24/03/2017
Por: Gustavo Carvalho (CCS/Fiocruz)
O debate Ano Oswaldo Cruz: perspectiva nacional e a Fiocruz do futuro, lotou o auditório da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) na última quinta-feira (16/3). Além de estudantes e trabalhadores, diversos ex-presidentes da Fundação foram ouvir a palestra da presidente Nísia Trindade Lima e participar do debate ao final. Moderador e idealizador do evento, Carlos Gadelha, que está à frente da Coordenação das Ações de Prospecção da Presidência, diz que a proposta é realizar uma série de encontros para discutir a estratégia de futuro da Fundação, “o desafio é transformar o pensamento prospectivo em política institucional concreta”.
Destacando a Rede de Prospecção que já existe na Fiocruz, com o Centro de Estudos Estratégicos, o Projeto Saúde Amanhã e o Sistema Gestec–NIT, Gadelha afirmou que o evento “marca uma grande chamada para todas as unidades da Fundação, existe uma potência enorme de articulação da inteligência da instituição para avançarmos para o futuro, com propostas que possam ser absorvidas pelo sistema Fiocruz, projetos coletivos de mudança institucional”. Em referência à prospecção, ele citou Simone Beauvoir: “O presente não é um passado em potência, ele é o momento da escolha e da ação”.
A presidente Nísia Trindade ressaltou a importância da iniciativa para “combinar uma atividade acadêmica com o pensar a instituição, tomar isso como objeto de reflexão sistemática não é simples, mais é fundamental para pensarmos um projeto de sociedade e de país”. Nísia ponderou que “a palavra-chave quando se fala em prospecção é futuro, mas a imaginação histórica não significa a recuperação do fato, e sim colocar as questões no tempo e em perspectiva, como uma forma de iluminar futuros possíveis, uma forma também de prospectar passados”. Para ela, quando se pensa em inovação na Fiocruz é preciso reforçar o papel de advocacy da instituição, “ou seja a apropriação do conhecimento aqui gerado em agendas públicas, naturalmente não como atores isolados”. Para Nísia, a pergunta norteadora de sua intervenção foi: como é possível fazer ciência em um país de capitalismo periférico?
Ela iniciou sua apresentação citando Os sertões (1903), clássico de Euclides da Cunha, como exemplo da discussão que animava os intelectuais brasileiros no início do século 20, sobre civilização e progresso. “Ele trazia a reflexão sobre o que era o Brasil dito atrasado, o que seria o Brasil moderno, a ideia de que havia não apenas uma diferença social e econômica, mas também uma diferença espaço-temporal, como se o litoral vivesse na temporalidade da Europa moderna e o sertão três séculos atrasado”. Segundo Nísia, aquela foi uma discussão que marcou uma tradição de estudos, o pensamento sobre o Brasil e também o campo da saúde pública. “Isso só seria refutado nos anos 1970, no livro do [sociólogo] Francisco de Oliveira, A economia brasileira: crítica à razão dualista”, observou.
A questão que permanece atual é, segundo a presidente, é “como institucionalizar a ciência, como fazer dela uma atividade estável, com alguma autonomia, no sentido da valorização também de seu papel social?”. Para Nísia, isso pressupõe transmissão de conhecimento e políticas articuladas. Citando o livro Gênese e evolução da ciência brasileira (1976), de Nancy Stepan, que considera o primeiro grande estudo de caráter mais acadêmico sobre a Fiocruz, afirmou que “no caso de nossa matriz institucional, associar a resposta a uma grande emergência sanitária (a produção do soro da peste bubônica, por exemplo), com a sua ampliação para uma agenda de pesquisa mais ampla, a formulação de políticas públicas e a criação de uma instituição”.
Nísia fez um rápido histórico da atuação da Fiocruz, “que não foi só nos surtos epidêmicos urbanos, mas da presença da Fundação no território brasileiro através das primeiras expedições científicas, que acompanharam a expansão do Estado nacional brasileiro em sua infraestrutura, na construção de ferrovias, correios e telégrafos, nas obras contra as secas no Nordeste”. Foi acompanhando essa expansão que importantes descobertas científicas aconteceram, de acordo com a presidente, “justamente porque a base institucional conjugou a atividade de pesquisa a estas respostas de caráter mais imediato”. A presidente citou diversos pensadores que influenciaram a reflexão sociológica sobre a saúde no Brasil, como Carlos Chagas, Belisário Penna, Arthur Neiva, Samuel Pessoa, Antonio Candido, Josué de Castro, Ernani Braga, até chegar a Sérgio Arouca, com seu discurso Democracia é saúde, na 8ª Conferência Nacional de Saúde [em 1986, em Brasília].
Ao falar sobre desafios para o futuro, Nísia enfatizou o papel da Fiocruz na promoção de ciência, tecnologia e inovação em benefício da sociedade, destacando “a qualidade, a quantidade e a abrangência de sua produção científica, contribuindo de uma forma transdisciplinar, no campo das ciências biomédicas, sociais e humanas e uma grande diversidade de áreas e subáreas de conhecimento”. Ela considerou que essa é uma riqueza da instituição, “mas como potencialidade, que para se realizar necessita de unidade em questões essenciais, para uma ação programática visando a Fiocruz do futuro”.
Para abordar o papel da Fiocruz na aproximação do conhecimento científico e a geração de inovações, Nísia lembrou a entrevista que concedeu no ano passado ao Projeto Saúde Amanhã. Na entrevista ela afirma que a “principal formulação da Fiocruz é considerar o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) parte integrante do SUS. Isso significa que não se trata do desenvolvimento científico e tecnológico ou da inovação por si. É preciso garantir o acesso universal e equitativo à saúde e à assistência farmacêutica, além de investir na formulação e produção de fármacos e no campo dos produtos biológicos no qual a Fiocruz tem atuação relevante e de liderança nacional”.
Para o ano marcado por homenagens ao centenário da morte de Oswaldo Cruz, a presidente relacionou outros temas para uma agenda da Fiocruz do futuro. Ela citou, entre outros, a preparação da instituição para a chamada “quarta revolução tecnológica”, que envolve conectividade em grande escala, internet das coisas, medicina personalizada como estratégia de saúde pública. Apontou os desafios institucionais na educação permanente, “qualificando e preparando as pessoas para os profundos processos de transformação institucional e na sociedade brasileira. E também os desafios do desenvolvimento sustentável, com a Fiocruz “como protagonista na formulação, na definição de políticas e na implementação de práticas sustentáveis, no contexto da Agenda 2030”.
Para concluir Nísia lembrou Mario de Andrade e o movimento antropofágico dos modernistas, afirmando que a Fiocruz precisa “ser capaz de assimilar o que vem, não nos fechando a influências externas. É necessário processá-las e trazê-las para uma agenda compatível com o ideal do SUS, da ciência e tecnologia a serviço da vida, da inovação pensada com vistas a produzir cidadania no Brasil”.
Assista na íntegra ao vídeo disponibilizado pela VideoSaúde Distribuidora no Youtube.
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