10/04/2023
Fonte: Icict/Fiocruz
A Amazônia é o centro do mundo porque precisamos que a natureza esteja no centro. Foi assim que Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista, definiu o tema principal de sua fala durante a aula inaugural do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz) em 2023. Realizado no dia 5 de abril, no Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos, o evento teve muitos significados, além de abrir oficialmente o calendário letivo do Icict no ano. A palestra de Brum também fez parte das comemorações dos 37 anos da unidade, fundada em 7 de abril de 1986.
A aula inaugural contou com uma mesa de abertura composta por Cristiani Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Rodrigo Murtinho, diretor do Icict, e Mel Bonfim, vice-diretora de Ensino do Icict. Em seguida, a plateia de trabalhadores, pesquisadores e estudantes das comunidades Icict e Fiocruz assistiu à mesa de apresentação de Eliane Brum, que contou com a mediação da pesquisadora Renata Gracie, do Laboratório de Informação em Saúde (LIS/Icict).
Nas histórias contadas pela jornalista, temas que atravessam os diversos debates sobre comunicação, povos indígenas, saúde e meio ambiente. "Dizer que a Amazônia é o centro do mundo não é uma frase retórica ou uma frase pretensamente de efeito. É algo mobilizador, que envolve uma questão ética", afirmou Eliane Brum, referindo-se ao título de sua palestra (Por que a Amazônia é o centro do mundo).
Eliane Brum durante a aula inaugural do Icict (Foto: Raquel Portugal)
Ela detalhou experiências de mais 30 anos no jornalismo, nas mais diversas coberturas pela Amazônia, incluindo a construção da Usina de Belo Monte, em Altamira, no Médio Xingu. As muitas andanças e reportagens de Brum pelo local geraram o documentário Eu+1: Uma jornada de saúde mental na Amazônia, que narra a história de uma equipe de atenção em saúde mental na Amazônia, formada para escutar os ribeirinhos atingidos pela usina hidrelétrica. Dirigido por ela, o documentário registra a construção da Clínica de Cuidado a partir da voz de João Pereira da Silva, expulso de sua ilha no rio Xingu. "Essas pessoas precisavam ser escutadas de alguma outra maneira porque elas já estavam muito traumatizadas", destacou.
E é em Altamira que a jornalista vive desde 2017 e o local que ela escolheu para sediar o seu mais recente projeto jornalístico, a plataforma Sumaúma, no ar desde 2022. Brum falou sobre a experiência e sobre algumas das perspectivas em relação à iniciativa, que conta com jornalistas e comunicadores indígenas e quilombolas. Um projeto que pretende fazer jornalismo com um olhar a partir da natureza e, mais especificamente, da maior floresta tropical do planeta. "Uma democracia do século XXI só pode fazer sentido se ela abarcar os direitos da natureza e os direitos das outras espécies", defendeu.
Ao abordar a tragédia vivida pelos povos do território Yanomami, Brum foi enfática: "Em Sumaúma, a gente não chama de crise humanitária, a gente chama de genocídio." A escritora falou também sobre outras características da plataforma jornalística, como, por exemplo, dar voz a parcelas invisibilizadas e com pouca ou nenhuma voz na sociedade. "As crianças são as que mais sofrem por causa desses grandes projetos que devastam as florestas. Porque elas perdem a ideia de comunidade, perdem as famílias. E ninguém pergunta como elas se sentem. Em Sumaúma, nós perguntamos para as crianças", destacou.
Eliane Brum exaltou que a importância do Brasil se dá pelo fato de a floresta amazônica estar em seu território e não o contrário. "O Brasil é que é a periferia da Amazônia. O Brasil só tem relevância pelo fato de grande parte da floresta estar no território do país", disse. E, para ela, essa floresta não pode jamais ser medida ou pensada por valores ou ativos econômicos. "A floresta tem um valor em si e por si. A floresta é! Ela é uma conversa entre milhões de gentes diferentes, humanas e não humanas, num intercâmbio constante", defendeu Eliane.
A palestra de Brum encerrou o calendário de aulas inaugurais da Fiocruz em 2023, que trouxeram ao debate público temas de profunda relevância da agenda nacional. O calendário de atividades foi iniciado em 2 de março, com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) recebendo o rapper, escritor e ativista MV Bill. No dia 16 de março, a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) recebeu a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, que falou sobre o legado das mulheres negras no país. No dia 31 de março, a ministra da Saúde Nísia Trindade foi a grande convidada da aula inaugural da Fiocruz, intitulada A Fiocruz e eu: percurso afetivo e reflexivo sobre nossa história recente.
Confira a apresentação de Eliane Brum na íntegra:
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