. Investir em C&T&I é prioridade. O Brasil investe apenas 1,3% do seu PIB em ciência, enquanto a média dos países que fazem parte da OCDE é de 2%. A Coreia do Sul chega a 4% do PIB”. Gianna ressaltou que o Brasil caiu 19 posições nesse ranking em 2019, desabando para o 66º lugar, o que não condiz com um país que tem a nona maior economia do planeta. 

Em seguida foi a vez do presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Fabio Guedes Gomes. Fazendo coro às palavras de Gianna, ele disse que o Brasil vem despencando em rankings internacionais C&T&I. “Este é um país que na crise do petróleo da década de 1970 desenvolveu de maneira impressionante a exploração em águas profundas e fez da Petrobras uma das maiores empresas do mundo em um setor altamente tecnológico e competitivo. Este é um país que mudou a sua matriz energética, investindo em fontes de energia limpas. Este é um país que expandiu sua fronteira agrícola, transformando regiões antes impensáveis em celeiros. Este é um país que deu respostas decisivas e internacionalmente reconhecidas no caso da zika. No entanto, agora temos uma brutal descontinuidade de investimentos, fazendo com que a ciência nacional regrida. Do ponto de vista do governo federal o que vemos são falsas premissas, marcadas por negacionismos”, observou Guedes. Segundo ele, o CNPq e a Capes estão desidratados. “O investimento federal em ciência é uma falácia, porque para chegar a esse número são feitas manobras contábeis. Sem educação e sem ciência não vamos longe”.

O presidente da SBPC e coordenador do painel, Ildeu Moreira, iniciou sua apresentação afirmando que o sistema nacional de ciência e tecnologia corresponde a 50% do da América Latina. “Pela força da economia brasileira e por nossa capacidade de inovação e produção, deveríamos estar em outro patamar. Mas estamos ficando para trás. Em 1995 o PIB da China era o mesmo do Brasil. Hoje a economia chinesa está muito à frente da nossa e é a segunda maior do mundo”. Segundo Moreira, o país carece de um projeto de nação que seja democrático, soberano, que invista em ciência e tecnologia e ataque frontalmente às desigualdades e injustiças sociais.

“É preciso uma mobilização nacional em torno dos princípios do Pacto pela Vida e pelo Brasil, reafirmando a importância de lutar pela preservação da vida, em todas as camadas sociais, dos setores mais pobres, dos trabalhadores informais, dos desempregados, das populações mais vulneráveis, como as indígenas, que estão vivendo um momento dificílimo”, destacou o presidente da SBPC.

O físico Luiz Davidovich interveio em seguida. Para o cientista, é fundamental reavivar o papel do Estado e das instituições de ciência e tecnologia para que o país possa enfrentar, da melhor maneira possível, a crise atual e outras que venham a surgir. “A ciência brasileira tem respondido bem aos desafios que lhe são postos. No derramamento de óleo no nosso litoral, por exemplo, foram pesquisadores brasileiros que tomaram a frente e deram as respostas e soluções necessárias, assim como em outros momentos difíceis. É claro que temos deficiências. Também por isso é forçoso investir em ciência para termos respostas ainda melhores para problemas que aparecerão”. Davidovich comentou que mais de 200 cientistas assinaram um documento, publicado no diário francês Le Monde, em que pregam “um não ao retorno à normalidade”. O físico explicou que isso significa mudar modos de vida e comportamentos. “Como assinala o documento, é hora de entrar em cena o coro dos lúcidos”, frisou Davidovich. “A atual crise vai nos fazer repensar várias questões, entre elas a do desmatamento, um crime que poderá ocasionar novas pandemias”.

O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), João Carlos Salles Pires da Silva, afirmou que a Marcha pela Ciência tem que ser também pela cultura e pela arte. Para ele, existe uma visão instrumental da ciência que é perigosa, pois foca apenas no utilitarismo e nos resultados comerciais, desprezando, por exemplo, as ciências humanas. Para o engenheiro e professor da Unicamp Brito Cruz, a qualidade da ciência feita no país, tendo em vista tantas deficiências e gargalos, é boa, mas o Estado precisa participar mais ativamente, com mais investimentos. O ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação Celso Pansera, da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) e diretor-presidente do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM), criticou as ações do governo federal para retirar recursos e autonomia das universidades. 

O coordenador de Ações de Prospecção da Fiocruz, Carlos Gadelha, disse que a ciência e tecnologia constroem o futuro e que o contingenciamento de recursos abala esse projeto. “Por conta disso, o SUS fica com pés de barro. O país importa cerca de US$ 16 bilhões anuais na Saúde e paga royalties de cerca de US$ 20 bilhões, o que equivale ao orçamento do Ministério da Saúde. Estamos de joelhos e isso obviamente prejudica nossa capacidade de, em momentos como o atual, salvar vidas”. Gadelha disse que indústria nacional necessita de musculatura para poder investir. “Qual será a epidemia de amanhã? Como lidaremos com ela? Os nossos desafios são imensos e para responder a eles precisamos de um projeto soberano de nação, que leve a uma sociedade equânime”.

O presidente da Associação dos Servidores do CNPq (Ascon), Roberto Muniz, afirmou que o sistema de C&T&I foi desmontado, desarticulado e estrangulado, devido à brutal redução de recursos. “Além da falta de investimento, não são abertos concursos, então muitos pesquisadores se aposentam e não são substituídos, aumentando os problemas. Com investimentos e sendo prioridade, a ciência nos permitirá sair da crise, gerando desenvolvimento para todos, não apenas para uma minoria”. A presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), a historiadora Flávia Calé, a última participante do painel a intervir, criticou o que chamou de falsa dicotomia entre vida e mercado. “As elites perderam a vergonha e optaram escancaradamente pelo mercado, icionando os estados nacionais e seus recursos. Fazer um rearranjo dessa situação é um desafio que está à nossa frente. A ciência em nosso país está aquém do potencial de seus pesquisadores, que podem realizar muito mais. Mas isso só vai acontecer com a valorização da pesquisa”.

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