12/08/2019
Agência Fiocruz de Notícias
Pesquisadores da Fiocruz conseguiram aprovar três moções de iniciativa da instituição na 16ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada entre os dias 4 e 7 deste mês, em Brasília. O evento teve como mote o slogan 8ª+8e como pauta central a retomada das diretrizes da 8ª CNS, de 1986, que estabeleceu as bases do Sistema Único de Saúde. Assim como a 8ª CNS, o tema da conferência de 2019 foi Saúde e democracia. As moções dos representantes da Fiocruz serão incluídas no relatório final.
O empenho de profissionais da Fiocruz nessas moções fez com que conseguissem as 400 assinaturas necessárias para serem apresentadas ao plenário e aprovadas. Depois de 33 anos da conferência que criou as bases do SUS, a consolidação dos princípios que ele consagrou (universalidade, equidade e integralidade) continua sendo um desafio central da saúde. A 16ª CNS contou com a participação de cerca de 5 mil pessoas, sendo que mais de 3 mil foram delegados eleitos nas etapas anteriores (locais, municipais e estaduais).
Presente à conferência, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse que “um SUS forte passa necessariamente pela questão do financiamento. A melhoria da gestão, como sempre se coloca, é fundamental, mas o problema do subfinanciamento tem que ser enfrentado. Temos consciência da situação da crise econômica que o Brasil atravessa, mas também temos noção de que o SUS é uma política de Estado, que precisa ir além da conjuntura específica que vivemos, como um grande patrimônio civilizatório para o país”. A presidente participou ainda de uma live na página do Conselho Nacional de Saúde.
Durante a conferência, foi entregue ao presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, o manifesto SUS, saúde e democracia: desafios para o Brasil. O documento foi assinado por seis ex-ministros da Saúde: Humberto Costa, José Saraiva Felipe, José Gomes Temporão, José Agenor Alvarez da Silva, Alexandre Padilha e Arthur Chioro.
A consolidação dos princípios do SUS (universalidade, equidade e integralidade) foi um dos três eixos que nortearam as discussões da 16ª CNS e que serviu de tema para a segunda mesa de debates da conferência. Participaram da mesa a farmacêutica, militante da Reforma Sanitária e participante da 8ª CNS, Jussara Cony; o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e representante da Rede Unida, Alcindo Ferla, e Maria do Socorro de Sousa, primeira mulher a presidir o Conselho Nacional de Saúde e atualmente pesquisadora da Fiocruz Brasília.
De acordo com Maria do Socorro, “temos muitas propostas para defender o SUS e a saúde pública mas, mais do que reiterar todas elas, é importante recuperar valores éticos e políticos, de cidadania, porque essa foi a grande capacidade da 8ª CNS, que teve a capacidade de juntar quem produzia saúde, produzia conhecimento com quem fazia as lutas sociais nas favelas, nos sindicatos, nas comunidades, nas igrejas. Foi o que deu legitimidade e credibilidade a conferência”. Sozinho, disse Maria do Socorro, o SUS não terá condições de melhorar a condição de vida das pessoas. “O que melhora é a nossa capacidade de dizer ao Estado que é necessário garantir distribuição de renda. Temos ainda muita capacidade para fazer o SUS ser uma política de redistribuição de renda, de garantia da qualidade de vida, de cidadania”.
No primeiro dia da conferência foi exibido o documentário O que nos move(VideoSaúde/Fiocruz), de Daniela Muzi, que acompanha a participação de representantes dos usuários na 15ª CNS, em 2015. Na segunda-feira ocorreu a Roda de Práticas e Soluções em Saúde IdeiaSUS, na qual foram apresentadas práticas municipais das cinco regiões brasileiras.
A Fiocruz também promoveu três atividades autogestionadas: Fake news, democracia e Saúde, Onde está o dinheiro da saúde? e Desafios da atenção primária à saúde no âmbito do SUS em uma conjuntura de desmonte de direitos: a universalidade está garantida?. Segundo uma das coordenadoras desta última, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Mariana Nogueira, o objetivo foi ampliar o debate sobre a conformação histórica da atenção primária, compreendendo que ela é constituída por disputas e interesses econômicos, políticos e sociais. “É fundamental disseminar a necessária garantia da efetivação da atenção primária à saúde como política pública estatal, universal e que se vincula aos princípios do SUS: territorialização, trabalho em equipe, coordenação do cuidado e participação popular". A também pesquisadora da Fiocruz Ligia Giovanella participou da atividade.
A equipe de Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília coordenou a atividade Fake news, democracia e saúde. No encontro, os pesquisadores discutiram com profissionais de saúde e jornalistas que atuam no setor a importância da apuração de qualidade e como isto impacta nos fluxos de informação. A mesa apresentou as características das fake news, bem como a forma que estas interferem na rotina de trabalho de profissionais de saúde.
A Fiocruz Pernambuco promoveu uma atividade autogestionada para divulgar o aplicativo Onde está o dinheiro da Saúde? Por meio dele, qualquer pessoa pode saber como estão sendo aplicados os recursos da saúde no seu município. A ferramenta traduz, para uma linguagem simples e visual, os dados contábeis e da administração pública disponíveis no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops).
Também da Fiocruz Pernambuco veio o jogo eletrônico SuperSUS, lançado na CNS. Desenvolvido pela pesquisadora Islândia Carvalho, o aplicativo tem por objetivo contribuir para que o cidadão conheça os seus direitos no campo da saúde pública, descubra serviços que ainda são pouco conhecidos pela maioria da população e vista a camisa na defesa do SUS. “A recepção tem sido muito boa. O fato de o jogo abordar o SUS como um super-herói conquistou profissionais de saúde que ratificaram que são mesmo ‘super’ e são SUS. Além disso, passaram pelo estande muitos profissionais que salientaram a importância de ter um jogo que mostre o que realmente o SUS faz”.
Outra iniciativa da Fiocruz na CNS foi a nona edição da Roda de Práticas IdeiaSUS, que é um banco de práticas e soluções em saúde e ambiente, que mapeia, registra, sistematiza, divulga e dissemina práticas e soluções para o SUS, em diversos territórios do país. A plataforma surgiu da percepção de que as experiências exitosas tinham um baixo aproveitamento pela gestão e academia e reúne mais de 1.578 práticas de mais de 557 municípios, resultado de cooperação da Fiocruz com o Conass e o Conasems, coordenado pela Fiocruz.
O coordenador do Ideia SUS e chefe de Gabinete da Presidência da Fiocruz, Valcler Rangel, afirma que a Fiocruz busca sempre estar mais próxima da sociedade, e que a participação social, o controle social e a democracia estão no DNA da instituição. “O SUS dá certo porque é um processo de libertação e conscientização, como Paulo Freire falava, é um processo pedagógico. A partir do momento que você aprende a tomar para si os destinos da sua própria saúde, você está se libertando”, explicou Rangel. Durante a roda, foram apresentadas cinco experiências municipais de controle social, que têm como objetivo aumentar a participação com o diálogo e o envolvimento da população. Como a implantação de uma ouvidoria municipal de saúde em Benevides (PA) como estratégia de fortalecimento da gestão da saúde no município. A iniciativa foi implantada durante as pré-conferências municipais de saúde e pelo gestor municipal da saúde, e envolveu diversos departamentos.
Os resultados obtidos foram três formas de acesso ao usuário, que são o atendimento presencial, por e-mail e através das urnas de sugestão bem como uma avaliação mensal dos serviços de saúde além de permitir intervenções pontuais na melhoria do processo de saúde do município. Foi observada a melhoria da qualidade dos serviços de saúde, favorecendo assim o processo de tomada de decisões para a gestão, assim como assegurar e fortalecer um dos princípios do SUS, o controle social.
Outro projeto apresentado foi o Conselho de Saúde Itinerante: um Desafio para o Conselho de Saúde de Aracati (CE). O projeto buscou levar informações à população que tem dificuldade em obtê-las, é fazê-la conhecer seus direitos e deveres e, consequentemente, elevar a capacidade dos indivíduos de participarem efetivamente do processo de tomada de decisões que afetam suas vidas. Assim, estimulou a participação dos usuários e trabalhadores de saúde nas discussões sobre saúde, controle social e problemáticas enfrentadas para a operacionalização das ações e serviços de saúde em seus respectivos distritos sanitários, para divulgar o Conselho Municipal de Saúde como instrumento democrático de participação da comunidade no Sistema único de Saúde (SUS).
Moções
A primeira das três moções apresentadas pela Fiocruz teve como motivação a necessidade de fortalecimento da ciência, tecnologia, inovação e produção em saúde, ampliando a capacidade do Estado de induzir o desenvolvimento e a produção de novos insumos e tecnologias de saúde, fortalecendo o SUS. A providência solicitada é a de implantação de políticas públicas que privilegiem a ciência, tecnologia, inovação e produção pública de vacinas, medicamentos, equipamentos, serviços e insumos para saúde pública no país. Melhora da capacidade do Estado de induzir a interação academia-Estado-indústria-sociedade. Segundo o texto, uma política nacional de saúde priorizará a ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e a produção nas instituições públicas de produtos e serviços estratégicos em saúde como uma base essencial para o fortalecimento do SUS e de um projeto nacional de desenvolvimento comprometido com a soberania nacional, a autonomia tecnológica e os direitos sociais e a sustentabilidade ambiental. O acesso a serviços, medicamentos, vacinas, produtos para diagnóstico e equipamentos médicos necessários para a população devem ser garantidos pelo SUS. A atuação das instituições públicas, de acordo com o texto, deve ser fortalecida, pois são o suporte a uma base nacional de ciência, tecnologia & inovação e produção que garanta o acesso universal, equânime e integral da população brasileira.
Ainda de acordo com a moção, a Fiocruz, como instituição estratégica de Estado e integradora do sistema de ciência, tecnologia e inovação em saúde, deve ser fortalecida como um patrimônio da população brasileira para ter acesso ao conhecimento e aos produtos de saúde de que necessita. O texto conclui afirmando que a população brasileira tem direito à saúde, à CT&I e ao desenvolvimento, que o acesso universal aos produtos em saúde é um direito humano essencial e que ninguém pode ser negligenciado.
Outra moção teve como fato motivador a necessidade de fortalecimento do papel do Estado e da sociedade civil na proteção social e no desenvolvimento de ações para o enfrentamento da epidemia de zika e suas repercussões, por meio de financiamento e gestão adequada dos sistemas de saúde, assistência social, educação, ciência, tecnologia e inovação. A providência solicitada é a implementação da carta de recomendações para o enfrentamento das consequências da epidemia de zika no Brasil visando a influenciar políticas públicas que garantam a atenção à saúde, proteção social e educação inclusiva voltadas para às necessidades das famílias e crianças afetadas pela Síndrome Congênita da zika, bem como o investimento em ciência e tecnologia para continuidade das pesquisas e seus impactos epidemiológicos, clínicos, sociais e para produção de biofármacos. De acordo com o texto, o apoio ao enfrentamento das consequências da epidemia da zika no Brasil decorre da Carta de Recomendações que foi construída a partir das contribuições de pesquisadores de diversas áreas, gestores de saúde e representantes da sociedade civil, reunidos na oficina de trabalho pré-Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, organizada em julho de 2018 pela Rede Zika de Ciências Sociais, vinculada à Fiocruz. No Brasil, a epidemia de Síndrome Congênita do Zika (SCZ), predominantemente detectada entre 2015-2016, continua registrando casos na maioria das regiões brasileiras, indicando que persiste a circulação viral com transmissão congênita e, portanto, existe potencial para a ocorrência de surtos. Além disso, permanecem as graves consequências para pessoas e famílias afetadas pela SCZ.
O fato que motivou a terceira moção apresentada pela Fiocruz foi a necessidade de se fortalecer a produção de conhecimento e as políticas de enfrentamento às violências no âmbito dos municípios, estados e país, ampliando a capacidade do Estado brasileiro em responder à esta grave problemática. A providência solicitada é o fortalecimento das políticas públicas, em especial a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências e das ações delas decorrentes, em cada segmento social afetado, respeitando suas especificidades e o princípio de integralidade do SUS.
A violência é um problema social, cultural e histórico que se intensifica em sociedades marcadas por desigualdades, iniquidades e injustiças sociais e ambientais, as quais desestruturam bases familiares, comunitárias e territoriais necessárias ao desenvolvimento humano e a uma cultura de paz. Segundo a moção, estão sendo produzidas informações alarmantes acerca de homicídios, agressões, suicídios e tentativas de suicídio, dentre outras graves formas de violência. As vítimas mais frequentes dessas formas de violência são homens jovens, mulheres, idosos e população LGBTI, em especial mulheres trans e travestis.
A questão racial é de suma importância: tem sido observado um aumento das taxas de mortes e agressões de negros e negras e uma redução entre pessoas não negras. A chance de um jovem negro ser morto era, em 2015, 2,7 vezes maior. Crianças e adolescentes vivenciam muitas violências no âmbito da família, escola e comunidade, propiciando sofrimento físico e psíquico, que pode se expressar através de agressividade, ansiedade e depressão, fragilizando o seu desenvolvimento ao longo da vida. Estas vulnerabilidades estão refletidas nos marcadores sociais de idade, gênero, raça e orientação sexual.
O texto ressalta o agravamento dos conflitos armados que vêm ocorrendo, especialmente nas grandes cidades, o que gera extrema insegurança e a constante violação de direitos da população. Os serviços de saúde são impactados, usuários e trabalhadores, uma vez que têm sua rotina alterada em função da violência. Esses serviços necessitam de financiamento e gestão adequados para garantir a prevenção, a atenção e a reabilitação das pessoas.
A moção afirma que o setor saúde precisa dar respostas e prover cuidado às pessoas direta e indiretamente atingidas pela violência. Destacam-se as repercussões na saúde física e mental que desembocam em agravos agudos e crônicos, contribuindo para uma subjetividade violenta voltada para o outro ou contra si próprio, atingindo não apenas o indivíduo, mas também sua família, amigos e comunidade, deteriorando condições econômicas, relacionais e emocionais. Consciente desta situação de adoecimento e morte da população brasileira decorrente da violência, é importante considerar as interfaces entre violência e saúde como estratégicas, de forma a reunir esforços de diversas instituições e da sociedade em prol do desenvolvimento de conhecimentos, metodologias e práticas que colaborem no enfrentamento de tão grave problema, cujo custo humano é incalculável.
É imprescindível fortalecer e avançar em tais ações. Destaca-se a importância dos movimentos sociais, que têm aguerridamente denunciado a situação de violência do país, provocado o Estado a elaborar respostas eficazes e criado estratégias de enfrentamento. Esforços históricos do Ministério da Saúde e de todo o SUS têm marcado a elaboração de políticas e estratégias de enfrentamento das múltiplas e graves consequências da violência. É importante que sejam mantidos e fortalecidos os serviços e estratégias de prevenção, vigilância, atenção e reabilitação pelo Ministério da Saúde, estados e municípios para o fortalecimento da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Ações de formação continuada de profissionais de saúde, produção de pesquisas em ciência e tecnologia e fortalecimento dos serviços precisam ser priorizados para a promoção da vida, prevenção da violência e cuidado das pessoas.
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