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Em entrevista, autoras do livro Plágio falam sobre más condutas no meio acadêmico


18/03/2015

Por Fernanda Marques/ Jornal Linha Direta

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No prólogo do livro Plágio: palavras escondidas, publicado pelas editoras Letras Livres e Fiocruz, as autoras Debora Diniz e Ana Terra apresentam o texto e definem bem o seu tema: “Este livro é sobre o plágio, uma forma de enganação textual em que um pseudoatuor assume como suas as palavras de um autor. Intencional ou descuidado, o pseudoautor mente para o leitor: substitui assinaturas em um texto e não informa sobre a anterioridade da criação”. Na entrevista concedida ao Jornal Linha Direta, as autoras Debora Diniz e Ana Terra falam sobre más condutas no meio acadêmico e de alguns aspectos do tema tratados no livro.

LD - O problema do plágio tem sido suficiente e apropriadamente discutido entre pesquisadores, alunos e professores nas universidades e centros de pesquisa brasileiros? Se não, quais seriam os principais motivos desse silêncio?

R - O plágio é um daqueles temas que chamamos de tabu. Está por aí, mas conversamos pouco sobre ele. Quando ele vira assunto, é porque já houve um escândalo nas notícias, pois foi cometido por algum pesquisador de grande universidade, ou porque algum aluno plagiou e o professor descobriu. Aí o tom da conversa é pouco reflexivo e muito prescritivo — acredita-se que a “solução” seja censurar e punir. Há pelo menos dois motivos para esse silêncio. O primeiro é o próprio tabu. O tema do plágio causa incômodo, por isso parece que se evita falar dele. O segundo é uma falsa crença de que os saberes sobre como se comunicar academicamente já sejam conhecidos de todos. Isso não é verdade. A escrita acadêmica é difícil, tem uma série de convenções, e é em seu permanente exercício que a aprendemos. É preciso socializar-se a essas regras e isso requer que elas sejam expostas, discutidas, pra ticadas. Os professores universitários têm papel fundamental na quebra desse silêncio entre os estudantes, mas também precisamos de boas comissões de ética na escrita acadêmica.

LD - O plágio é considerado grande vilão no ambiente acadêmico, mas existem outros tipos de má conduta científica – talvez tão ou mais frequentes. Quais têm sido identificadas nas universidades e centros de pesquisa brasileiros?

R - Muitos equívocos éticos têm alguma interseção com o plágio, seja pela conduta desonesta, seja pelo desvio de autoria. Falhas como fabricação ou manipulação de dados — quando o pesquisador inventa dados ou os distorce —, ou mesmo conflitos de autoria fantasma (ghost authorship) ou convidada (guest authorship) têm sido noticiados. Há também casos de compra de trabalhos acadêmicos por estudantes e até fraudes no currículo Lattes. Um caso de má-conduta pode envolver tanto a fabricação de dados como o plágio, por exemplo. Isto é, pode ocorrer mais de um tipo de infração ética ao mesmo tempo. Nesse caso, o plágio costuma ser a primeira evidência de uma rota tortuosa. Outra questão ética textual é a autor-repetição indevida, que alguns chamam de autoplágio. Há um paradoxo no termo autoplágio, pois a definição de plágio envolve a apropriação do texto de outra pessoa, e não de si mesmo, mas de fato a publicação duplicada pode ser um problema em um contexto em que se valoriza o pesquisador pela quantidade de publicações. Não conhecemos pesquisas que mapeiem os equívocos éticos no país, mas talvez essa lacuna seja justamente o que reforce nossa ideia de que há um silêncio que precisa ser rompido.

LD - A cobrança por crescente produtividade científica pode estar entre as causas do plágio e de outras más condutas? Que outras causas poderiam ser apontadas?

R - A infração ética é multicausal. Não podemos dizer que o plágio decorra simplesmente da pressão por publicar. A ideia do publish or perish merece atenção, mas antes como um equívoco nos critérios de avaliação dos pesquisadores que como uma causa do plágio. Há pesquisadores produtivos que não são plagiadores. E alunos que plagiam estão manifestando desconhecimento, desinteresse ou preguiça, e não pressão por produtividade. Não conhecemos bons estudos sobre as motivações para o plágio — outra lacuna silenciosa, pois aqueles que copiaram indevidamente não costumam ser ouvidos —, mas as desculpas que mais encontramos são ignorância das regras de normalização, memória fotográfica e descuido nas notas de leitura.

LD – Softwares para detectar plágio e punição exemplar estão entre as formas de combate ao problema. Seriam as mais efetivas? Qual seria a melhor prevenção?

R - A patrulha tecnológica é uma ferramenta para comprovar a materialidade da cópia. Como professores e editores receosos de sermos enganados, recorrer aos caça-plágios pode trazer segurança, como um “selo de qualidade” daquilo que estamos lendo. Mas há problemas importantes no uso de softwares, como os falsos positivos e, principalmente no campo pedagógico, o pressuposto de que todo aluno vai errar. Se usado um caça-plágio, a cópia identificada terá sempre de passar por um bom leitor humano. E, comprovado o plágio, a punição será uma resposta ao caso particular, mas não a solução do problema. Antes, é preciso estabelecer uma cultura de troca de ideias sobre plágio: expor o tema, informar, debater. Sobretudo, ensinar como, quando e por que citar, ou ainda como, quando e por que parafrasear. A comunidade acadêmica deve estar em permanente diálogo sobre as formas de se comunicar. Simplesmente proibir e punir não é eficiente para gerar mudanças de comportamento.

LD - As diferentes áreas do conhecimento tratam o plágio da mesma maneira? O modo como a física e a biologia encaram o problema é similar ao das artes, por exemplo?

R - Há diferenças, sim. Os limites do que é repetição aceita ou indevida variam. Nas artes, uma imitação criativa, em que um artista se inspira no trabalho de outro, pode ser uma prática aceita e inclusive bem-vinda. É o que acontece com as paródias, por exemplo. Na culinária, posso acrescentar uma folhinha de manjericão a uma receita e terei um prato novo, sem ser acusada de plágio. Na comunicação acadêmica, os limites são menos generosos. Há um dever de reconhecer quem antecedeu nossas ideias, por isso atribuir as fontes, por meio de citações e referências, é tão importante. Ainda assim, há diferenças entre como cada área interpreta a repetição. O que é visto como plágio nas humanidades pode não ser ofensivo nas ciências biomédicas. Se estou replicando um experimento, por exemplo, é esperado que a seção de metodologia de meu artigo seja semelhante à do experimento original. Há uma discussão importante se essa repetição atinge os limites da cópia indevida, pois os dados serão originais.

LD - E quando o plágio e outras más condutas na ciência extrapolam o meio acadêmico, envolvendo disputas judiciais e ocupando as manchetes dos jornais? O que esses casos podem nos ensinar?

R - O plágio em si não é crime; porém, quando envolve infração a direito autoral, pode, sim, ser judicializado e é provável que seja também noticiado. Isso nos mostra que as consequências do malfeito podem ser muitas, mas sempre desastrosas para o pesquisador e para a ciência. O pesquisador pode sofrer processo judicial e passar vergonha, especialmente se o caso for divulgado na imprensa. Sem dúvida, haverá um abalo em sua carreira: ele poderá ter seu título de mestre ou doutor cassado, poderá perder o emprego e a bolsa de pesquisa. O ostracismo, para ele, será quase uma sentença. Para a ciência, o plágio e as demais más-condutas também são dramáticos: eles ameaçam a confiança das pessoas no fazer científico. Imagine um teste clínico de uma vacina: se for descoberta fraude no tratamento dos dados, como confiar na eficácia dessa vacina? Já ouvimos um caso em que um campo inteiro deixou deter adesão de pesquisadores por conta de um episódio anterior de fraude. É como se a reputação daquela área ficasse manchada e os pesquisadores se afastassem. E se ninguém se interessa por aquele campo, o conhecimento sobre ele ficará em atraso.

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