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Entrevista: Processo de abertura de dados para pesquisa na Fiocruz ganha mais uma referência para o debate

14/11/2018

Por: GTCA/Fiocruz

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O processo de formulação da Política de Abertura de Dados para Pesquisa na Fiocruz acaba de ganhar mais um elemento de referência para a discussão interna sobre o tema que se iniciou em julho deste ano. Produzido pelo Grupo de Trabalho em Ciência Aberta (GTCA) | Marcos Legais, após sete meses de trabalho, foi publicado –  e já está disponível no Repositório Arca  – o documento Marcos legais nacionais em face da abertura de dados para pesquisa em saúde: dados pessoais, sensíveis ou sigilosos e propriedade intelectual, um mapeamento feito no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de identificar os marcos legais nacionais que incidem sobre temas vinculados à abertura de dados para pesquisa em saúde, tais como utilização e proteção de dados pessoais, sensíveis ou sigilosos, propriedade intelectual, segurança da informação, reúso e compartilhamento de dados. 

O estudo sobre marcos legais relacionados à abertura de dados para pesquisa em saúde, cujo lançamento acontecerá no próximo dia 22 de novembro, se soma a três outros documentos publicados pelo GTCA este ano, os quais têm o duplo objetivo de se tornar fonte de informação para o debate interno sobre essa temática e subsidiar a elaboração das diretrizes da política. São eles: o Termo de Referência Gestão e abertura de dados para pesquisa na Fiocruz; o Livro Verde - Ciência aberta e dados abertos: mapeamento e análise de políticas, infraestruturas e estratégias em perspectiva nacional e internacional; e o Sumário Executivo do Livro Verde, também disponíveis no Arca. 

Para conhecermos um pouco sobre o que trata o documento Marcos legais nacionais em face da abertura de dados para pesquisa em saúde: dados pessoais, sensíveis ou sigilosos propriedade intelectual, entrevistamos os autores Allan Rocha de Souza, Danilo Doneda, Francisco José Nascimento e Paulo Guanaes (também organizador).

Confira: 

Qual é a importância para a Fiocruz do estudo sobre marcos legais que têm relação com abertura de dados para pesquisa em saúde?

Paulo Guanaes: A importância concreta é a criação de um documento, produzido pelo GTCA | Marcos Legais e já depositado no Repositório Institucional Arca, que registra e disponibiliza para a comunidade da Fiocruz e para a sociedade um mapa de normas (com links para o texto legal,  descrição do seu objeto, justificativa para  sua seleção e comentários explicativos) que fornecem subsídios jurídicos que vão servir para prover o desenvolvimento e a elaboração da Política de Abertura de Dados para Pesquisa da Fiocruz, atualmente em debate na instituição com base no termo de referência Gestão e Abertura de Dados para Pesquisa. O mapeamento, efetuado no ordenamento jurídico brasileiro, identificou um conjunto de 21 normas, dentre elas a Constituição Federal, leis federais, decretos, resoluções do Conselho Nacional de Saúde, portaria e resolução de ministérios, e propostas normativas, que incidem sobre temas vinculados à abertura de dados para pesquisa em saúde, tais como utilização e proteção de dados pessoais, sensíveis ou sigilosos, propriedade intelectual, segurança da informação, reúso e compartilhamento de dados. Um outro ponto importante do estudo, que relata a pesquisa documental realizada entre janeiro e julho de 2018 em fontes legislativas primárias do período de 1988 a 2018, é a contribuição para o tema por meio de análises ético-jurídicas sobre o movimento Ciência Aberta e as novas práticas de produção do conhecimento que ensejam uma pesquisa mais colaborativa e compartilhada, com a utilização de grandes volumes de dados cujo tratamento, uso e reúso esbarram em questões relativas a direitos e garantias individuais e coletivas, além daquelas relacionadas à ética em pesquisa e à responsabilidade social científica das instituições. Nesse sentido, ressalta-se a seção “Sobre os atos normativos nacionais que impactam ou têm potencial de impactar a abertura de dados para pesquisa”, que versa sobre a fundamentação jurídica da abordagem do tema abertura de dados para pesquisa por uma instituição de científica como a Fiocruz, que deseja avançar nessa questão e, para tanto, necessita regular internamente, com base nas diretrizes e limites normativos, a temática como forma de oferecer maiores garantias e segurança aos pesquisadores.

O estudo mostra que não existe no Brasil uma legislação específica sobre todo o processo de pesquisa em saúde pública. Em que medida a recém-criada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) preenche essa lacuna no que se refere à regulação quanto a dados de pesquisa em saúde e abertura de dados?

Danilo Doneda: Acredito que a LGPD represente uma contribuição concreta para um marco regulatório em pesquisa e, especificamente, pesquisa em saúde pública. A bem da verdade, este marco regulatório foi desenvolvido ao longo dos anos em torno de instrumentos e institutos que procuram estabelecer e implementar um conjunto de padrões éticos para a pesquisa que envolve seres humanos, com destaque para as resoluções do Conselho Nacional de Saúde. Mais recentemente, no entanto, a possibilidade de utilizar dados das mais variadas fontes para a pesquisa pública em saúde despertou a necessidade de uma fundamentação e base jurídica ampliada para que tais dados pudessem ser regularmente utilizados sem que houvesse maior risco aos seus titulares. Para tal, e para contemplar o desenvolvimento de técnicas que passaram a se valer efetivamente desses dados para pesquisa pública em saúde, o tema passou a ser referenciado em diversas legislações de proteção de dados que, assim como hoje faz a LGPD no Brasil, procuraram proporcionar segurança para pesquisadores e titulares dos dados.

Quais os dispositivos da LGPD que tratam diretamente da pesquisa em saúde pública?

Danilo Doneda: A atividade de pesquisa é contemplada na lei 13.709/2018 (LGPD) primeiramente ao se definir o órgão de pesquisa, em seu art. 5º, XVIII, como instituição da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos com a finalidade de realizar pesquisa básica ou aplicada de caráter histórico, científico, tecnológico ou estatístico. Mais adiante, em seu art. 13, a LGPD estabelece regras específicas para  a pesquisa em saúde pública, deixando clara a possibilidade de utilização de dados pessoais, porém estabelecendo a necessidade do recurso a ambiente seguro de acordo com especificações a serem determinadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, bem como fixando a completa impossibilidade de que dados identificativos sejam divulgados em qualquer forma. Estabelece-se, ainda, a responsabilidade do órgão de pesquisa pela segurança dos dados pessoais utilizados.

A lei de direitos autorais e a lei de propriedade industrial protegem o que no contexto de uma política de abertura de dados para pesquisa? 

Allan Rocha: Antes de adentrarmos especificamente na resposta, é importante ressaltar o fato de que progressivamente os direitos autorais foram ampliando seu objeto para além das expressões literárias, artísticas e científicas, incluindo também a tecnologia na forma de programas de computador das mais variadas feições. Mais recentemente, a própria informação passa a ser apropriada e, no limite, aspectos conceituais começam a ser considerados como elementos de proteção. Dito isso, a vinculação da ciência aberta com a propriedade intelectual mais amplamente tem como foco os dados e informações que nutrem as estruturas empresariais, e sobre as quais buscam uma exclusividade, seja em razão de segredos de negócios, seja como parte do universo patenteável. Dados (pessoais ou científicos) são igualmente centrais para a relação entre ciência aberta e direitos autorais, porém, neste caso, a vinculação se dá em razão não dos dados considerados em si mesmo, mas da forma como são selecionados, organizados e dispostos nos bancos de dados, que são protegidos pela lei de direitos autorais e, em razão de sua estrutura essencialmente digital, também pela Lei de Software, o que adiciona uma nova camada de complexidade. Isso traz para a política de abertura de dados para a pesquisa da Fiocruz desafios importantes, como a discussão acerca de questões sobre titularidade (quem é dono); usos reservados, condicionados ou livremente acessíveis; os instrumentos contratuais necessários à efetivação da política; e a responsabilidade pelos usos e pelo próprio banco de dados. Todas questões necessárias a serem superadas, e que devem ser enfrentadas considerando o desafio duplo da complexidade e novidade da política. 

O que significa a expressão “dados públicos administrativos”?

Francisco Nascimento: Dados públicos administrativos são todos aqueles dados que compõem os ativos informacionais do Governo, ou seja, todos os dados estruturados ou não e disponíveis em qualquer formato, meio ou suporte acumulados no exercício da atividade pública administrativa. Nesse sentido, precisamos considerar esses dados sob dois aspectos: dados públicos administrativos de pesquisa e dados públicos administrativos para a pesquisa. Sabemos que no campo da saúde compete aos entes estatais a execução de pesquisas para o desenvolvimento da ciência e da saúde; assim, na pesquisa como uma atividade pública administrativa, os dados gerados, utilizados e acumulados seriam considerados dados administrativos de pesquisa. No segundo aspecto, podemos considerar que a universalidade dos dados produzidos, utilizados e acumulados no exercício da atividade pública administrativa são dados com potencialidade para o emprego na pesquisa, ainda que, em sua gênese, não tenham sido concebidos no contexto de uma pesquisa; aqueles selecionados e coletados para a pesquisa seriam considerados dados públicos administrativos para a pesquisa. Logo, os dados públicos administrativos de pesquisa seriam uma parte do todo denominado dados públicos administrativos.

Conheça os autores: 

 Allan Rocha de Souza
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto Três Rios, Três Rios, RJ, Brasil;
Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, Proprietas, Niterói, RJ, Brasil.

 

 

 

 

 Danilo Doneda 
Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, DF, Brasil.
Francisco - Fundação Oswaldo Cruz, V

 

 

 

 

 

 Francisco José Nascimento 
Fundação Oswaldo Cruz, Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

 

 

 

 

 Paulo Guanaes 
Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
 

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