11/12/2018
Por: Kath Lousada (VPPCB/Fiocruz)
Fórum mundial das Nações Unidas sobre biodiversidade objetiva assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais
A cidade de Sharm El Sheikh, Egito, recebeu entre os dias 17 e 29 de novembro representantes de 196 países para a Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Entre os participantes do principal fórum mundial sobre a temática, esteve presente em nome da Fiocruz a assessora da vice-presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas, Manuela da Silva.
A Fiocruz participa das Conferências das Partes (COP) do CDB desde sua primeira edição e contribuiu para a inserção da Saúde na agenda e nas discussões sobre biodiversidade. A COP14 é uma das agendas da convenção, assim como a 9ª reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre biossegurança (COP-MOP 9) e a 3ª reunião das Partes do Protocolo de Nagoya sobre acesso e repartição de benefícios (COP-MOP 3).
A CDB é um tratado da Organização das Nações Unidas (ONU) para promoção do desenvolvimento sustentável envolvendo os ecossistemas, as espécies e os recursos genéticos. Integra a saúde humana e temas como a segurança alimentar, medicamentos, água, ar e meio ambiente limpos e saudáveis, reconhecendo a diversidade biológica para além de plantas, animais, microrganismos e seus sistemas.
O acordo internacional estabelecido na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92) realizada em 1992, no Rio de Janeiro, tem sido revisado a cada dois anos para assegurar a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização de recursos genéticos.
Saúde e Biodiversidade
A Convenção da Diversidade Biológica tem início com a apresentação do texto oficial que aborda e define os diversos aspectos da biodiversidade. Um deles é “Saúde e Biodiversidade”, eixo de atuação da Fiocruz. O texto elaborado para esta temática adotou inicialmente o conceito One Health, por ser considerado um programa amplo em sua abordagem. No entanto, de acordo com Manuela, “a pesquisadora da Fiocruz, Marcia Chame, apontou que essa concepção não contemplava em sua a totalidade a relação saúde e biodiversidade. Com base nesta observação da Fiocruz, o Itamaraty propôs incluir no texto a expressão “entre outras abordagens”. A sugestão foi discutida e apoiada pelos demais países e ao final, o texto incluído no documento foi “entre outras abordagens holísticas” (“One Health approach among other holistics approaches”).”
Ao longo dos anos, as iniciativas da Fiocruz vêm fortalecendo a agenda de saúde e biodiversidade. A Fundação apoiou, como co-anfitriões, oficinas regionais sobre as interligações entre biodiversidade e saúde humana para as regiões das Américas e África, realizadas respectivamente em Manaus, no Brasil, em 2012, e em Maputo, em Moçambique, em 2013.
“Nossos pesquisadores participaram da elaboração de Prioridades Globais Conectadas: Biodiversidade e Saúde Humana, Uma Revisão do Estado do Conhecimento, além de participar da Primeira Reunião do Grupo Interagencial de Ligação sobre Biodiversidade e Saúde Humana na Organização Mundial da Saúde em 2017”, aponta Manuela.
Eventos paralelos
A Convenção organiza agendas por programas temáticos e transversais (side events) que reúnem atores estratégicos para a formulação de princípios e diretrizes que possibilitam o cumprimento das metas estabelecidas na CDB.
Em um dos painéis, Manuela da Silva representou a Fiocruz e a Academia durante a apresentação do Brasil sobre as inovações e resultados alcançados a partir da experiência com a nova legislação nacional de Acesso e Repartição de Benefícios (ASB, sigla em inglês). Este evento foi organizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e contou com a palestra do presidente do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), Rafael Marques, e de representantes da Confederação Nacional da Indústria, Elisa Romano, e do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, Cláudia Pinho.
A assessora da vice-presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas foi representante da Fiocruz no Conselho de Gestão de Patrimônio Genético (CGEN) do Ministério do Meio Ambiente de 2011 a 2015. Por conta de sua experiência representando a academia e a área da saúde, desde 2017 coordena a Câmara Setorial da Academia do CGen. Em nome da Fiocruz, participou das últimas duas COPs nas discussões sobre saúde e biodiversidade que resultaram em decisões adotadas pela Conferência das Partes (COP 12, XII/21 e COP 13, XIII/6).
Participantes de 196 países debatem questões de biodiveridade na COP 14.
Consórcio de Parceiros Científicos
Durante a CDB aconteceu a reunião do Consórcio de Parceiros Científicos em Biodiversidade, do qual a Fiocruz participa desde 2014, que tem a finalidade de ser o suporte técnico-científico da Convenção da Diversidade Biológica.
Participam deste grupo as maiores instituições científicas com atuação em biodiversidade e coleções biológicas do mundo. A adesão ao grupo se dá por meio de convite. Ao fazer parte do consórcio, a Fiocruz apresentou um documento indicando como e em quais das 20 metas estabelecidas no Plano Estratégico para Biodiversidade poderia contribuir para alcançar os objetivos para o período 2011-2020. O documento será atualizado considerando também a Agenda 2030 e os ODS.
A proposta de trabalho do Consórcio é baseada no apoio das instituições maiores às menores no que se refere ao desenvolvimento científico na área de biodiversidade. Neste propósito, foi tema da reunião o programa que possibilita o financiamento de projetos com colaborações internacionais, Bio-Bridge Initiative. Para esta iniciativa, está em análise para uma segunda chamada de financiamento o projeto de ampliação do Sistema de Informação em Saúde Silvestre, SISS-Geo, para Moçambique apresentado pela pesquisadora da Fiocruz, Márcia Chame.
Novos estudos em saúde e biodiversidade
No conjunto de debates e apresentações que ocorreram nos dias da COP 14, iniciativas de novas abordagens relacionando saúde e biodiversidade chamaram a atenção de Manuela da Silva.
O Secretariado da CDB sinalizou a importância de fortalecer estudos que abordem a relação da perda de contato humano com a natureza e os distúrbios de saúde, afetos ao sistema imunológico, como alergias, doenças autoimunes e inflamatórias. De acordo com pesquisadores do projeto Health Urban Microbiome Initiative, o hábito de frequentar áreas verdes de qualidade é benéfico à saúde.
“A Fiocruz já tem projetos que abordam microbioma e saúde humana, mas este tipo de estudo nos espaços verdes é novidade”, afirma Manuela.
O estudo começou na Universidade de Adelaide, na Austrália e atualmente já está presente na Inglaterra, Índia e China. Há uma expectativa de que o Brasil faça parte do projeto. “Com a nossa diversidade de ambientes, nossos vários climas e biomas, seria possível contribuir significativamente para o avanço deste estudo”, pontua Manuela.
Digital Sequence Information (DSI)
Seis reuniões sobre o tema de Informação de Sequencias Digitais (DSI, sigla em inglês) foram realizadas com a participação ativa de países que detém a maior diversidade de espécies no mundo (Like-minded megadiverse countries), países da África e América Latina e Caribe, Canadá, Coreia, Japão, Suíça e União Europeia, entre outros.
O debate considerou as implicações do uso da sequência genética aos três objetivos da CDB. “A Convenção trata de recursos genéticos e o debate girou em torno de se as sequencias genéticas devem ser tratadas da mesmo forma que a matéria física”, explicou Manuela.
Três elementos-chave das reuniões foram: se a repartição de benefícios em DSI será uma exigência; se o tema deverá ser tratado no Protocolo de Nagoya; e a definição de DSI. “Entendo que a definição tem que ser mais restrita a sequencias genéticas, que são produzidos a partir dos recursos genéticos”, observa Manuela.
Ao final das discussões, foi aprovado a decisão da COP 14 sobre este tema.O resultado é o estabelecimento de estudos para definir qual o conceito de DSI a ser adotado; como os países que já possuem legislação de acesso à repartição de benefícios (ABS, sigla em inglês) abordam a questão de sequencias genéticas, incluindo a repartição de benefícios; como DSI é usado; informações sobre rastreabilidade; e a quantidade e o escopo dos bancos de dados públicos e privados.